Há 10 anos, estreava “Duas Caras”, a novela problemática que irritou políticos, evangélicos e virou alvo da Record

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Susana Vieira e Renata Sorrah também foram antagonistas em “Duas Caras”

No dia 1 de outubro de 2007, a Globo colocava ao ar uma das novelas mais emblemáticas do horário nobre, “Duas Caras”. Escrita por Aguinaldo Silva, sob a direção geral de Wolf Maya, o folhetim tinha como missão repetir o sucesso anterior do autor, “Senhora do Destino” (2004), mas acabou estreando com uma sinopse confusa e diversos personagens indefinidos.

No ano anterior, quando estava produzindo a ideia central da história, que com o título provisório de “É a Educação, Estúpido!”, Aguinaldo Silva afirmou à imprensa que a trama “ainda não tinha trama central”, mas era certo que Susana Vieira seria mais uma vez sua protagonista, interpretando uma personagem chamada Leonor Villela.

Poucos meses depois, entretanto, ele afirmou que havia feito diversas mudanças e anunciou a trama central que o folhetim realmente teve. Nesta versãp, Susana aparecia como uma das personagens centrais, mas com outro nome: Branca Maria.

Anos depois, em entrevista ao Viva, o dramaturgo revelou que sua ideia inicial era que Evilásio, personagem de Lázaro Ramos, fosse o protagonista da trama, mas Juvenal Atena (Antônio Fagundes)acabou se sobressaindo na história e ganhando destaque.

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Antes de Marjorie Estiano, Aguinaldo Silva queria Carolina Dieckmann e Mariana Ximenes como protagonista

Dificuldade para montar o elenco e o acordo com João Emanuel Carneiro

Aguinaldo Silva convidou vários atores de “Senhora do Destino” para o elenco de “Duas Caras”, mas enfrentou diversas dificuldades na escalação. Antes de Marjorie Estiano, Carolina Dieckmann era a primeira opção do autor para interpretar a mocinha Maria Paula, mas a atriz engravidou e teve que desistir do projeto.

O segundo nome pensado para o posto de protagonista foi o de Mariana Ximenes, mas atriz, que também havia se recusado a interpretar a prostituta Bebel na novela anterior, “Paraíso Tropical” (2007), preferiu tirar férias da TV e só voltaria a atuar em “A Favorita” (2008), substituta de “Duas Caras” no horário nobre.

A propósito, Aguinaldo Silva fez um acordo informal com o colega João Emanuel Carneiro: aceitou o “não” de Ximenes em troca de Aline Moraes, que estava preservada até então para o elenco do folhetim protagonizada por Claudia Raia e Patrícia Pillar. A transição foi benéfica para Aguinaldo, já que a vilã Silvia foi um dos grandes destaques da produção.

Marjorie Estiano e Dalton Vigh em cena de “Duas Caras”

O novelista enfrentou ainda outros desfalques importantes, como o de Eduardo Moscovis. Convidado para interpretar o dúbio Marconi Ferraço, o ator já estava ausente das novelas para se dedicar a outros projetos e também recusou a oferta, sendo substituído por Dalton Vigh – Dalton, aliás, também iria substituir Moscovis em outra novela do Aguinaldo, “Fina Estampa” (2011).

José Mayer foi o terceiro grande nome a desfalcar o elenco de “Duas Caras”. O ator veterano era cotado para interpretar o empresário Juvenal Antena, mas como estava escalado para “A Favorita”, recusou o convite, sendo trocado por Antônio Fagundes. Aguinaldo Silva chegou a dizer que sem Du Moscovis e Zé Mayer não iria escrever a novela com o mesmo entusiasmo.

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“Duas Caras” enfrentou diversos obstáculos para entrar nos eixos

Desentendimentos, atrasos nos bastidores e saia-justa em premiação

Depois superar os problemas a cerca da desistência de atores, a equipe de “Duas Caras” teve que se empenhar para apaziguar os ataques de estrelismo e desentendimentos entre atores do chamado “primeiro escalação”, além de resolver problemas envolvendo atrasos nas gravações por conta de algumas mudanças no roteiro.

José Wilker foi um dos atores que mais se incomodou com o ritmo intenso das gravações. O ator chegou a ameaçar abandonar a trama caso o problema não fosse resolvido. Lázaro Ramos também reclamou com a direção da Globo, que por meio de uma nota oficial confirmou os atrasos, mas prometeu que tudo seria solucionado.

Segundo o jornal “Extra”, Alinne Moraes e Dalton Vigh não se suportavam nos bastidores. Susana Vieira também deu trabalho para a equipe. De acordo com o portal Terra, a intérprete da Branca teria brigado feio com as atrizes Marília Pêra e Júlia Almeida, filha do autor Manoel Carlos, e com maquiadores e cabeleireiros da produção, devido às suas exigências.

A atriz também teria tido desentendimentos com Renata Sorrah, sua antagonista desde “Senhora do Destino”. Coincidentemente ou não, Renata recusou um convite para atuar na minissérie “Cinquentinha”, produzida em 2009, na qual Susana Vieira foi a protagonista. Marília Pêra também deixou a história após gravar vários episódios também por conta de sua inimizade com Susana.

A propósito, Pêra sempre se incomodou de atuar em papeis secundários na TV. A veterana venceu o Prêmio Contigo da televisão de 2007 como melhor atriz coadjuvante por conta de sua personagem em “Duas Caras”, mas negou-se a receber o troféu alegando que “sua vida de atriz não foi escrita como coadjuvante” e pediu que o prêmio fosse repassado à atriz Guida Vida, sua colega de cena no folhetim.

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Aguinaldo Silva abandonou os textos de “Duas Caras” no meio de uma crise de audiência

Sumiço misterioso de Aguinaldo Silva

Em dezembro de 2007, com apenas dois meses de exibição, “Duas Caras” enfrentava sérios problemas na audiência. A trama acumulava uma média de 37,4 pontos na Grande São Paulo, índice que na época era aceito para a faixa das 19h. A baixa repercussão frustrou Aguinaldo Silva, que teria pedido para se afastar da produção.

Segundo a revista IstoÉ, o dramaturgo estava à beira de um ataque de nervos e decidiu tirar férias enquanto a emissora tentava resolver os problemas da trama. A equipe de colaboradores do autor, formado por nomes como Filipe Miguez e Izabel de Oliveira – que mais tarde escreveriam “Cheias de Charme” (2012) e “Geração Brasil” (2014), Glória Barreto, Sergio Goldenberg, entre outros, assumiu os textos por poucos dias.

O afastamento de Aguinaldo chegou a ser anunciado oficialmente pela Globo, mas o autor voltou atrás, decidiu retomar os trabalhos e conseguiu reverter os baixos índices de audiência da história, que chegou ao fim com 41 pontos de média, a maior média de uma novela das oito/nove desde então.

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Pole dance irritou Ministério da Justiça

Problemas envolvendo Classificação etária

Quando estreou no horário nobre, “Duas Caras” recebeu do Ministério da Justiça a Classificação de 12 anos. Mas o órgão logo se irritaria com as cenas envolvendo a personagem Alzira (Flávia Alessandra), uma enfermeira que nas horas vagas trabalhava como dançarina de pole dance no prostíbulo Uisqueria Cincinnati. As diversas cenas sexuais e palavras de baixo calão fizeram o MJ abrir um processo para reclassificar a obra como inadequada para menores de 14 anos.

Com a mudança, a novela teria de ser exibida das 21h em diante, o que não acontece em Estados com fusos horários diferentes do de Brasília, e também aos capítulos exibidos às quartas-feiras, em dias de jogos. Para se livrar deste problema, Aguinaldo resolveu explodir a uisqueria, criando um suspense em torno de quem era o responsável pelo crime. Como forma de protestar contra o que chamou de censura, o autor colocou Alzira para dar aulas de pole dance em academias de ginástica comportadas.

Triangulo amoroso motivou cenas consideradas preconceituosas em “Duas Caras”

Cenas de violência praticadas por evangélicos causou polêmica

Em março de 2008, um capítulo de “Duas Caras” mostrou um grupo de evangélicos liderados pela intolerante Edivânia (Susana Ribeiro) tentando linchar o triângulo amoroso formado por Dália (Leona Cavalli), Heraldo (Alexandre Slaviero) e Bernardinho (Thiago Mendonça). A cena foi criticada pela própria atriz que interpretou a religiosa fanática. Em entrevistas à imprensa, ela disse que as gravações foram “estranhas”, por misturar violência com palavras da bíblia.

A Record, por meio do “Domingo Espetacular”, declarou guerra contra a novela global pelas sequencias consideras preconceituosas. Uma longa reportagem feita pelo dominical reproduziu a indignação de líderes evangélicos, telespectadores comuns e juristas sobre o assunto, além de exibir a cena do ataque ao triângulo amoroso do folhetim praticamente na íntegra.

Já a Globo, em resposta às acusações, afirmou que preconceito era classificar Edivânia como evangélica, já que a personagem é “uma fanática desequilibrada”, que poderia existir em qualquer dominação religiosa.

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Daniel RibeiroDaniel Ribeiro
Daniel Ribeiro cobre televisão desde 2010. No RD1, ao longo de três passagens, já foi repórter e colunista. Especializado em fotografia, retorna ao site para assinar uma coluna que virou referência enquanto esteve à frente, a Curto-Circuito. Pode ser encontrado no Twitter através do @danielmiede ou no [email protected].