Teatro, cinema e TV. Em qualquer um desses cenários é possível encontrar um trabalho atual de Mouhamed Harfouch. Depois de emendar algumas novelas, o ator aproveitou o momento difícil da pandemia para recriar projetos e saiu desse isolamento mais fortalecido.
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Desde o início do ano, está viajando o país com a peça Quando Eu For Mãe Quero Amar Desse Jeito, estreou a série Rensga Hits!, que já é um grande sucesso no Globoplay, e está chegando nas salas de cinema com a comédia Uma Pitada de Sorte.
“É um momento feliz da minha vida, onde posso mostrar minha veia cômica, minha alegria e meu sentimento. E todos os meus personagens, mesmo os dramáticos, eu uso a comédia. É uma maneira que tenho de depurar a vida, enxergar e filtrar os acontecimentos dela. A comédia pra mim está muito relacionada ao timming, musicalidade, está dentro de mim desde que comecei com o teatro”, disse o ator.
Como Isaías na série que conta a história do feminejo – o sertanejo feminino – Mouhamed conta a influência e a importância de Marília Mendonça para o elenco.
“Foi uma alquimia muito feliz entre um coletivo que deu muito certo. Isso nos empurrou a contar a história, e no meio de tudo isso ainda teve a tragédia com a Marilia Mendonça, o que fez com que a gente tivesse ainda mais vontade, porque ela inspirou muito a todos nós, estava muito presente na série, porque ela faz parte de uma liderança desse movimento, dessa nova geração”, revelou.
Em entrevista exclusiva ao RD1, o ator falou sobre os novos projetos, o processo de preparação para o personagem goiano e sua carreira musical.
Confira a entrevista com Mouhamed Harfouch:
RD1 – Como surgiu o convite para Rensga Hits?
Mouhamed Harfouch – Eu estava fazendo a novela Nos Tempos do Imperador, e recebi o convite pra fazer Rensga. Terminei a novela e corri para casa pra fazer a leitura online do roteiro. Saí do Diego e entrei no Isaias. A primeira vez que ouvi falar de Rensga foi com a diretora Carol Durão, que também fazia parte de Uma Pitada de Sorte, o longa que estou estreando agora.
Outra coincidência foi que nesse filme eu faço par romântico com a Fabiana Karla, que também está em Rensga Hits. Me pediram até um vídeo tocando e cantando e foi muito bacana porque é o universo da música que eu adoro e é sempre bom emendar um trabalho no outro, quando é algo que te desafia, que é estimulante.
E como se preparou para dar vida a Isaias?
Eu tive muita preparação, a série caprichou muito com aulas de prosódia, e eu tive aula de violão, de canto, fonoaudióloga, e tudo isso em Goiânia. Fui um mês só pra me preparar. Eu andava por lá praticando o meu sotaque, conversava com todo mundo como se fosse um goiano.
Minha preparação se deu toda lá, num calor de rachar, pegamos uma umidade de 11%, muito seco, não chovia há 3 ou 4 meses em Goiânia. Eu já toco violão, mas foi mais pra pegar essa batida do sertanejo, essa musicalidade, o estilo de cantar e fazer essa imersão nesse universo. Eu procurei dar muita verdade pra não ficar no caricato.
Gostei muito de estar lá, poder conviver com o pessoal e trocar ideias. Às vezes eu pegava um táxi e ia a corrida toda conversando como se fosse goiano, e no final eu agradecia como carioca. Até o motorista estranhava, achava que eu era de lá. Foi muito divertido.
Quando começou a ler e a gravar a série, já sabia que seria esse sucesso?
A gente sentia que tinha um material muito diferenciado. Estávamos vindo de uma pandemia, o isolamento, todo esse processo de muito sofrimento, dificuldades, crises econômica e sanitária. E receber um material que fala de sonho, de empoderamento, superação, sobre o universo da música, uma série solar, que trata os assuntos de forma leve, tão carismática, a gente sentia que tinha uma história muito bacana de se contar.
Falar sobre o movimento das mulheres, que sobem ao palco, que tomam o microfone e ocupam seus lugares, nesse ambiente extremamente machista, era muito desafiador e interessante. E contar a história de tantos outros personagens carismáticos, como David Cafajeste, com a questão de assumir a sua sexualidade, o Isaías, que é um cara machista e que de repente se vê quebrado porque a mulher o abandonou, descobre que o melhor amigo dele não é quem ele imaginava que fosse.
São personagens de muitas camadas. E a cereja foi juntar esse elenco tão apaixonado pela história. Foi uma alquimia muito feliz entre um coletivo que deu muito certo. Isso nos empurrou a contar a história, e no meio de tudo isso ainda teve a tragédia com a Marilia Mendonça, o que fez com que a gente tivesse ainda mais vontade, porque ela inspirou muito a todos nós, estava muito presente na série, porque ela faz parte de uma liderança desse movimento, dessa nova geração.
Tudo isso ficou impregnado na nossa atuação, na tela, com muita verdade, e com dignidade. A gente queria muito passar essa história com emoção, com carinho, sentimento, e tocar o coração das pessoas Toca a gente pelo sentimento, escuta, emoção, música, pelo carinho que a gente tem por Marilia e por todas essas mulheres que fizeram desse movimento algo tão forte, que domina as rádios e chega a esse Brasil afora. A gente quer falar de sonhos, de superação, tudo isso está sendo contado de uma forma muito bonita.
Você chegou no top 5 do PopStar em 2018. Em que pé anda sua carreira musical?
O PopStar foi um desafio enorme na minha vida. Eu sempre tive a música ao meu lado, fiz muito teatro, tocava instrumento, cantava e depois protagonizei um musical da Broadway. Tive banda, sempre gostei de compor. Fazer o Isaias foi uma reconexão comigo mesmo, sempre gostei de colocar minhas impressões, meus sentimentos, através da música.
O PopStar foi um desses encontros felizes, um reality musical, eu ficava pensando quando eu teria aquela estrutura que a Globo estava proporcionando, com um palco, iluminação, equipamentos, profissionais maravilhosos, pro Brasil inteiro. Eu tinha muito medo, mas ao mesmo tempo eu me dizia que não podia perder aquela chance, de celebrar uma das coisas que amo, que é a música.
No início foi muito difícil, até que resolvi que eu não queria cantar bem: eu vou me apresentar, me divertir, porque é isso que a música produz em mim. O programa me deu muita cancha de palco, muita coragem de subir e cantar – eu tinha vergonha de cantar para 100 pessoas e estava cantando pra milhões de pessoas através da Globo.
Depois do programa, o Sussekind, que era um dos produtores, produziu três músicas minhas e eu lancei duas. Uma, a “Volta”, inclusive, chegou a entrar em Órfãos da Terra, porque a Duca e a Thelma escutaram o elenco todo cantando nos bastidores, gostaram e pediram pra fazer uma cena com a música. Elas escreveram uma cena em que o personagem do Felipe Bragança fazia uma serenata para a Paula Burlamaqui. E lancei também na pandemia, “Lente Aberta”, pois achei que era uma maneira de deixar tudo um pouco menos pesado naquele momento de incertezas, de ter ou não vacina. Não tive condição na época de fazer shows, mas venho fazendo muitos shows desde Pop Star, uma média de pelo menos um por mês.
Agora, com as viagens da peça “Quando eu for mãe quero amar desse jeito”, com Vera Fischer e Larissa Maciel, tem sido um pouco mais difícil. Pretendo retomar a agenda de shows assim que terminar a peça, viajar pelo Brasil tocando com a minha banda e levando esse som adiante. Em Rensga, eu canto uma música chamada “Disfarce”, e os fãs acabaram me conectando ainda mais com o universo musical. Eu sou muto entusiasta pra que a gente faça um show com o elenco de Rensga Hits e saia em turnê pelo Brasil.
Você está rodando o país com a peça “Quando eu for mãe quero amar desse jeito”. Como tem sido voltar aos palcos depois de dois anos de teatros fechados?
Viajar com a peça tem mostrado pra gente que o público está com saudades do teatro. Estou desde o início do ano com a peça. Em 2020, quando estávamos há 15 dias da estreia, veio a pandemia e tivemos que interromper. E depois de tanto tempo de isolamento, teatros fechados, setor cultural que já não vinha bem, enfrentando uma crise muito grande – passou a respirar por aparelhos com a pandemia – a gente com todas as dificuldades, é muito emocionante.
Eu fui um dos que foi a Brasília lutar pela derrubada dos vetos do Governo Federal às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc II, que é uma lei muito importante de fomento à cultura, que atravessou e ainda atravessa momentos difíceis. É muito bacana o retorno que estamos tendo, nunca imaginei encontrar tantos teatros lotados, feito sessões extras e recebendo carinho enorme do público.
Isso só mostra que apesar de toda falta de investimento por parte do governo na cultura, a gente tem encontrado alento, carinho e sendo abraçado por esse público que nos mostra que a gente precisa nos reconectar, estar no palco e o público está com saudades do artista presencial e de ir ao teatro.
A gente poderia viajar muito mais, ir a muitos mais lugares, mas a gente precisa traçar toda uma estratégia para chegar nas cidades, porque não temos patrocínio, é na raça, e não podemos assumir todos os riscos, com passagens aéreas muito caras, hospedagem, alimentação, toda essa estrutura que fica difícil com um espetáculo que tem um cenário grande, uma produção bacana. Então, a gente torce para que possa levar para todos os cantos do Brasil, porque por onde estamos passando, temos nos emocionado e recebido muito carinho. Viva o teatro!
Na pandemia, inclusive, você fez uma peça online. Como foi a experiência?
Na pandemia eu fiz uma peça online chamada “O Homem de Lata”. Um monologo que escrevi junto com Moises Liporage, pro teatro. Tenho esse projeto há sete anos, mas como nunca consegui tempo, emendando uma novela na outra, veio PopStar, a primeira filha, depois o outro, quando eu realmente queria estrear a peça, em 2020, veio a pandemia. E eu fiquei em casa, nos dois primeiros meses, muito pra baixo, muito triste.
Não havia horizonte de vacinas, muita insegurança, medo, e eu falei “vou surtar, preciso trabalhar”. Juntei a equipe e decidi reescrever a peça para a pandemia e fazer do quarto. Acordava às 6h da manhã, as crianças em casa, tendo que dar atenção. O único momento que eu tinha pra escrever era às 6h da manhã, até umas 8h. Ou de madrugada. Escrevi com Moises, online, cada um da sua casa, fizemos os ensaios – também virtualmente – com o diretor João Fonseca. Foi um dos momentos mais lindos que atravessei na vida, tive todo apoio, muito carinho.
Lembro da nossa estreia, com 300 pessoas online e ficamos três meses, de quinta a domingo, nesse esquema. E foi muito emocionante. Vi pessoas que nunca tinham assistido a uma peça de teatro, choravam, riam, emocionadas. Eu tenho um compromisso de levar esse espetáculo para o teatro, pra onde ele foi concebido, pra onde a gente queria que ele nascesse. Foi a maneira que encontrei de estar vivo e lúcido na pandemia, de realizar esse monologo online.
Acho que fomos a segunda peça online a surgir na pandemia, foi muito bacana, um momento muito especial. Eu chegava na hora do espetáculo, me trancava no quarto do Bento, aí fazia a peça durante 1h15, e acabava suado. Eu sozinho, operava a câmera do celular, a trilha sonora, a iluminação, os cortes de câmera, tudo era feito por mim, quase um homem polvo. Pudemos sobreviver no palco, sem estar no palco. Foi um momento muito bonito.
Em Rensga, na peça e no filme vemos você em personagens cômicos. Como é fazer trabalhos de humor?
Estreei na TV fazendo personagem cômico, em Pé na Jaca. De lá pra cá, fiz alguns cômicos, mas também densos. Em Órfãos da Terra, por exemplo, apesar de estar no núcleo cômico, era um enamorado, tinha cenas dramáticas com o saudoso e inesquecível Flavio Migliaccio. Na minha vida eu tive a felicidade de circular entre comédia e drama, mas confesso que amo a comédia e estava com saudades de estar mergulhado nesse universo.
Estou numa trinca: Rensga Hits, Uma Pitada de Sorte e Quando eu for mãe quero amar desse jeito. Um momento feliz da minha vida, onde posso mostrar minha veia cômica, minha alegria e meu sentimento. E todos os meus personagens, mesmo os dramáticos, eu uso a comédia. É uma maneira que tenho de depurar a vida, enxergar e filtrar os acontecimentos dela. A comédia pra mim está muito relacionada ao timming, musicalidade, está dentro de mim desde que comecei com o teatro.
Você já tinha alguma intimidade com o universo sertanejo?
Não que eu tivesse intimidade, mas como toco violão e muitos amigos gostam, é inevitável. Já toquei várias músicas sertanejas, desde Leandro e Leonardo, Chitãozinho e Xororó, e outras duplas mais recentes. Temos músicas lindas e acho que o sertanejo mais moderno se vale muito do rock. Eu que sou mais roqueiro, percebo que o sertanejo se vale muito da guitarra, da bateria forte, aliás queria elogiar o Dudu Borges, que é o produtor musical de Rensga Hits, é um monstro, um cara que sabe muito e o trabalho que ele faz na série é um primor. A trilha sonora é sensacional.
O sertanejo hoje tem muitos desses elementos, então acho que a intimidade acabou vindo até por essa conexão com o rock. Em Rensga, quando a gente canta “Não aprendi a dizer Adeus”, é uma coisa linda. Herbert Viana falou que música boa é aquela que serve de trilha sonora em algum momento da sua vida. E acho que o sertanejo está dentro da gente. Escutamos Marília Mendonça em todo o processo de Rensga Hits, e minha familiaridade também está em pegar o violão, relembrar o que muitas tocamos na roda de amigos.
Ultimamente, a TV tem enaltecido bastante o regionalismo, o interior do país. Como você enxerga isso?
Importante ver que em um país, com dimensões continentais como o Brasil, a gente pode trazer a realidade do interior e sair um pouco do eixo das capitais. A gente fala de Goiânia, mas o meu personagem, por exemplo, compus como se fosse de Intubiara, do interior de Goiás.
Acho que a gente enxerga que precisa conversar com esse Brasil profundo, ter essa conexão, que estamos vendo em Pantanal, com Rensga e em tantas obras que chegam e que tocam a gente. Ariano Suassuna já dizia que toda arte, antes de ser regional, é local. E se ela for boa, vai ser contemporânea e universal. Acho que Ariano é um exemplo disso, é universal sendo extremamente regional. E isso toca o coração das pessoas, porque no final o que falamos é de amor, que é um sentimento universal, falamos de sonho, desejo, superação.
É muito bacana poder falar com esses outros cantos do Brasil e sair dessa musicalidade que as vezes domina o cenário, que é o eixo Rio-São Paulo, as principais capitais do país. Acho saudável, e nos presenteia com diversidade, com riqueza cultural e também dá a chance de darmos voz, escuta e presença desses Brasis, que às vezes ficam mais distantes das obras que dominam a TV, o streaming, o cinema. É muito bonito, e viva esse Brasil tão rico de pluralidade, diversidade, coletivos, vozes e de pessoas e povos tão interessantes.
Quais os próximos projetos para TV? Alguma novela e/ou série vindo aí?
Vamos ter segunda e terceira temporadas de Rensga, acho que ano que vem começamos a gravar. Sobre novela, eu ainda não posso adiantar nada. A peça ainda vai viajar esse Brasil todo, tem muito lugar pra ir – estamos até vendo Portugal – tem meu monólogo, tem muitos projetos pra tirar do papel, e tem meu show com a banda. Muito bacana poder estar de volta no teatro, na TV e no cinema e torço para que a gente tenha cada vez mais esse horizonte de reconexão com o público e de muitos trabalhos.
Qual tipo de personagem você sonha em fazer? E o que você não aceitaria fazer de jeito nenhum?
Não sei qual personagem eu não faria de jeito nenhum, porque na verdade eu aprendi que na minha carreira, é o personagem que escolhe a gente. Então, não tenho essa clareza. Já recusei alguns, por questões circunstanciais, as vezes por ter acabado de fazer algo parecido, ou que não era um desafio tão grande. Mas um que eu gostaria muito de fazer é um vilão.
Sei que muitos respondem isso, mas é porque é mesmo um desafio fazer um vilão. Na minha carreira, tenho feitos personagens divertidos, enamorados, que são mocinhos, família, e pegar um personagem que seja vilão é realmente desafiador, eu olharia com muito carinho. A gente está sempre em busca de uma boa história, isso é o que me motiva, me renova a cada dia, pra acordar, encarar a folha em branco para escrever algo pra atuar, ler, dar vida a um personagem. No fundo, a gente quer contar sempre uma boa história.
Fernanda Menezes Côrtes é jornalista, com mais de 20 anos de experiência em assessoria de comunicação, sendo os últimos onze anos voltados ao mundo do entretenimento e da televisão. Trabalhou na comunicação da Globo e do Canal Viva e como assessora de artistas.