Sobre Fiuk, “A Força do Querer” e o legado do Cigano Igor

Foto: Divulgação / TV Globo
Fiuk é o destaque negativo de “A Força do Querer”

Não existe publicidade ruim, afirma o conhecido provérbio. Essa premissa algo sem-vergonha – e que, aliás, combina bem com o famoso “jeitinho brasileiro” – consiste em retrabalhar o que seria a princípio uma falha, um demérito e transformá-lo em algo a seu favor. Sua aplicabilidade estende-se aos mais diversos campos da atuação humana, do universo do marketing e propaganda ao âmbito empresarial – e a dramaturgia não é exceção.

Glória Perez parece saber disso muito bem. A autora vem arrancando elogios do grande público e da imprensa especializada com a condução da novela “A Força do Querer”, cujos índices de audiência – os maiores desde o fenômeno “Avenida Brasil” – já são motivo de comemoração nos bastidores da Globo.

Do drama do transexual Ivana/Ivan (Carol Duarte) às aventuras eletrizantes da polêmica Bibi Perigosa (Juliana Paes), é difícil apontar um único ingrediente da receita da atual trama das 21h em que Glória não tenha acertado. A menos que nos detenhamos a pensar na sofrível interpretação de Fiuk como o playboy Ruy, um dos protagonistas da história – único “porém” constantemente enfatizado nas redes sociais pelos seguidores da trama.

Não é de hoje que quase todos vêm torcendo o nariz para o desempenho do filho de Fábio Jr. É fato, porém, que a rejeição ao personagem e a seu intérprete foram crescendo à medida que se aproximou o clímax do triângulo amoroso formado por Ruy, Ritinha (Ísis Valverde) e Zeca (Marco Pigossi). Na semana em que foi ao ar a cena em que Ruy, cego de ira e ciúme, atira contra Zeca, a chuva de críticas à atuação de Fiuk atingiu uma torrencialidade inédita, com direito à criação do “fiukômetro”, meme que mostra diferentes escalas de emoção do artista, todas com exatamente o mesmo semblante – uma alusão debochada à sua falta de expressividade em cena.

Como se vê, é um erro de escalação que a audiência não parece disposta a perdoar. Mas terá sido mesmo um equívoco da produção da trama ou uma tentativa intencional de chamar a atenção pelo “kistch”? Se voltarmos um pouco atrás no currículo da autora, veremos que Fiuk já teve seu primeiro digno representante em “Explode Coração”, trama da mesma autora que foi sucesso na Globo em 1995, também no horário nobre – e que entra em breve em reexibição pelo canal Viva.

Na ocasião, as atenções estavam todas voltadas para o drama de Dara (Tereza Seiblitz), uma cigana disposta a romper com as rígidas tradições de seu povo, amorosamente dividida entre o empresário Júlio Falcão (Edson Celulari) e o cigano ortodoxo Igor – papel do ex-modelo e ator iniciante Ricardo Macchi, cuja performance se transformaria em uma referência de interpretação duvidosa na teledramaturgia nacional.

Curioso notar, porém, que nada disso afetou a acolhida do folhetim perante o grande público – ao contrário: em certa etapa da história, chega a surgir uma certa torcida para que Dara terminasse a novela nos braços de Igor, que, embora inicialmente rejeitado pela moça, impressionou-a diversas vezes pela dimensão do amor que lhe devotava.

Dez anos depois, Glória Perez revisitaria – propositalmente ou não – o legado de Macchi e de seu cigano Igor ao bancar a transformação do modelo texano Lucas Babin em galã de novelas brasileiras. Nascido e criado nos EUA, mas dono de um português fluente, ele foi escolhido para completar com Deborah Secco e Murilo Benício o triângulo amoroso central de “América” (2005), na pele do antipático peão Nick.

Bastou Babin surgir em cena para seu talento ser posto em xeque por público e crítica, com direito a comparações imediatas com seu precursor em “Explode Coração”. Desta vez, porém, o tiro saiu pela culatra: “América” enfrentou sérios problemas de audiência em seus primeiros meses no ar, e até uma forte rejeição ao romance principal foi determinada. Perez tomou medidas drásticas: separou o casal Tião (Benício) e Sol (Secco) e lhes conferiu novos interesses românticos em Simone (Gabriela Duarte) e Ed (Caco Ciocler). Já Nick foi sendo gradativamente esquecido da trama, e seu intérprete desapareceria para sempre da mídia.

Em 2009, outro caso similar se deu em “Caminho das Índias”. Márcio Garcia (Bahuan) não convenceu como galã do horário nobre, e foram crescendo os apelos do público para que o atencioso Raj (Rodrigo Lombardi) conquistasse de vez o coração da heroína Maya (Juliana Paes). A saída encontrada por Glória Perez foi desistir de matar o personagem, como previsto inicialmente, e torná-lo o par romântico oficial de Maya, alcançando Lombardi ao posto de galã do momento e relegando Garcia, o protagonista original, a segundo plano. Foi preciso penar um pouco, mas, de uma forma ou de outra, estava encontrada a fórmula que transformou “Caminho das Índias” em um grande sucesso.

Como se vê, uma presença duvidosa no elenco principal está longe de ser novidade na obra da Glória Perez – e não necessariamente de forma a significar prejuízo para a popularidade dos títulos da novelista, e muitos menos para os índices de audiência da “vênus platinada”. Coincidência ou jogada de marketing, não nos surpreendamos caso outros “Fiuks”, “Macchis” e derivados surjam nas futuras produções da atual rainha do horário nobre.

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Felipe Brandão é jornalista diplomado pela Faculdade Pitágoras (PR) e atua desde 2010 escrevendo sobre televisão e cinema. Aficionado por entretenimento, com predileção especial pelas novelas – nacionais e estrangeiras -, possui passagens por veículos como as revistas “Conta Mais” e “TV Brasil” e integra desde 2016 a equipe do RD1, nas funções de redator e editor-assistente.

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