Licenciada para mais de 50 países, Órfãos da Terra está a um passo de uma nova consagração mundial. A novela, indicada ao Emmy Internacional de Melhor Novela de 2019, disputando com produções de Portugal, Argentina e da China, representa muito mais do que uma grande conquista profissional para a dupla de autoras Duca Rachid e Thelma Guedes.
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Em entrevista exclusiva ao RD1, as já veteranas na premiação mais importante da televisão mundial celebram o reconhecimento de uma história que falou sobre empatia e respeito à individualidade, diante de um dos temas de maior relevância social da atualidade, e listam os pontos altos desta produção.
Confira o bate-papo:
RD1: Duca, como você recebeu a notícia da indicação de Órfãos da Terra ao Emmy Internacional?
Duca Rachid: É muito bom ter o seu trabalho reconhecido. É o momento de celebrar, depois da estiva de fazer uma novela. E dessa vez tem um gosto ainda mais especial, que é saber que nossa história de acolhimento e empatia tem sensibilizado pessoas em todo o mundo. Além das premiações que já recebeu- O Rose D’Or e o Gran Prize do Seoul Drama Awards, e agora essa indicação ao Emmy, a novela já foi licenciada para mais de 50 países. Conseguir que as pessoas olhem para os refugiados com menos preconceito e mais compaixão é o maior prêmio dessa novela.
RD1: Depois do Emmy de Joia Rara, há uma autocobrança maior no seu trabalho? O que muda na carreira de autor depois de receber a estatueta do que é considerada o Oscar da TV mundial?
Duca Rachid: Acho que para nós não muda muita coisa. A gente segue buscando todos os dias novas e boas histórias para contar. Eu e Thelma trabalhamos muito, somos apaixonadas por esse ofício. E também já somos bastante críticas em relação ao que a gente cria e escreve. O volume de trabalho de uma novela é gigantesco, e buscamos sempre fazer o nosso melhor.
RD1: A direção de Órfãos da Terra certamente contribuiu para a indicação ao Emmy. Como foi a parceria com Gustavo Fernández?
Duca Rachid: Muito! Temos muita sorte com nossas parcerias. Em O Profeta tivemos o Roberto Talma e Mário Márcio Bandarra. Em Cama de Gato, Cordel Encantado e Joia Rara; Ricardo Waddington e Amora Mautner. Todos eles foram fundamentais para o sucesso dessas novelas. Dessa vez não foi diferente. Gustavo Fernández é um grande parceiro e um diretor que sabe muito de narrativa. As sugestões de mudanças que ele propôs, nunca na trama, na maneira de contá-la, só enriqueceram o trabalho.
RD1: É possível destacar os pontos altos deste trabalho?
Duca Rachid: Difícil para um autor destacar os bons altos da sua história. Para nós, a história de cada personagem importa da mesma maneira. Eu gosto muito da primeira semana da novela, que começa com o bombardeio da casa de Laila, o encontro com o Sheik e o nascimento do amor entre Laila e Jamil. Gosto muito da maneira como foi gravada a diáspora da família Faiek, amei as cenas de conflito entre o avós, o árabe, Mamede, e o judeu, Bóris, que no fim têm que acolher um ao outro. As interpretações inesquecíveis do Fábio Migliaccio e o Osmar Prado. Gosto demais do núcleo da Ester. Daquela trinca de atores maravilhosos jogando juntos: Nicette Bruno, Marcelo Médici e Luana Martau. Também me divirto com o casal Almeidinha e Zuleika (Emanuelle Araújo e Danton Mello). E o que dizer de Alice Wegmann, Kaysar, Carmo Dalla Vecchia? O núcleo dos imigrantes, comando pelo Padre Zoran (Ângelo Coimbra), Dr. Faruk (Eduardo Mossri), Marie Patchou (Eli Ferreira), Jean-Baptiste (Blaise Musipére), e os depoimentos de refugiados (no mais amplo sentido do termo) que foram muito bem recebidos pelo público. Trabalhar com atores jovens e muito talentosos como Guilhermina Libânio (Cibele), Filipe Bragança (Benjamin), Vitor Thiré (Davi). E também não poderia deixar de falar do desfile final, que “fecha” a novela, em que a Laila diz basicamente que somos todos uma só ancestralidade. A cenografia e arte fizeram uma verdadeira instalação com peças de roupas e sapatos que seriam daqueles refugiados que sucumbiram durante a diáspora. Aquilo emocionou a todos nós e nos levou à cena final com todos juntos, atores, diretores, técnica, mostrando retratos de nossos antepassados. Foi lindo!
RD1: Thelma, o que torna Órfãos da Terra uma história tão universal, além da temática dos refugiados? A trama foi licenciada para mais de 50 países e já se destaca nas premiações do mundo todo…
Thelma Guedes: Ao lado da questão do refúgio, que está no centro temático da novela, em Órfãos da Terra, Duca e eu fizemos questão de abordar, em todos os núcleos e tramas, a importância da inclusão, da empatia, do respeito à vida, à diversidade e às liberdades individuais. Temas urgentes e cada vez mais em pauta no Brasil e no mundo todo, na atualidade. Mas todos esses temas estão inseridos e subordinados ao contexto de uma telenovela clássica, que contou a história de amor entre Jamil e Laila, cujas cenas foram embaladas pela bela canção La Bel Haki, de Adonis. E o amor sempre será um tema universal, não é mesmo?
RD1: Você recebe feedback da repercussão da trama em outros países?
Thelma Guedes: Tudo o que sabemos é o que tem sido reportado pela mídia. Mas seja como for, saber que a novela tem recebido prêmios e indicações, além de ter despertado tanto interesse mundo afora já nos deixa imensamente felizes e com a sensação de dever cumprido. É muito gratificante saber que uma história que saiu de sua cabeça, de seu imaginário, de sua arte chegou a tanta gente em tantos lugares diferentes. Já pensou o que significa ganhar o Grand Prize do maior prêmio de audiovisual da Ásia? E na terra do “dorama”? Numa cerimônia apresentada pelo ídolo sul-coreano Park Jin-Young? Além do prêmio suíço Rose D’Or e na indicação ao Emmy Internacional! É demais mesmo. Algo que nunca nem ousamos sonhar!
RD1: Como você observou a recepção do público diante do conflito dos refugiados, que tanto divide o debate político no país?
Thelma Guedes: Talvez o que tenha nos deixado mais satisfeitos (e aqui incluo os diretores Gustavo Fernandez, André Câmara e toda a equipe) foi saber o quão positiva foi a recepção do público em relação ao tema do refúgio na novela. A gente tentou fazer o espectador se colocar no lugar da Laila e de sua família. Tentamos usar a linguagem do afeto, do coração, não da imposição, da oposição, do confronto. Porque sabemos que não há o certo e o errado. Mas há o humano em oposição ao desumano, o amor em oposição ao ódio, a construção em oposição à destruição. Apenas deixamos na novela a pergunta: qual o lugar que cada um de nós quer ocupar nesse planeta?
RD1: Órfãos da Terra trouxe muita diversidade para a TV, como a cultura de países árabes e a homossexualidade, por meio das personagens Camila (Anajú Dorigon) e Valéria (Bia Arantes). A relevância social continuará pautando os seus próximos trabalhos na Globo?
Thelma Guedes: Em todas as nossas obras, Duca e eu sempre tivemos a preocupação de falar de temas que estão pulsando na sociedade de nosso tempo. Nunca quisemos revolucionar esse gênero, para o qual adoramos escrever. Mas sempre fizemos questão de dialogar com as questões que nos afligem, como mulheres, brasileiras e cidadãs do mundo. E, no fundo, nosso tema central sempre foi a Empatia. E é dele que sempre vamos falar, podem estar certos.
Daniel Ribeiro cobre televisão desde 2010. No RD1, ao longo de três passagens, já foi repórter e colunista. Especializado em fotografia, retorna ao site para assinar uma coluna que virou referência enquanto esteve à frente, a Curto-Circuito. Pode ser encontrado no Twitter através do @danielmiede ou no [email protected].