Está marcada para 18 de junho a volta de “Vale Tudo” ao Canal Viva, às 15h30 (com reprise à 0h30). O regresso do folhetim – um dos mais pedidos pelos telespectadores, nos primeiros meses deste ano – se dá em meio à celebração das três décadas de sua exibição original. Clássico da TV brasileira, “Vale Tudo” é de uma genialidade ímpar! Considerando tramas, diálogos, elenco, produção e bastidores, listo abaixo dez bons motivos para acompanhar esta terceira reapresentação (considerando a do “Vale a Pena Ver de Novo”, em 1992, e a do próprio Viva, em 2010).
Antes mesmo da revolucionária “Beto Rockfeller” (Tupi, 1968), a telenovela já se preocupava em discutir as mazelas do público. Com “Vale Tudo” não foi diferente. O que a coloca um grau acima das demais é a forma como o tema foi inserido na trama – ou vice-versa. O enredo propunha um debate sobre ética a partir do questionamento “vale a pena ser honesto no Brasil de hoje?”. A questão segue martelando a cabeça dos brasileiros. E, ao que parece, estamos longe de uma resposta definitiva. A corrupção, das pequenas às grandes, está entranhada no nosso dia-a-dia, tal qual no caráter de praticamente todos os personagens. Observar esta junção de realidade e ficção é o primeiro passo para entender porque “Vale Tudo” é tão pertinente.
Evidente que boa parte da incontestável excelência da trama é proveniente da união de três grandes autores – embora, ainda hoje, há quem considere um mais “pai” da ideia do que outro: Gilberto Braga, responsável pelo argumento inicial, grande observador da classe média alta tão bem espelhados em “Dancin’ Days” (1978) e “Água Viva” (1980); Aguinaldo Silva, tarimbado em produções que retrataram o drama dos marginalizados, como “Lampião e Maria Bonita” (1982) e “Bandidos da Falange” (1983); e Leonor Bassères, a “porção romântica” das obras de Gilberto, de quem foi parceira de “Brilhante” (1981) a “Celebridade” (2003), seu último trabalho. Com três grandes em atividade, o resultado não poderia ser menos do que grandioso!
A lente aguçada de Gilberto, Aguinaldo e Leonor para a imoralidade reinante no Brasil de 1988 acabou por ampliar os horizontes do folhetim. Calcada na crítica social, “Vale Tudo” soa hoje tão atual quanto foi naquele ano de inflação galopante e de promulgação da Constituição. Tão necessária quanto naquele 1992 que culminou com o impeachment de Fernando Collor de Mello. Tão imprescindível quanto em 2010, no pós-“mensalão”, num Brasil que diminuía o abismo social e expandia o roubo de dinheiro público, em todas as esferas do poder. Lamentavelmente, a julgar pelo panorama político, “Vale Tudo” seguirá oportuna por muitos e muitos anos. Afinal, “de uma maneira ou de outra aqui nessa terra todo mundo é corrupto!”.
A frase acima é de Maria de Fátima (Gloria Pires). De um cafajestismo incomum; ávida por uma vida de luxo. Contraponto à mãe, Raquel (Regina Duarte). Brasileira de nascimento e coração; partidária da honestidade. O embate de mãe e filha é deflagrado logo no primeiro capítulo, quando Fátima vende casa da família e parte para o Rio de Janeiro atrás de “marido rico”, na concepção de Raquel. E norteia toda a narrativa, pautando as ações dos demais personagens. Protagonistas no sentido mais amplo da palavra. Fátima oscila o tempo todo entre a ambição desmedida e a afeição às vítimas de suas ações, especialmente a mãe. Raquel transita entre a moral ilibada e ao apego aos seus, especialmente a filha. Atrizes e personagens em estado de graça…
Um terceiro nome contribuiu para fazer de “Vale Tudo” um clássico: Odete de Almeida Roitman (Beatriz Segall). De uma sinceridade lancinante, Odete disparou verdades doloridas a respeito do nosso país. Disse, com seu peculiar veneno, o que muita gente tem vergonha de dizer. E, mais ainda, de admitir. A vilã-mor do folhetim extrapolou os limites da maldade ao espezinhar os filhos, tal qual humilhava seus subordinados; ao se unir a gente de índole tão ruim quanto a dela, usando de ações criminosas para reduzir seus inimigos a pó. Desacreditada até por diretores da Globo, Beatriz Segall colocou Odete Roitman na galeria de grandes tipos da televisão brasileira. Ela nos despreza. Mas nós, mesmo diante de tamanho mau-caratismo, a amamos.
Não só de Regina Duarte, Glória Pires e Beatriz Segall vive “Vale Tudo”. A novela reúne um dos elencos mais brilhantes de todos os tempos! A começar por Antonio Fagundes, o boa-praça Ivan, dividido entre a honestidade da amada Raquel e o desejo de enriquecer – impulsionado, óbvio, pelas dificuldades financeiras que lhe tiram o sono. Também Carlos Alberto Riccelli, o adorável sedutor César, de um oportunismo à altura de sua partner, Maria de Fátima. Aqui, um dos trabalhos de maior expressão de Renata Sorrah, tão bom quanto, ou até melhor, que “rainha dos memes” Nazaré Tedesco, de “Senhora do Destino” (2004). Também Reginaldo Faria (Marco Aurélio), Cássio Gabus Mendes (Afonso), Nathalia Timberg (Celina)…
Há, ao público que tem por hábito revisitar folhetins de décadas atrás, o prazer de se deparar com astros e estrelas em início de carreira. E artistas que fizeram história na TV, mas que hoje, por diferentes motivos, não mais figuram na telinha. No primeiro caso, temos Cássia Kis e Lilia Cabral coadjuvando, respectivamente, como Leila e Aldeíde. Dentre os novatos também estão Flávia Monteiro (Fernanda), Marcello Novaes (André) e Marcos Palmeira (Mário Sérgio). A cultuada Lídia Brondi registrou em “Vale Tudo” um de seus melhores momentos: Solange Duprat, a ruivíssima editora de moda da revista Tomorrow, alvo das maldades de Fátima e Odete. Dentre os que deixaram saudade, Cláudio Corrêa e Castro (Bartolomeu) e Adriano Reys (Renato).
Quando estreou no Canal Viva em 2010, “Vale Tudo” mobilizou noveleiros, num fenômeno acompanhado via redes sociais – que a TV aberta só testemunharia dois anos depois, com “Avenida Brasil”. Festas “retrô” pipocaram país afora; comentários sobre a moda e os merchandisings, inclusive de produtos e marcas em desuso, suscitaram matérias em inúmeros veículos. Naquele tempo, o Viva não editava as produções que exibia, como fez agora em “Bebê a Bordo” (1988). Espera-se que tal medida também seja aplicada nesta nova apresentação. Afinal, nós assistimos “novela velha” para nos divertimos com as mangas bufantes, os jeans de cintura alta e os cabelos “cheinhos” – só o corte de Solange, essa diva, não saiu do circuito.
Um dos baratos de “Segundo Sol”, atual novela das 21h, é resgatar clássicos da axé music, em novas e velhas versões. Uma boa trilha ajuda a fazer uma boa novela. Eis o caso de “Vale Tudo”, embalada por ‘Brasil’, que Cazuza compôs com George Israel e Nilo Romero, e Gal Costa tratou de emplacar na abertura. O Brasil, contudo, se viu retratado também em ‘É’, do repertório de Gonzaguinha, e ‘Isto aqui o que é’, eternizada por Caetano Veloso. Cazuza voltou à carga com ‘Faz parte do meu show’, hit daquele 1988. A trilha internacional – estampada por Cássio Gabus Mendes e Lídia Brondi, “apenas bons amigos” até então – vendeu mais de um milhão de cópias, reunindo nomes como George Michael, Sade, Tracy Chapman e Whitney Houston.
Se nada do que citei anteriormente é motivo suficiente para fazer com que você se ligue em “Vale Tudo”, fica a última dica. A primeira reposição da trama no VIVA se deu numa hora ingrata, 0h45, com reprise no dia seguinte, de novo em horário impróprio, 12h. De lá pra cá, a novela ganhou versão em DVD; também está à disposição dos telemaníacos no YouTube e no acervo pirata de alguns colecionadores. Nenhuma destas “plataformas on-demand”, contudo, superar o prazer de acompanhar um novelão na companhia de outros fãs do gênero, em casa ou nas redes sociais. Espera-se que o Viva respeite “Vale Tudo”. Afinal, a faixa de agora, 15h30, é mais interessante do que a de 2010. A trama tem tudo para “bombar”! De novo.
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Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.