Percival de Souza conversou com exclusividade com o RD1 em um evento em São Paulo e falou, sem receio, das dificuldades que encarou ao ter que prosseguir no Cidade Alerta sem Marcelo Rezende (1951-2017).
VEJA ESSA
O jornalista ressaltou que o programa teve que se adaptar ao novo apresentador, Luiz Bacci, que faz uma linha mais séria e sem tamanha interatividade, diferente da do Rezende.
Crítico, Percival ainda aproveitou para alfinetar o ensino superior de Jornalismo,que acaba deixando passar batido preceitos fundamentais na construção de um bom profissional para o mercado. Souza citou o livro de Roberto Cabrini, No Rastro da Notícia, como uma verdadeira aula para quem gosta da profissão.
RD1 – Você está no Cidade Alerta com Luiz Bacci. Como foi essa transição de Marcelo Rezende para o Bacci?
Percival de Souza – Foi uma mudança brusca. Eu decidi, durante o velório do Marcelo Rezende que eu não iria mais usar aquele trono do estúdio do jornal que caracterizava as nossas brincadeiras. Até porque, para mim, como eu previ, durante muito tempo foi muito difícil entrar o estúdio e não estar o Marcelo lá. Para mim foi muito difícil de superar. Tínhamos uma amizade de muitos e muitos anos, além de estarmos no ar na TV, pois trabalhamos na Globo.
Então, aquelas brincadeiras de início desapareceram. Agora, nós estamos ensaiando, pouco a pouco, fazer aquilo que era uma fórmula criada pelo Marcelo para suavizar um pouco um programa que é de natureza pesada. Cotidiano criminal das cidades do Brasil é terrível. Essa é uma fórmula que é muito eficaz de dar uma leveza ao programa, alternando um pouco a seriedade e o teor das matérias com as brincadeiras. Eu posso te confidenciar que tinha gente que gostava mais das brincadeiras do que das matérias.
Nós começamos devagar. A minha adaptação a este formato foi em doses homeopáticas. A gente foi crescendo, crescendo e crescendo até que fizemos coisas muito divertidas. Como por exemplo, eu dirigi uma BMW conversível e ele andando com um isopor, vendendo cocadas e eu não deixando entrar no carro. Eu não dou essas liberdades para empregados. Foram coisas muito divertidas. E também ele achar que eu dormia no programa, chamava de morto. Um dia fizemos um quadro em que ele tentava me acordar e eu estava dentro de um caixão funerário. Ele gritava: ‘Acorda, Percival, acorda’. Então eu abri o caixão e saí dizendo que ele não me deixava em paz. Essas coisas marcaram época e a gente sente saudades disso.
RD1 – Neste momento em que estamos passando por uma convulsão política, você como especialista em segurança pública, como analisa o momento do Brasil com este pacote de segurança que o ministro Sérgio Moro pretende implementar?
Percival de Souza – Eu sou jornalista profissional há pouco mais de 50 anos. Boa parte desse tempo, estou na área criminal, então, já vi todos os filmes que você possa imaginar. Coloridos, brancos e pretos. Já vi tudo de várias épocas. Eu já assisti este filme. Me espanta essa falta de civilidade brasileira. Essa nova Torre de Babel brasileira que as pessoas urram, berram, se ofendem, xingam e não se entendem que me leva a concluir com absoluta certeza: hoje, Brasil direita e esquerda são sinais de trânsito e nada mais do que isso. Não têm conteúdo ideológico, não têm projeto, não tem plano, não tem Brasil prioridade na cabeça. As pessoas pegam um totem indígena e falam amém para o totem. Já passei dessa fase. Não existe uma pessoa só salvadora do Brasil. Isso não existe. Não teve com Getúlio Vargas, não teve com João Goulart, não teve com Collor, não teve com ninguém. Pobre o país que precisa imaginar que uma pessoa chegue com uma varinha mágica para fazer o Brasil diferente. Não existe. Se você acredita em cegonha e Papai Noel, é problema seu. Eu deixei de acreditar há muito tempo.
RD1 – Como você vê o jornalismo atual ancorado em rede social?
Percival de Souza – Olha, se você ficar atento às redes sociais e à internet, eu peço socorro a Umberto Eco, autor de O Nome da Rosa, O Pêndulo de Foucault filólogo, filósofo, psiquiatra. A definição é dele: “A internet é o refúgio dos idiotas”. Traduzindo Umberto Eco: a conversa de boteco, bate-papo entre amigos tomando chope, uma cachaça e talvez fumando um charuto, isso é uma coisa. Agora, você transformar a conversa de boteco e dando a opinião sobre tudo, destilando o amor ou ódio pelas redes sociais, convenhamos, mas para o jornalismo atual, isso é um problema, pois isso é muito rápido. Eu vim do jornalismo impresso, que é o meu berço. Meu berço é Estadão, Folha, Jornal da Tarde. Eu me adaptei à linguagem para a televisão.
O trabalho do [Roberto] Cabrini deve ser adotado nas faculdades de jornalismo, pois os jornalistas contemporâneos não sabem que a bela reportagem, a reportagem bem feita, bem construída e bem elaborada, é a alma do jornalismo. Hoje nós temos, no Brasil, carência de bons repórteres. Nós temos muitos palpiteiros. Temos gente ideologizada que anda com button de partido político na lapela. Isso é lamentável.
Você promove um grande ato político fazendo como o Cabrini fez em seu livro. Uma grande matéria como o jornalista Roberto Cabrini faz. Esse é um ato político. Simplesmente ele conta como as coisas são, como instituições, pessoas e grupos gostariam que certos assuntos não viessem à tona. Isso deve ser revelado por bons repórteres, um bom jornalista como o Cabrini é. Claro que temos bons repórteres no Brasil, mas precisamos de muito mais. Precisamos revelar mais faces ocultas. Olhar a sociedade pelo imaginário buraco da fechadura e ver como ela é. O repórter sendo adepto do primado do real, da realidade, e relatando os fatos bem e contando bem a sua história.
RD1 – O que falta nos programas de jornalismo, na TV aberta, nos dias de hoje? Ou faltam programas de jornalismo?
Percival de Souza – O jornalismo de TV tem uns macetes e uns segredos. Em todos eles existem ótimos repórteres, mas é preciso que haja bons produtores de matérias. Aqueles jornalistas profissionais que não aparecem no vídeo, mas alimentam. Os alicerces são grandes construtores de reportagem. Essas pessoas, nós temos vários na Record, por exemplo, e que são fundamentais, alimentam você fazer a matéria e tendo na cabeça o seguinte: televisão é imagem. Você tem que associar a narrativa com a imagem, então, uma imagem, como diz o provérbio chinês “vale mais do que mil palavras”. Então, imagina você ter sensibilidade e talento para juntar uma boa narrativa e produzindo também as imagens que vão contar uma história, é fundamental.
Quando você vê uma matéria na televisão, existe uma assinatura. Como se assina uma matéria na TV? É o que chamamos de passagem. O jornalista está no local que representa o espírito da matéria e grava uma passagem. Você pode, sendo uma mulher, estar mais preocupado em arrumar seu cabelo, na hora de gravar uma passagem, do que a matéria. Isso é grave. E você, homem, estar mais preocupado com sua aparência. Você tem que estar preocupado em fazer uma síntese, uma sinopse na assinatura da matéria. Se arrume antes. Arrume o cabelo e passe batom, antes. Passe maquiagem antes. Arrume o terno e a gravata antes. Gravou a passagem, tem que ter densidade e conteúdo para alimentar a expectativa do telespectador com essa repórter ou com esse repórter para a pessoa pensar em não desligar quando vê-lo no ar. É um conjunto de fatores e é preciso que haja domínio disso.
Eu aproveito sua pergunta para cobrar as faculdades de jornalismo de todo o Brasil: por que não ensinam nas faculdades, e eu cobro isso há anos, uma disciplina chamada história das reportagens? Quem são os grandes repórteres? Os jornalistas? Quais são as grandes matérias? Como esses repórteres fizeram essas grandes matérias? Como ela foi construída e como ela foi elaborada?
Eu estou dizendo isso, pois se reduz a uma semana de estudos de jornalismo, pois todo ano eu sou convidado como jornalista, aí na semana do ano todo, eu vou lá falar alguma coisa por experiência. Convenhamos que não pode ser assim. E eu desafio os críticos de hoje, inclusive nas faculdades, que criticam a matéria e eu pergunto para cada um: você faria melhor, essa matéria? Ou você não acrescentaria nada? Ou não faria nem isso? Você é Ombudsman da humanidade? Do jornalismo mundial? Você tem condições de fazer isso? Ou você é um aprendiz para farejar a notícia? Perdigueiro da notícia. O Cabrini é um perdigueiro. Acha o rastro. E tem gente que, lamentavelmente, cá entre nós, é atropelado pela notícia.
Reuber Diirr é formado em jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Integrante do 17º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta (Globo ES), teve passagens pela Record News ES, TV Gazeta ES e RedeTV! SP. Além disso, produz conteúdo multimídia para o Instagram, Twitter, Facebook e Youtube do RD1. Acompanhe os eventos com famosos clique aqui!