O Canal Viva exibe hoje (19), às 23h, a surra que Carlão (Marcos Caruso) aplica na filha, Dóris (Regiane Alves), por conta das ações que beiram a criminalidade, praticadas por ela contra os avós Flora (Carmen Silva) e Leopoldo (Oswaldo Louzada). A sequência é uma das mais marcantes de Mulheres Apaixonadas (2003), clássico de Manoel Carlos em reprise na TV paga desde agosto. E Carlão e Dóris, assim como Flora e Leopoldo, quatro dos melhores personagens da produção que, 17 anos após a exibição original, segue atualíssima – embora nós, telespectadores, tenhamos passado a enxergar tipos e tramas com outros olhares.
VEJA ESSA
Exceto Dóris. A figura brilhantemente defendida por Regiane suscita o ódio, independente da época. Os tapas na bunda que vai levar do pai no capítulo desta noite parecem pouco perto das atrocidades que ela comete dentro de casa, humilhando Flora e Leopoldo por estarem velhos, sugerindo que o avô está ficando caduco por não saber ao certo quanto dinheiro tem guardado – quando, na verdade, surrupia notas do desavisado velhinho.
Aqui, deixo o profissional da saúde, atuando há 10 anos num residencial para idosos, falar mais alto que o colunista do RD1: os maus tratos de Dóris doem mais hoje, após uma década de intensa convivência com os velhinhos, suas histórias e seus lamentos. Mesmo para quem “apenas” acompanha o noticiário acerca da pandemia, e testemunha as mazelas da saúde pública, da distribuição de renda e da saga acerca do recebimento de benefícios – é sempre difícil tirar dinheiro, mesmo quando nosso, do governo –, padece com o triste convívio de Flora e Leopoldo com a neta cretina, que, inclusive, embalou a aprovação do Estatuto do Idoso no Congresso lá em 2003.
Se Dóris soa ainda mais cruel hoje, o mesmo não se pode dizer de Heloísa (Giulia Gam). O comportamento abusivo de Sérgio (Marcello Antony) não justifica, mas ameniza as crises de ciúme da irmã de Helena (Christiane Torloni) – esta tão insossa hoje quanto ontem. Não temos mais paciência para a figura do “macho alfa”, que flerta com todas, a todo momento, e atribui tal comportamento à “tradição masculina” ou à esposa doente. Abusiva também é Raquel (Helena Ranaldi), sempre cercando Fred (Pedro Furtado). Aqui, a questão está em deixar a narrativa correr; a violência doméstica tende a atenuar, ou esclarecer, a postura quase doentia da professora com relação ao aluno.
Esta exibição de Mulheres Apaixonadas no Viva também deslocou minha atenção para a relação “inacabada” de Lorena (Susana Vieira) e Rafael (Cláudio Marzo). A postura dos pais reflete em Diogo (Rodrigo Santoro) e, por tabela, Luciana (Camila Pitanga), incapazes de colocar um fim no namoro de juventude. Da mesma forma, Marina (Paloma Duarte) trata sua união com o agente de turismo tal qual a mãe, Silvia (Natália do Vale), conduz seu casamento fracassado. Caso a relação seguisse adiante, Diogo e Marina acabariam como Silvia e Afrânio (Paulo Figueiredo). Manoel Carlos espelha nos jovens, e imaturos, os equívocos dos adultos.
Aqui, um aparte. Como é bom ver Susana Vieira expansiva, gigante em cena, mas sem o esnobismo que imprimiu às personagens seguintes – e que parece um traço de sua personalidade. Da mesma forma, Natália do Vale explora todas as muitas vertentes de Silvia, da esposa frustrada à mãe intrometida; da sogra mala à reprimida, mas muito curiosa, em assuntos de cama.
Ainda, vale dizer que Amor e Casamento, título cotado para Páginas da Vida (2006), caberia bem em Mulheres Apaixonadas. Há discussões bem elaboradas sobre relacionamentos. Como Heloísa confessando que não se imagina, solteira, mesmo sem amor, por temer a solidão. Ou Helena dizendo a Téo (Tony Ramos) que as pessoas escondem o fim do amor como quem esconde uma doença grave.
Há também, claro, elementos inoportunos comuns ao “Manecoverso” – nada me incomoda mais do que a postura quase escravagista que patrões adotam com empregados. Isto, porém, não diminui Mulheres Apaixonadas, sua importância para a época e o necessário resgate do Canal Viva, fazendo jus à memória dos grandes clássicos de nossa TV.
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.