Nesta segunda-feira (5), o Canal Viva dá início à reapresentação de Paraíso Tropical (2007). A novela das gêmeas Paula e Taís (Alessandra Negrini), também associada ao casal Bebel (Camila Pitanga) e Olavo (Wagner Moura), ocupa a faixa das 15h – com reapresentação às 23h45 e aos domingos, em esquema de maratona, a partir das 13h.
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Para celebrar este retorno, a coluna conversa com Ricardo Linhares, que dividiu a autoria de Paraíso Tropical com Gilberto Braga. Sempre generoso, Ricardo revela curiosidades, analisa o conjunto da obra e reflete sobre a adesão do público ao debate de temas relevantes que o conservadorismo teima em esconder.
Confira:
RD1 – Há praticamente dois anos, em decorrência da pandemia de Covid-19, o público consome inúmeras reprises, na TV aberta e nos canais fechados. Neste cenário, por que o telespectador deve dar uma chance a Paraíso Tropical no Viva?
Ricardo Linhares – A estreia foi em março de 2007. Ou seja, há quase quinze anos. Para a nova geração de noveleiros, é uma novela, digamos, praticamente inédita, já que nunca foi reprisada, nem sequer no Vale a Pena Ver de Novo. Há alguns anos, a emissora escalou sua reprise para o Vale a Pena. Mas esbarrou nas restrições da Classificação Indicativa do horário, pois um dos temas principais era a prostituição, e a ideia não foi adiante. Quem curte novela, como eu curto, tem curiosidade de rever a trama e os personagens (alguns emblemáticos como Olavo e Bebel) ou de vê-la pela primeira vez, com olhos de adulto, se tiver sido muito novo em 2007.
RD1 – Você dividiu a titularidade de Paraíso Tropical com Gilberto Braga. Matérias da época indicam que você respondia pela escaleta, a estrutura do capítulo, e Gilberto pela redação final. Mas, certamente, há cenas e núcleos com os quais você se identifica mais. Quais?
Ricardo Linhares – Sim, como Gilberto disse, eu era o “arquiteto” da novela, pois construía as escaletas, que são a espinha dorsal de cada capítulo, com o encadeamento das histórias, os ganchos de comercial e o resumo de cada cena. Mas eu também redigia diálogos. E um dos núcleos que eu mais curtia era o do vilão Olavo, sua mãe trambiqueira Marion (Vera Holtz) e seu meio-irmão Ivan (Bruno Gagliasso), bad boy de classe média, rejeitado pelos parentes e ovelha negra da família. Era um núcleo de vigaristas e safados, mas que nós abordávamos de modo bem-humorado.
RD1 – Quase 15 anos depois da exibição original, qual a maior alegria e o maior arrependimento – caso exista – em relação a Paraíso Tropical?
Ricardo Linhares – A maior alegria é rever a novela em si, com muito mais tranquilidade do que na época, principalmente porque não existe o estresse de ter de entregar seis capítulos inéditos para a produção toda sexta-feira. Agora vou curtir como espectador. Eu não sou do tipo que tem arrependimentos, nem costumo olhar para trás e pensar o que poderia ter feito diferente. Sei que dei meu melhor na época, como dou sempre, em todos os trabalhos que faço. E a expectativa positiva em torno dessa esperada reprise é sinal de que todo o trabalho duro que tivemos ao longo de meses valeu a pena.
RD1 – Tempos atrás, você declarou ao projeto Memória Globo: “Quando o trabalho do ator é rico, forte – e queremos mais é que seja assim –, nós vamos criando a partir do que ele nos oferece”. Paraíso Tropical é repleta destes casos. Além dos mais famosos, como Camila Pitanga e Wagner Moura, quais atores você destacaria?
Ricardo Linhares – A química forte entre Camila e Wagner influiu em outros núcleos. Por exemplo: o previsto na sinopse era formar dois casais ao longo da história. Um casal seria Olavo e Taís; o outro casal seria Ivan e Bebel. Mas desde o primeiro encontro de Bebel e Olavo o entrosamento foi tão bom que ajustamos o que estava planejado. O grande barato de fazer novela é a possibilidade de mexer, mudar, refazer, recriar. Isso faz com que a novela seja algo vivo, quente, emocionante. Outro exemplo é a atuação de Renée de Vielmond. O previsto era Ana Luísa se separar de Antenor (Tony Ramos), namorar Lucas (Rodrigo Veronese) e sair da novela. Mas o trabalho da Renée foi tão bom, com tanta verdade e emoção, que a personagem voltou à trama, casada com Lucas, e adotando uma criança negra.
RD1 – Você também declarou ao Memória Globo: “O público está cada vez mais preparado para, através da novela, ter contato com realidades diferentes daquela do seu dia a dia”. O que vimos nos últimos anos, porém, foi o retrocesso em muitas discussões pertinentes. Ainda é possível contar com esta “abertura” do telespectador diante de temas “espinhosos”?
Ricardo Linhares – Eu sou um escritor progressista. Acredito na função social da teledramaturgia de abordar assuntos relevantes para a sociedade, contribuindo para o debate de ideias e a transformação dos costumes. Eu comecei a trabalhar na Globo em 1983, ainda na etapa final da ditadura e sob censura forte. Lembro que na novela das 18h em que eu colaborei com [Walther] Negrão, Fera Radical (1988), era proibido haver adultério naquele horário. Depois, junto com a redemocratização, veio a possibilidade de abordarmos temas que antes eram proibidos. Isso foi uma luta diária e uma lenta conquista, não veio de mão beijada. Refletia o desejo da sociedade por liberdade. Foi um processo árduo e cheio de obstáculos. Recentemente, veio mais uma onda conservadora. Mesmo assim, é preciso continuar a função da arte de abrir portas. Pois, junto com esse retrocesso, também veio uma outra onda de liberdade, com uma força que não havia antes. Ainda que muitas vezes tenha sido difícil, como no caso de Babilônia (2015), não podemos abrir mãos de abordar esses temas. Houve uma reação preconceituosa forte ao beijo de duas senhoras lésbicas casadas (Fernanda Montenegro e Nathalia Timberg) e ao fato do casal principal ser inter-racial (Thiago Fragoso e Camila Pitanga), além de mostramos um político evangélico corrupto (Marcos Palmeira) e uma excelente advogada negra (Sheron Menezzes) que entrou na faculdade graças ao sistema de cotas. Hoje, abordar esses temas seria considerado importantíssimo, pois estão na ordem do dia. Ao lado da reação moralista, nós também tivemos apoio e um imenso retorno positivo da parcela mais liberal do público. Talvez tenha sido uma novela à frente do seu tempo, talvez a gente tenha contribuído pelo menos um pouquinho para a evolução dos costumes chegar ao ponto em que estamos. Talvez a gente tenha sido apenas um tijolinho na construção de um mundo com mais representatividade, mais livre de preconceitos. Isso mostra que o que importa é nunca desistir. E que sempre vale a pena contar com essa abertura do telespectador, mesmo que às vezes seja uma fresta, pois algo de bom pode permanecer.
RD1 – Você tem um projeto de novela das 21h em parceria com Maria Helena Nascimento, colaboradora de Paraíso Tropical. É possível adiantar algo deste novo trabalho? Ou das minisséries que desenvolveu anteriormente, baseada em obras de Jorge Amado e Jorge Andrade?
Ricardo Linhares – Eu não prossegui com a minissérie, embora a sinopse tenha sido aprovada, pois estou totalmente focado na novela das 21h que escrevo em parceria com Maria Helena. Em função da pandemia, porém, as datas previstas para todas as novas novelas foram deslocadas. Então, ainda não podemos adiantar nada. Vamos aguardar.
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.