Estava relembrando… Foram 17 trabalhos de José Mayer, 71 anos, que cobri como jornalista. A maioria escrita por Manoel Carlos e Aguinaldo Silva. O ator, que entrou na TV em 1977, como Burro Falante do Sítio do Pica-Pau Amarelo, já foi médico, bandido, repórter, motorista, empresário, comissário de polícia, cerimonialista e muito mais. E por uma acusação sem comprovação acabou desistindo de uma belíssima carreira de 43 anos. Isso mesmo: Mayer não vai mais atuar.
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“Nada de trabalho. Tenho um prazer enorme em desfrutar a minha vida, a aposentadoria. Quero o convívio com a família, com meu neto (Antônio, de 1 ano e meio), ficar me dividindo entre as quatro casas que tenho. Enfim, ‘un dolce far niente’ (o prazer de não fazer nada)”, comenta o ator em conversa com esta jornalista. Decidido, fica com as boas lembranças. E eu também.
Em uma das primeiras entrevistas que fiz com ele, comentou sobre ter sido seminarista, por insistência da família, mas acabou virando – como sempre se definia – “um ator econômico”. O que significa? É falar com os olhos, não fazer caras e bocas, passar verdade sem exageros. Formou-se em Letras e declamava Fernando Pessoa até nos corredores da Globo, no Jardim Botânico, para as pessoas que gostavam de ouvi-lo. Tocava, em casa, Ernesto Nazaré, antes de ir gravar. Bonachão, sempre simpático, piadista. Difícil vê-lo com texto nas mãos: tinha a mente alerta.
Depois de tantos trabalhos, escolhi dois nos quais Zé Mayer mergulhou de cabeça. A minissérie Agosto (1993), na qual interpretou o Comissário Matos. Começou com ele dividido entre Vera Fischer e Leticia Sabatella, as idas ao ringue onde José Wilker pairava, gravou uma cena seminu, depois do banho… Mas com o passar das gravações o envolvimento de seu comissário na trama política da Era Vargas aumentou, ele foi emagrecendo, ficando pálido, olhos fundos. Chegou um dia, no Palácio do Catete – íamos lá, diariamente -, que o vi encostado em uma palmeira. “Está tudo bem com você?”, perguntei. Ele maneou a cabeça e disse que sim. Já era uma introjeção ainda maior do personagem, que morria de úlcera. Um de seus melhores trabalhos.
O outro foi o Claudio, cerimonialista de Império. Fui chamada por Aguinaldo Silva para cobrir a novela e fazer as entrevistas com os atores. E mesmo tendo esse arquétipo de galã, charmoso, o ator se saiu muito bem na mistura de afeição física e amor paternal pelo personagem de Klebber Toledo. Tudo muito suave, com direito a beijo na boca, em frente ao prédio de Leonardo. Antes de Zé Mayer começar a gravar, conversamos pelo telefone, e ele foi chegando a um caminho que deu muito certo. Mas o bom eram os bastidores. Eu e o fotógrafo Francisco Patrício íamos aos sets de gravação todos os dias. No almoço, colocavam mesas compridas e conversávamos com o elenco sobre vários assuntos. Mayer, como bom mineiro, gostava da comidinha de sua terra. Num dia em que as gravações do não-casamento de Maria Clara (Andréia Horta) estavam demorando muito a recomeçar, Julia Fajardo, filha dele, viu que estávamos loucos por um lanche, mas o local era ermo. Ela nos chamou para irmos à sala dos atores. Comemos sanduíches, salgadinhos, mas… dei vexame! José Mayer estava na iminência de se levantar da cadeira, e eu, em frente, não segurei a xícara de café direito. Conclusão: derramei o café quente na calça dele. Confusa, sem graça, peguei uns guardanapos de papel para limpá-lo. Mas ele foi um gentleman, disse que estava tudo bem, colocou a xícara em cima da mesa, pegou um guardanapo de pano e tentou secar. “Fica tranquila! Essas coisas acontecem”, disse, rindo.
Ainda tinha esperança de que José Mayer voltasse à TV. Mas vão ficar apenas as boas lembranças. O ator vai fazer uma falta enorme ao público que tanto o admirou.
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