Estreia da última quarta-feira (20), Verdades Secretas II entretém. E só. A primeira novela para o streaming, pioneirismo que o Globoplay chamou para si em meio ao disse-me-disse sobre investidas da concorrência no gênero, promete ousadia, mas envereda pelos já conhecidos excessos da diretora artística Amora Mautner. O texto de Walcyr Carrasco também não traz nada de novo.
VEJA ESSA
Carrasco não prima pela sutileza, o que não faz dele um mau autor. Muito pelo contrário. Walcyr é direto e eficaz. As falas de seus personagens soam, por vezes, ofensivas, o que cabe perfeitamente em Verdades Secretas II. Mauro Mendonça Filho, diretor artístico da primeira leva de capítulos, apostava na crueza das palavras – quantos closes beneficiaram Marieta Severo, a Fanny, em diálogos absurdos? Amora parte da observação, como se alguém estivesse presenciando tais papos à espreita, o que reduz o impacto do roteiro e das interpretações.
O expediente não é novo. Em A Regra do Jogo (2015), Mautner optou pela famigerada caixa cênica, uma invenção que só fez atrapalhar o intricado roteiro de João Emanuel Carneiro.
Em Verdades Secretas II, essa espiadela funciona apenas nas tomadas de transição: o dia corre entre prédios espelhados nos quais é possível tanto observar a vida alheia, quanto se ver no reflexo não só das janelas como das situações vividas dentro de cada lar. O recurso, porém, é usado à exaustão – e este colunista só acompanhou, até agora, os cinco primeiros capítulos. O mesmo se dá com o neon, das fachadas aos postos de gasolina, passando pelo berço do filho de Angel (Camila Queiroz).
Os apelos visuais incluem letreiros enormes e até um relógio, que, sabe-se lá porquê, surge na tela para explicar apenas que o tempo passou. Medo do público não identificar, diante dos muitos tons de cinza, quando é dia e quando é noite?
A sexualidade está presente até em cenas nas quais não cabe, como quando Giovanna (Agatha Moreira) busca convencer Angel a confessar sua culpa na morte de Alex (Rodrigo Lombardi), gancho da primeira temporada. As duas parecem trocar olhares de desejo quando, para quem sabe o que veio antes e o que se anuncia para depois, o ódio está acima de qualquer outro sentimento nesta relação.
Os apelos eróticos passam ainda pelas “danças do acasalamento” que tornam as sequências de sexo de Cristiano (Romulo Estrela) e Giovanna over demais. O desejo soou mais verdadeiro quando o detetive transou com Angel em um banheiro – e aqui sim a reação de Giovanna, voyeur, pareceu condizente com o perfil da personagem. Também quando Blanche (Maria de Medeiros) e Ariel (Sergio Guizé) se entregaram à tentação.
A retomada de Verdades Secretas II passa ainda por incongruências de roteiro. Certamente, porque não havia interesse ou previsão de uma segunda temporada.
Se a família de Gui (Gabriel Leone) colaborou para que Angel não fosse responsabilizada pela morte de Alex, como Giovanna insinuou, por que diabos o projétil permaneceu na lancha onde o crime foi cometido por cinco anos? O núcleo de Taubaté, liderado por Araídes (Maria Luisa Mendonça) e Lara (Julia Byrro), meia-irmã de Gui, parece mais acertado quanto à representação de percalços na vida da protagonista. Inclusive, a proposta de Amora Mautner quanto à direção casa melhor com as impactantes cenas em que Araídes é vítima de violência doméstica.
Camila Queiroz, aliás, é o grande nome da produção. O perfil de sua personagem pode não parecer coerente com o que vimos anteriormente, onde a interpretação, até por conta da inexperiência da atriz, transparecia ingenuidade.
A mocinha, porém, não era tão bobinha… Afinal, aceitou se prostituir, manteve relações íntimas com Alex mesmo após o casamento deste com a mãe dela e sorriu cinicamente, na cena final, após matar o amante e subir ao altar com Gui. Em Verdades Secretas II, Camila transita entre a dureza adquirida por Angel após experiências traumatizantes e o sofrimento que este mundo tão insano traz, mais uma vez, agora potencializado pela maternidade. Maria Luisa Mendonça, tão bissexta, é outro destaque.
Aos interessados em acompanhar Verdades Secretas II é bom estarem ciente de que, embora seja pioneira quanto às novelas no streaming, não há nada ali além do mero entretenimento.
A proposta soa ousada, mas sequer se aproxima das investidas da primeira temporada, popular por conciliar os clichês comuns ao gênero ao erotismo num tempo que a televisão vivia a fase mais careta dos últimos anos, com uma produção bíblica líder no horário nobre e o beijo de duas lésbicas octogenárias rechaçado pela parcela mais hipócrita da audiência. Cabe salientar que a coluna torce para que a investida do Globoplay em produtos de longa duração seja mantida; há muitas histórias para contar que demandam a liberdade que a plataforma oferece.
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.