Um encontro com Eva Wilma e a trajetória vitoriosa desta grande atriz

Eva Wilma

Eva Wilma (Hilda) em Pedra Sobre Pedra; atriz faleceu neste sábado (15), aos 87 anos (Imagem: Divulgação / Globo)

Como se despedir de um ídolo? Desde ontem (16), quando soube da partida de Eva Wilma, vítima de um câncer de ovário disseminado e consequente insuficiência respiratória, estou mergulhado em lembranças dos muitos trabalhos desta que, sem sombra de dúvida, vai sempre figurar entre as minhas atrizes preferidas. Quantas vezes Eva já me fez chorar? De emoção. E de rir. Nenhuma, certamente, foi tão sentida quanto agora…

A primeira vez que prestei atenção em Eva Wilma foi em O Mapa da Mina (1993). Não lembro da personagem, Tatiana. Apenas da beleza, da elegância. No ano seguinte, ela esteve em Pátria Minha. Eu ainda pequeno, mas já compadecido da mulher escorraçada de casa, após décadas de subserviência ao marido infiel e tirano, por ter sucumbido à paixão por um professor. Pátria Minha havia chegado ao fim quando o Vale a Pena Ver de Novo resgatou Pedra Sobre Pedra (1992).

Ali, em 1995, eu já tinha consciência do que era uma novela – por assistir ou por consumir conteúdo sobre em jornais e revistas. Hilda, personagem de Eva Wilma em Pedra Sobre Pedra, era apagada. De perfil, não de atuação. Foi por causa dela que, 20 anos depois, troquei telefonemas com Eva. Recém-chegado ao time de colunistas do Canal Viva, e querendo mostrar serviço, propus um especial com depoimentos de atores sobre os trabalhos exibidos nos primeiros cinco anos de atividade do canal.

Disseram-me que não seria fácil arrancar um depoimento da atriz, avessa às entrevistas. Persistente, liguei. Num mau dia. Eva estava saindo para o velório do Antônio Abujamra, um grande amigo nas palavras dela, mas me atenderia dias depois. Retornei sem graça na semana seguinte. Eva Wilma foi de uma gentileza ímpar. O material ficou ótimo – e algumas confissões impublicáveis sobre outras novelas ficaram restritas ao telefonema.

Nos falamos por e-mail posteriormente, sobre Cassiano Gabus Mendes e sobre A Indomada (1997), onde, brilhantemente, defendeu Maria Altiva Pedreira de Mendonça e Albuquerque – tipo tão bem quisto por ela quanto Ruth e Raquel, da primeira versão de Mulheres de Areia (1973), e Jandira, na primeira adaptação de Meu Pé de Laranja Lima (1970) para a TV. Sempre educada, pouco habilidosa com links e outros recursos tecnológicos… Obrigado, dona Eva.

Biografia

Eva Wilma

Eva Wilma (Laura) em Ciranda de Pedra; trajetória vitoriosa na TV, no teatro e no cinema (Imagem: Nelson Di Rago / Globo)

Filha única de Otto e Luíza, um alemão católico e uma russa judia nascida na Argentina, Eva Wilma ganhou o apelido Vivinha dias após o nascimento. Um dos avôs, contrário à união do casal, derreteu-se ao conhecer a neta: “Como ela é vivinha!”. Durante a infância em São Paulo, Eva enfrentou dificuldades financeiras após o pai, por sua ascendência, perder trabalhos no pós-Segunda Guerra Mundial.

Ainda assim, passou por aulas de canto – com Inezita Barroso – e balé. Sonhava em dedicar-se à dança até que o chamado para atuar no Teatro de Arena. Meses depois, já apaixonada também pelo cinema, foi escalada para a série Namorados de São Paulo, adaptação do radiofônico O Encontro das Cinco e Meia para a Tupi, idealizada por Cassiano Gabus Mendes, filho do criador da ideia original, Otávio.

Não houve entrosamento com o primeiro parceiro de cena, Mário Sérgio. Eva levou o então namorado John Herbert à emissora. Nasceu assim o Alô Doçura (1953), que passou 10 anos no ar. Os protagonistas se casaram em 1955; os convidados da cerimônia sumiram em meio ao público que se acotovelou nas portas da igreja para acompanhar o enlace do casal mais bonito e simpático da televisão.

Os dois filhos de Eva Wilma vieram da união com John. John Herbert Júnior é artista gráfico e músico. Antes da pandemia, estava nos palcos com a mãe. A filha Vivien Buckup, diretora de teatro, atuou ao lado da genitora no filme Asa Branca – Um Sonho Brasileiro (1980) e dirigiu a peça Vivinha (2003), de Marta Góes, com a qual a atriz celebrou seus 50 anos de carreira e o lançamento do teatro com seu nome.

A rotina de casa e dos estúdios ficou marcada pela ponte aérea. Com residência em São Paulo e gravações no Rio de Janeiro, Eva se desdobrava… Nem sempre dava certo. Uma forte turbulência atrasou um dos voos, obrigando a produção a escalar Yoná Magalhães para o Alô Doçura. Coube a atriz esperar por John Herbert e fazer o caminho de volta…

Após o divórcio, em 1976, Eva Wilma se uniu a Carlos Zara. Foi criticada por determinada parcela do público e setores da imprensa. Mas seguiu adiante… A união, celebrada em 1979, chegou ao fim com a morte de Zara, em dezembro de 2002, vítima de um câncer no esôfago. À revista Isto É Gente, de 4 de setembro de 2003, ela desabafou sobre a ausência do companheiro:

Às vezes, acordo e penso que o Zara está do meu lado. Esqueço que ele se foi. Quando toca o telefone, penso que é ele. […] Eu continuo conversando com meu marido, antes de dormir. É como se eu encostasse no ombro dele. E isso é gostoso, é o que me move, é bom. O que não é bom é a necessidade física de soltar lágrimas, isso sim sinto que está diminuindo, porque é cada vez menos doloroso”.

Eva Wilma e Carlos Zara dividiram a cena em muitos trabalhos, incluindo a série Mulher (1998), que marcou a despedida dele da TV. Antes de Marta e Otávio, Vivinha e Zara foram Ruth / Raquel e Marcos em Mulheres de Areia; também Jô Penteado e Fábio em A Barba Azul (1974) – que a Globo rebatizou A Gata Comeu (1985). ‘Mulheres’ marca outro casamento bem-sucedido, o da atriz com a autora Ivani Ribeiro.

A trama das gêmeas rendeu o APCA para Eva, que, em sua primeira novela, Prisioneiro de um Sonho (Record, 1965) havia interpretado três papéis. Eva Wilma também faturou a estatueta, dois anos depois, pela Dinah de A Viagem. E outra vez em 1997, por A Indomada, de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares. A estreia na Globo, aliás, se deu com o amigo Cassiano Gabus Mendes, após a falência da Tupi.

À revista Veja, de 27 de agosto de 1997, Vivinha manifestou seu apreço pela “pioneira”:

Durante algum tempo, com o agravamento da situação financeira da emissora, recebi meu salário com mais de dois meses de atraso. Era uma situação difícil, mas contornável. O sinal vermelho só acendeu quando vi que faltavam até fitas para novas gravações. Por falta de material, chegaram a usar as fitas de ‘Mulheres de Areia’, apagando a novela inteira”.

Eva Wilma

Eva Wilma (Marieta) em O Rei do Gado; atividade até nos últimos dias de vida (Imagem: Jorge Baumann / Globo)

A estreia na casa que a abrigou até o fim de sua trajetória deveria acontecer em Coração Alado (1980), às 20h. Por compromissos com o teatro, Eva acabou deslocada para Plumas & Paetês. A paixão de Rebeca e Gino (Paulo Goulart) mobilizou a audiência; o remake de Tititi (2010), agora em Vale a Pena Ver de Novo, absorveu tal entrecho – com Christiane Torloni e Marco Ricca.

Torloni, aliás, reeditou Jô Penteado e Dinah nas versões da Globo para tais folhetins. A Viagem (1994), inclusive, está em cartaz no Canal Viva.

Nos anos 1980, Eva transitou entre o drama e a comédia. Laura e Maura, de Ciranda de Pedra (1981) e Roda de Fogo (1986), enfrentavam abalos psicológicos decorrentes da repressão, respectivamente, do marido e da Ditadura Militar. Figuras que contrastaram com a alegre Márcia de Elas Por Elas (1982), a Francisca de Transas e Caretas (1984) e a Penélope de Sassaricando (1987).

Um suposto “não” para Que Rei Sou Eu? (1989) acarretou na escalação dela para a problemática Mico Preto (1990). Mesmo com tipos aquém do seu talento, como Neném, Eva Wilma entregava o melhor de si. Foi assim que fez de Hilda Pontes, a apagadíssima esposa de Murilo (Lima Duarte), um dos grandes destaques de Pedra Sobre Pedra.

A expressão “Hilda, minha filha” com a qual o político se dirigia à ela, externando respeito de pai ao invés do amor de marido, foi carregada para A Indomada. Maria Altiva era quem dava as cartas. Pedro Afonso (Cláudio Marzo), o esposo fraco de caráter e para o jogo, virou “meu filho”. Uma temporada com a peça Querida Mamãe (1994) em Pernambuco, Recife, rendeu expressões incorporadas aos diálogos.

O espetáculo de Maria Adelaide Amaral, com direção de José Wilker, rendeu os prêmios Molière, Sharp e Shell de teatro. Também a amizade com Eliane Giardini, a Santa Maria de A Indomada, irmã de Altiva. O acerto de contas das duas, e a expulsão da vilã da casa dos Mendonça e Albuquerque, rendeu a maior média da produção até então: 53 pontos e 57 de pico na Grande São Paulo (4 de agosto de 1997).

O êxito de A Indomada coincidiu com o desejo de Vivinha de diminuir a carga. Estava maravilhada com a experiência de O Rei do Gado (1996), na qual viveu Marieta Berdinazzi. A parceria desta primeira fase com Benedito Ruy Barbosa estava em suspenso desde que recusou o chamado para Vida Nova (1988). Seguiu, porém, trabalhando incansavelmente; a última novela foi O Tempo Não Para (2019).

Outra peculiaridade da história de Eva Wilma: a luta contra a Ditadura Militar, conforme revela a foto dela com Eva Todor, Leila Diniz, Norma Bengell, Odete Lara e Tônia Carrero. Em março de 1968, após a morte de um estudante, uma reunião da classe artística desencadeou uma greve de três dias e três noites. O encerramento foi no monumento ao Soldado Desconhecido, na Cinelândia, Rio de Janeiro.

Mas um soldadinho que estava lá disse que não podia, tinha que pedir permissão para um superior. Pra quê? Norma Bengell, fula, foi logo bradando: ‘Olha aqui seu milico de m3rd@. E deu uma joelhada nas partes baixas dele. Palavra de honra”, contou ao jornal Valor Econômico, de 21 de fevereiro de 2014. Vivinha também depôs a favor da amiga Bete Mendes e ajudou a custear o exílio de colegas.

Com Carlos Zara, engajou-se na batalha pela anistia; o cunhado Ricardo Zarattini foi preso pelo regime militar. A censura à peça Os Rapazes da Banda, que reunia Dennis Carvalho, Raul Cortez, Tony Ramos e Walmor Chagas num texto que discutia a homossexualidade, quase levou ela e o então esposo John Herbert à falência. Os dois eram produtores do espetáculo.

Entre guerras, amores e muitos trabalhos, Eva Wilma deixou sua marca no cenário artístico nacional – e quase no internacional, já que foi testada para Topázio (1969), longa-metragem de Alfred Hitchcock. Uma trajetória de vitórias encerrada, talvez, abruptamente, já que, mesmo hospitalizada, ela ainda se dedicava ao ofício, gravando offs para o filme As Aparecidas. Adeus, Vivinha…

Duh Secco
Escrito por

Duh Secco

Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.