Ei, fiscal de luto, vai procurar o que fazer!

Paris
Todas as dores precisam ser respeitadas, registradas, reproduzidas e amplamente repudiadas.

As redes sociais deram voz a quem antes não tinha a oportunidade de expressar ideias. Entretanto, também abriu a chancela da baixaria e do patrulhamento comportamental. Todos ocupam a cadeirinha de “dono da razão” e o outro sempre está errado. Um dia depois de um dos maiores atentados terroristas contra o mundo civilizado, o nível de estupidez chegou em status alarmante. Um grupo importante e influente de pseudo “ativistas digitais” parou de discutir o que realmente importa para se preocupar com a foto que outros internautas colocaram no Facebook.

França, 13 de novembro de 2015. Oito atiradores do Estado Islâmico, fortemente armados, resolvem tirar centenas de vidas inocentes em pontos importantes da capital francesa. Dada a importância simbólica do ocorrido, levando em consideração que o grupo terrorista é o mais sanguinário e ameaçador da história da raça humana, a mídia mundial derruba todas as pautas locais e passa a mirar as lentes para a Europa. Será que uma guerra está por vir?

Brasil, 14 de novembro de 2015. “Nossa, por que a Sandra Annenberg está chorando? E sobre o desastre ambiental do Rio Doce, ninguém fala nada?”; “Hoje o Jornal Nacional só falou de Paris. Vergonhosa a atitude do editor-chefe Sr. William Bonner. Mariana, Bento Rodrigues?”; “Emissora financiada pelo PSDB. Querem esconder o caso só porque é em Minas Gerais. O povo não é bobo! Abaixo a Rede Globo!”.

Eu, repórter há quase uma década, defensor da causa LGBT, da causa feminista e radicalmente contra o racismo, também escrevendo para a editoria de cidades (entenda-se, de violência urbana) durante quase três anos em Salvador, resolvi entrar na campanha lançada por Mark Zuckerberg e colocar a bandeira da França em meu avatar. Enquanto isso, na timeline, outros camaradas comentavam coisas do tipo “Cadê a bandeira de Minas Gerais?” e “Não lamento pelo desastre em Paris porque eles são brancos e ricos”.

O fato é que o mundo está cheio de problemas. Se começarmos a elencar e protestar contra todos os sintomas da sociedade doente em que vivemos, teríamos que viver a base de Rivotril. Dezenas de pessoas morrem diariamente nas filas dos hospitais públicos. Dezenas de pessoas morrem diariamente vítimas da violência urbana ou da polícia militar truculenta. Dezenas de pessoas morrem vítimas da seca no Nordeste. Temos muitas causas para lutar e não podemos destacar todas ao mesmo tempo. São fatos tristes e se solidarizar com uma não invalida a importância da outra.

Os “fiscais de luto” precisam entender que cada um lida com a dor de um jeito diferente. Se você considera o colega hipócrita por protestar contra os atentados em Paris e não contra uma tragédia qualquer local, lembre-se que você também é um hipócrita – já que está perdendo tempo bisbilhotando a vida alheia em vez de lutar por causas importantes. Se você está incomodado porque o seu amiguinho postou a hashtag “#PrayForParis” no Twitter, saiba que o problema está com você e não com ele. Sugiro que vá procurar outra coisa mais útil para fazer.

Todas as dores precisam ser respeitadas, registradas, reproduzidas e amplamente repudiadas. O colega jornalista Dudu Guimarães publicou o que considero a melhor definição para o que aconteceu nas últimas horas: “O ser humano é a única espécie com a opção de sentir compaixão pelas pessoas, mas prefere criar uma competição de qual tragédia deve nos abalar mais”. Preciso dizer mais alguma coisa? Tempos difíceis.

[OBSERVAÇÃO: Os jihadistas já deram provas de que não estão de brincadeira. O mundo civilizado e democrático está em perigo. É claro que não queremos mais uma guerra, mas também não dá mais para assistir tragédias como essa de braços cruzados. O que aconteceu em Paris é injustificável. É inadmissível que 200 mil integrantes do Estado Islâmico coloquem medo em bilhões de pessoas ao redor do mundo. É preciso tomar atitudes mais drásticas contra o terrorismo. Acorda, Obama!]

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Henrique Brinco é formado em jornalismo pelo Centro Universitário Jorge Amado (Unijorge), de Salvador. Escreve sobre mídia e cultura pop há oito anos em grandes veículos de comunicação, com passagens pela Rede Record de Televisão e Rede Bahia (afiliada na Rede Globo na capital baiana). Também foi colaborador de diversas publicações voltadas ao turismo local.

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Henrique BrincoHenrique Brinco
Henrique Brinco é baiano, formado em Comunicação Social pela Unijorge, de Salvador. Atua no jornalismo desde 2008, passando pelas editorias de política, cidades, cultura e entretenimento em diversos portais de notícias, locais e nacionais. É colaborador do RD1 desde 2012, onde já foi responsável pela editoria de Famosos e autor da coluna Por Trás da Mídia. É fã número 1 de reality shows. Fala besteira no Twitter (@brinco) o dia todo também!