O Brasil vai se apaixonar de novo, sim ou com certeza? Nesta segunda-feira (24), o Canal Viva estreia Mulheres Apaixonadas (2003), novela de Manoel Carlos que marcou a faixa das oito na Globo. Agora, a trama tem a missão de manter a liderança de audiência conquistada por O Clone (2001) às 23h e às 13h30 – e nas maratonas de domingo, 19h. Tarefa fácil para um clássico como este… Abaixo, 10 razões para curtir a Helena de Christiane Torloni, bem como todos os outros personagens e suas histórias – criadas por Maneco e executadas por Ricardo Waddington e equipe.
VEJA ESSA
Com Mulheres Apaixonadas no Viva e Laços de Família (2000) em Vale a Pena Ver de Novo e no Globoplay – a partir dos dias 7 e 14 –, estamos de novo instalados no “Manecoverso”. Manoel Carlos leva para a ficção cenas da “vida real”; das grandes viradas, como casamentos e nascimentos, às ações corriqueiras, de ir à feira ou ficar preso no elevador. Desta forma, promove discussões sobre temas pertinentes a todos os telespectadores. Nem tudo são flores, claro. Há quem, revendo Por Amor (1997) ou ‘Laços’, tenha constatado o machismo além da conta do autor que melhor compreende a alma feminina. Natural para quem sempre serviu de espelho, na TV, para a realidade em voga.
Tão famosas quanto Maneco são suas Helenas. A de Mulheres Apaixonadas foi escrita para Christiane Torloni, após convite oficializado num encontro em Nova York – e a consequente saída da atriz do elenco de O Beijo do Vampiro (2002), em pré-produção para às 19h. Diferente das Helenas que a antecederam, a de Torloni não possui grandes conflitos, como os atrelados à maternidade. Talvez isto já tenha servido ao autor no momento de conferir uma linha mais egoísta à personagem, o que a deixou tão charmosa quanto as outras. Tal característica, porém, não a impediu de se envolver com problemas de familiares, colegas de trabalho, alunos, vizinhos… Testemunha ocular de toda a história.
Ao livro Autores, Histórias da Teledramaturgia, Manoel Carlos revelou sobre Mulheres Apaixonadas: “Minha ideia foi montar um painel. Com isso, investi num novo formato de novela, em que as histórias tinham vida própria e se entrelaçavam umas com as outras, mas corriam paralelamente. Foi muito difícil de fazer, mas muito prazeroso”. Este formato, é bem verdade, acabou por ofuscar Helena. Mas, por outro lado, permitiu a abordagem de temas como alcoolismo, ciúme doentio, lesbofobia, violência doméstica e urbana. O debate acerca dos maus tratos sofridos pelos velhinhos Flora (Carmen Silva) e Leopoldo (Oswaldo Louzada) precipitou a aprovação do Estatuto do Idoso.
A repercussão de tantos temas junto ao público se deu, claro, por conta do excelente elenco. Em especial, o feminino. A Dóris de Regiane Alves virou sinônimo de neta maldita, capaz de fazer mal aos avós fofinhos. Da mesma forma, Heloísa, que rendeu prêmios a Giulia Gam, serve ainda hoje como apelido jocoso para pessoas extremamente ciumentas. A mesma associação, aliás, entre chorões e Salete, que marcou a estreia de Bruna Marquezine, então criança, na telinha. Ainda, a alcoólatra vivida por Vera Holtz (Santana), o casal lésbico formado por Alinne Moraes (Clara) e Paula Picarelli (Rafaela) e a vítima de violência doméstica encarnada por Helena Ranaldi (Raquel).
No capítulo 150 – que o Viva deve exibir em 13 de fevereiro de 2021 –, Téo (Tony Ramos) e Fernanda (Vanessa Gerbelli) são atingidos por balas perdidas. A cena, que rendeu críticas de moradores do Leblon, devido ao transtorno causado pelas gravações, e de setores do turismo, é uma das mais emblemáticas da novela. Os capítulos seguintes debateram a violência urbana e o desarmamento. Os personagens chegaram a participar de uma passeata pela paz, apresentada na TV sob o som do Hino Nacional Brasileiro. A sequência afina a obra com 2020. Nada mais atual e contundente num país no qual o presidente facilita o acesso às armas enquanto taxa livros…
Cabe ressaltar também o desempenho do elenco masculino. Além de Tony Ramos, como o todo errado Téo, Dan Stulbach na pele do agressor Marcos – sempre acompanhado da ameaçadora raquete com a qual agredia Raquel. Ainda, o charme de Rodrigo Santoro; seu personagem, Diogo, foi e voltou para o exterior até deixar a produção de vez, em razão do investimento do ator, já consagrado, na carreira internacional. O veterano Marcos Caruso em ótimo momento como Carlão, o chefe de família dividido entre os pais e a vida que construiu ao lado de Irene (Martha Mellinger), “semente” de Alex, tipo defendido por ele em Páginas da Vida (2006), trabalho posterior de Maneco. E beleza madura de Nicola Siri (Padre Pedro)…
A exibição de Mulheres Apaixonadas coincidiu com a temporada 2003 de Malhação, bastante inexpressiva quando comparada às fases anterior e posterior – de Júlia (Juliana Silveira) e Pedro (Henri Castelli); de Gustavo (Guilherme Berenguer) e Letícia (Juliana Didone). Mais interessante do que os conflitos de Luiza (Manuela do Monte), Vitor (Sérgio Marone) e demais alunos do Colégio Múltipla Escolha eram os da Escola Ribeiro Alves, propriedade de Lorena (Susana Vieira), dirigida pela cunhada dela, Helena. As mazelas das professoras e o romance de Clara e Rafaela alimentavam o veneno de Paulinha (Roberta Gualda), a estudante que rejeitava o pai, zelador da instituição de ensino. Um núcleo atípico, e muito bem construído, às 20h.
Ricardo Waddington assinou a direção artística de Mulheres Apaixonadas – então denominada “núcleo”. Na direção geral, José Luiz Villamarim e Rogério Gomes, dois profissionais do mais alto gabarito. Waddington, hoje, é diretor de produção da Globo; Villamarim responde pela incrível Amor de Mãe, enquanto Papinha dedica-se à próxima novela de Glória Perez. O “casamento” Manoel Carlos + Ricardo Waddington resultou na fórmula bem-sucedida de História de Amor (1995), Por Amor, Laços de Família e ‘Mulheres’: novelas com temas “pesados”, contadas de forma naturalista, de iluminação quase solar. O mesmo não se viu na união de Maneco e Jayme Monjardim. A parceria, certamente, está atrelada ao êxito.
Mulheres Apaixonadas inovou ao lançar as trilhas nacional e internacional em um único box. Embora mais caro, numa época em que o CD ainda era a melhor forma de consumir música, o disco disparou nas vendas! Foi o álbum de maior êxito em 2003, segundo a Associação Brasileiras de Produtores de Disco; o volume 2 ocupou a 20ª colocação. A música mais executada do ano, Velha Infância, dos Tribalistas, embalou o casal Cláudio (Erik Marmo) e Edwiges (Carolina Dieckmann). Mas foram os hits internacionais que fizeram a cabeça do público – Avril Lavigne, Bon Jovi, Jennifer Lopez, Maná, Norah Jones, Robbie Williams, Rod Stewart, Santana, Tiziano Ferro… Uma obra para ver e ouvir.
Há, na comunidade noveleira, quem insista em tratar por “clássico” apenas folhetins exibidos antes do século XXI. Bobagem. Avenida Brasil (2012) não é menor do que Vale Tudo (1988) apenas porque uma tem oito anos, enquanto a outra ostenta seus 32. O mesmo se aplica a Roque Santeiro (1985) e A Força do Querer (2017). Todas estas tramas deixaram suas marcas na TV brasileira, retrataram fielmente o tempo no qual foram exibidas e continuam reverberando entre os fãs do gênero. O mesmo se aplica a Mulheres Apaixonadas – também Brega & Chique (1987) e Chocolate com Pimenta (2003), as outras reprises do canal pago. O Viva costuma deixar o horário das 23h para produções aclamadas. Não vai ser diferente agora…
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.