Um bom autor de novelas deve saber conduzir sua obra ao gosto da audiência, correto? O problema é que, na ânsia de aumentar os números e corrigir os desacertos de determinada história, alguns novelistas se perdem e acabam fazendo de suas próprias tramas verdadeiros “sambas do crioulo doido”.
“A Lei do Amor” é um significativo exemplo disso. Obrigados a alterar o planejamento inicial de sua história, Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari por vezes acabaram deixando a verossimilhança de lado nas tramas que (re)construíram na tentativa de fazer bonito no horário nobre da Globo.
Vejamos os casos mais grotescos que fizeram de “A Lei do Amor” – cujo último capítulo vai ao ar nesta sexta-feira (31) – uma das tramas mais difíceis de engolir nos últimos anos.
Letícia: a chata que virou um amorzinho
Letícia (Isabella Santoni) começou a história como uma daquelas personagens que parecem talhadas para irritar o público: mimada, birrenta e constantemente manipulada por Tião (José Mayer) para jogar areia no relacionamento de sua mãe, Helô (Cláudia Abreu), com Pedro (Reynaldo Gianecchini).
Bastou o primeiro focus group para detectar a rejeição da audiência à personagem. Foi encomendada então aos autores uma mudança nesse sentido, a qual eles atenderam mais que prontamente: em um passe de mágica, Letícia se deu conta da falta de caráter do pai de criação e passou a ser uma das maiores incentivadoras do romance entre Helô e Pedro. Simplesmente não convenceu.
Isabela, Marina e o curso-relâmpago de massagista do ano
A troca de identidade de Isabela (Alice Wegmann) prometia ser um dos grandes motes de “A Lei do Amor” – não à toa, a audiência até cresceu após a chegada de Marina (Alice Wegmann), suposta sósia da garçonete, dando a entender que seria a própria em um plano de vingança pela tentativa de assassinato de que foi vítima.
Agora, o contexto em que a “nova Isabela” surgiu na história foi um tanto quanto indigesto. Após uns poucos meses desaparecida, a moça humilde que mal havia completado o Ensino Médio reapareceu transformada em uma brilhante massagista, a ponto de, no primeiro teste no spa de Gigi (Mila Moreira), já ser enviada curar as dores nas costas da cliente mais exigente do local, Magnólia (Vera Holtz) – tarefa que Isabela/Marina tirou de letra, sobressaindo-se às mais experientes profissionais da renomada clínica.
Estando praticamente certo que Marina admitirá ser Isabela diante de Tiago (Humberto Carrão) no último capítulo, a pergunta que não quer calar é: que diabo de curso por correspondência ou série de tutoriais do YouTube foi capaz de transformar a “usurpadora das 9” na melhor massoterapeuta do Rio de Janeiro, e em tão pouco tempo?
Hércules: o bobo da corte que “sempre” foi um grande vilão (aham…)
Agora, nenhuma reviravolta foi tão polêmica – e inverossímil – quanto a vivenciada por Hércules Leitão (Danilo Granghéia). Bastou Magnólia ser presa para o marido bobão de Luciane (Grazi Massafera) trazer à tona uma face que ninguém conhecia – provavelmente nem os autores.
O personagem, que até então só sabia fazer trapalhadas e adular a esposa fogosa, revelou-se o mentor da armação que quase desbancou Salete (Cláudia Raia) da disputa à prefeitura de São Dimas, tendo inclusive contratado Leonardo (Eriberto Leão) para seduzi-la e manchar sua imagem, e não pensou duas vezes em mandar matar a adversária depois que a tramoia não alcançou os resultados esperados.
Não satisfeito, Hércules foi cúmplice de Mag no sequestro de Helô e ainda por cima confessou, em conversa com Leonardo, ter passado anos roubando a família. “Esse é o lado bom de todo mundo pensar que eu sou um imbecil. Tive 20 anos para juntar meu próprio patrimônio, sem ninguém jamais suspeitar!“, gabou-se. Então tá, né, Maria Adelaide…
Trocas de pares: haja criatividade (e improviso)!
Os triângulos amorosos e trocas de pares são comuns em toda novela que se preze. Eles fazem bem ao ritmo e ao volume da narrativa – sempre e quando sejam feitos com o mínimo de critério. Coisa que evidentemente faltou em “A Lei do Amor”.
Comecemos pelo caso mais bisonho: Flávia (Maria Flor). Feminista e empoderada, a filha de criação de Salete pôs um fim em sua relação com David (Rafael Lozano) e resolveu de repente se interessar por um completo machista, Misael (Tuca Andrada). Após muitas diferenças – e óbvias – diferenças com ele, a DJ finalmente desistirá da relação impossível e, nas últimas cenas da trama, trará mais uma surpresa: vai se revelar bissexual e assumirá namoro com Gabriela (Fernanda Nobre).
Enquanto isso, contrariando todas as expectativas, Antônio (Pierre Baitelli) deixará de lado sua louca paixão pela massagista Ruty Raquel (Titina Medeiros), a qual alardeou durante toda a trama, para dar asas a um súbito interesse por Letícia – a quem serviria como prêmio de consolação depois do final feliz entre Tiago e Marina. Largada para escanteio, Ruty Raquel vai acabar nos braços de ninguém menos que… Misael! Aff…
Peneira no elenco
Tão logo a baixa audiência de “A Lei do Amor” começou a preocupar a Globo, não foi difícil detectar um dos problemas centrais da trama: o excesso de personagens. Era um sem-fim de núcleos e histórias paralelas, muitos deles com histórias mornas, que dificultavam o ritmo da narrativa.
Villari e Maria Adelaide promoveram então uma verdadeira limpa no elenco. Foi assim que tipos como Arlindo (Maurício Machado), Bruno (Armando Babaioff), Venturini (Otávio Augusto), Marcão (Paulo Lessa) e Lia (Mônica Torres) saíram de cena com os mais diferentes pretextos – alguns deles de forma definitiva, outros, com direito a reaparições pontuais. Caso, por exemplo, do médico Bruno, que retornou nos episódios recentes de sua viagem ao Canadá apenas para o happy ending com seu par romântico, Jéssica (Marcella Rica) – outra personagem inusitada, que passou de prostituta e traficante de drogas a uma verdadeira santinha.
Casal principal inconsistente
Na primeira fase de “A Lei do Amor”, Helô (Isabelle Drummond) decidiu se separar de Pedro (Chay Suede), de quem estava grávida, após flagrá-lo na cama com outra mulher, sem saber que tudo não passava de um plano de Magnólia para afastar a moça de seu enteado. Anos depois, porém, ao reencontrar seu grande amor, a heroína (Cláudia Abreu) descobriu a verdade e entendeu que Pedro (Reynaldo Gianecchini) jamais seria capaz de traí-la de forma tão vil, certo? Errado!
Na reta final da trama, o velejador acabou tendo uma reaproximação inesperada com a ex-namorada angolana, Laura (Heloisa Jorge), com quem teve uma noite de amor apesar de seu compromisso com Helô. Esta, por sua vez, ficou sabendo da traição – desta vez real – e foi tirar satisfações com o ex, que tentou minimizar o fato. “Foi só sexo”, “justificou” ele, em um comportamento bem pouco condizente com o de galã apaixonado.
Fatos assim abalaram a identificação e a torcida do público pelo romance dos protagonistas, gerando inclusive muitas críticas negativas à novela nas redes sociais. Também cabe uma crítica à repetição do mote que reaproximou Helô e Pedro na segunda fase para integrar Laura à história: assim como a heroína, a angolana também tivera uma filha do arquiteto sem conhecimento deste.
O estranho estupro de Vitória
Agora, nada em “A Lei do Amor” conseguiu ser mais bizarro do que a origem inesperada do filho de Vitória (Camila Morgado). Ela, que anunciou no começo da história estar grávida de Ciro (Thiago Lacerda), acabou descobrindo que o pequeno Caio era fruto de um estupro do qual sequer se lembrava!
A “reviravolta” aconteceu da forma menos convincente possível: de repente, Vitória ficou sabendo que ainda estava grávida durante sua internação em uma clínica, no início da história. Fazendo as contas, a moça concluiu então que Caio só poderia ter sido gerado em uma festa dada na casa de Venturini, da qual, por ter bebido demais, não se lembrava de nada – fatos nunca antes mencionados.
Mais tarde, durante um passeio com o filho, a esposa de Augusto (Ricardo Tozzi) cruzou por acaso com Leonardo na rua – e bastou olhar para o rosto do vilão para lembrar-se que ele estava presente na tal festa e a havia violentado no banheiro da casa de Venturini, engravidando-a sem saber.
Era evidente o quanto os autores, sem cartas melhores na manga, estavam improvisando fatos fora do planejamento inicial e costurando-os muito mal no que já haviam escrito até então. Uma pena, não é?