Marcas registradas de Duca Rachid e Thelma Guedes prejudicaram Órfãos da Terra

Órfãos da Terra

Thelma Guedes e Duca Rachid, autoras de Órfãos da Terra; boa trama prejudicada pelo “mais do mesmo” (Imagem: Victor Pollak / Globo)

Órfãos da Terra encerrou sua passagem pelo horário das 18h nesta sexta-feira (27). Antes da última cena, com o tradicional “fim” em diversas línguas, e espalhado pela cidade de São Paulo, um depoimento de Laila (Julia Dalavia) destacou a miscigenação, exaltando a luta de refugiados e o Brasil como país acolhedor. A mensagem celebrou o que a novela teve de melhor: o tema, tão pertinente. É de se lamentar, porém, que a narrativa não tenha acompanhado o debate.

Como nas tramas anteriores de Duca Rachid e Thelma Guedes, Órfãos da Terra perdeu fôlego antes de chegar à metade. A excelência dos primeiros capítulos, com a luta de Laila e família para desembarcarem no Brasil e a assombrosa figura de Aziz, o sheik carrasco brilhantemente interpretado por Herson Capri, se esvaiu em meio aos planos estapafúrdios de Dalila (Alice Wegmann) para vingar a morte do pai – o “quem matou Aziz?”, aliás, não agregou absolutamente nada ao enredo.

A fragilidade de Órfãos da Terra acabou por levar Duca e Thelma ao mais do mesmo: Dalila revelou-se obcecada por Jamil (Renato Góes), capanga de seu pai a quem fora prometida. Tal qual Clóvis (Dalton Vigh) perseguindo Sônia (Paolla Oliveira) em O Profeta (2006), Timóteo (Bruno Gagliasso) sempre no encalço de Açucena (Bianca Bin) em Cordel Encantado (2011) e Manfred (Carmo Dalla Vecchia) acossando Amélia (também Bin) em Joia Rara (2013).

Curiosamente, todos os folhetins anteriores da dupla largaram bem, assim como o concluído ontem. Fica a impressão de que, neste e nos anteriores, não havia sinopse para mais de cinquenta ou setenta capítulos. Assim, Duca Rachid e Thelma Guedes retomam os protagonistas aparvalhados, a polícia inapta e o malvado que tudo pode porque tem dinheiro e poder. O desenrolar de Órfãos da Terra no que tange à trama central pecou pelo comodismo das autoras, recorrendo sempre às mesmas muletas.

Órfãos da Terra

Julia Dalavia (Laila), Renato Góes (Jamil) e Alice Wegmann (Dalila): a “linha de frente” de Órfãos da Terra (Imagem: Paulo Belote / Globo)

Ligo

– Alice Wegmann conduziu bem todas as nuances de Dalila, dos momentos de frieza aos de destempero. Foi, sem dúvida, o grande nome de Órfãos da Terra. O destaque se deve também ao desacerto na concepção de Laila e Jamil. Julia Dalavia e Renato Góes pouco fizeram pelo casal na segunda metade da novela – após conquistarem o público com a luta para sobreviverem às mudanças de vida e aos desmandos de Aziz.

– O aproveitamento de veteranos como Flávio Migliaccio (Mamede), Nicette Bruno (Ester) e Osmar Prado (Bóris). Os personagens que, a princípio, pareciam pequenos demais para intérpretes gigantes no talento, ganharam destaque com o avançar dos capítulos. Já Rania, de Eliane Giardini, encolheu. A atriz, porém, sustentou a matriarca dos Nasser com toda sua já conhecida competência.

– O ex-BBB Kaysar Dadour, que de início parecia apenas um atrativo a mais para a audiência, valorizou o irregular Fauze, ora cúmplice dos vilões, ora alívio cômico. Aliás, estreantes e figuras pouco conhecidas saíram-se bem: Ângelo Coimbra (Padre Zoran), Filipe Bragança (Benjamim), Cristiane Amorim (Santinha), Glicério do Rosário (Caetano), Eduardo Mossri (Faruq), Lola Fanucchi (Muna) e Verônica Debom (Sara).

– O casal Vamila – Camila (Anajú Dorigon) e Valéria (Bia Arantes) – dominou a reta final. Mérito de Duca Rachid e Thelma Guedes; também de Anajú e Bia. O penúltimo capítulo foi praticamente todo dedicado ao casamento das duas, incluindo o tão esperado beijo, censurado pela Globo no início de setembro por “decisão puramente artística”. Vitória do amor!

Órfãos da Terra

Danton Mello (Almeidinha) em Órfãos da Terra; policiais ingênuos incomodam público (Imagem: Raquel Cunha / Globo)

Desligo

– A trama de Missade (Ana Cecília Costa), Elias (Marco Ricca) e Helena (Carol Castro) revelou-se extremamente machista. Em dado momento, a amante foi punida com a perda do filho que esperava, enquanto o adúltero voltou para a casa, contando sempre com a complacência da família. E a traída, embora tenha se esforçado para deixar de lado o papel de rainha do lar, acabou voltando à Síria com o marido…

– Em nada serviu para Órfãos da Terra a presença do fantasma Davi (Vitor Thiré). Pelo contrário. As visões do namorado morto minaram a força de Cibele (Guilhermina Libanio). Outros personagens também foram esvaziados por armadilhas do enredo: Bruno (Rodrigo Simas), de vértice do triângulo com Laila e Jamil, tornou-se completamente irrelevante; Hussein (Bruno Cabrerizo) patinou após a morte de Aziz e Soraya (Letícia Sabatella).

– Por que, na ficção, delegados, policiais e afins são sempre tão ingênuos? A pergunta compreende outros tantos folhetins. As operações de Almeidinha (Danton Mello) para frear Dalila quase nunca deram resultado… E, no penúltimo capítulo, o investigador ainda exige que a malvada abaixe seu revólver por estar cercada de policiais. Ora, onde os valorosos trabalhadores estavam quando ela invadiu o recinto?

– O mesmo vale para a abordagem dos chamados crimes do colarinho branco. O execrável Norberto (Guilherme Fontes) tomou um golpe de Valéria e, simples assim, redimiu-se de todos os erros. A pobreza a humanizou, assim como o amor por Camila livrou a ex do empresário de qualquer punição. Só para lembrar: ladrão que rouba ladrão também é ladrão.

Órfãos da Terra

O diretor artístico Gustavo Fernandez orienta Renato Góes (Jamil) e Bruno Cabrerizo (Hussein) em gravação de Órfãos da Terra (Imagem: Paulo Belote / Globo)

Fecha a conta

A produção e a direção de Órfãos da Terra foram na contramão do roteiro deficitário. Cada sequência, por mais simples que fosse, era valorizada em enquadramentos, com a luz, pelas locações ou por cenários, figurinos e objetos de cena. Lucas Zardo assinou a produção; já Gustavo Fernandez respondeu pela direção artística. Lucas esteve ao lado de nomes como Rogério Gomes, Luiz Fernando Carvalho e Vinícius Coimbra em Amor Eterno Amor (2012), Meu Pedacinho de Chão (2014) e Novo Mundo (2017). Gustavo é da escola de Ricardo Waddington, tendo integrado o time de êxitos como A Favorita (2008), Cordel Encantado e Avenida Brasil (2012). Todo sucesso para eles!

Duh Secco
Escrito por

Duh Secco

Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.