Cara & Coroa, novela de Antonio Calmon, completa 25 anos nesta sexta-feira (24). A trama que girava em torno das gêmeas Fernanda e Vivi (Christiane Torloni) responde por uma das melhores audiências do horário das sete na década de 1990. A Globo, porém, nunca cogitou o folhetim para o Vale a Pena Ver de Novo ou para o Canal Viva. Abaixo, 25 curiosidades deste sucesso!
VEJA ESSA
1 – Diretor geral da bem-sucedida A Viagem (1994), Wolf Maya ganhou da Globo a oportunidade de escolher seu próximo trabalho. Foi ele quem decidiu pela produção de Cara & Coroa. “O roteiro é diabólico, existe uma trama central muito forte, que gera consequências nas histórias paralelas. Estou apostando tudo nesta primeira obra adulta do Calmon”, afirmou Wolf em entrevista ao jornal O Globo (23/07/1995).
2 – Antônio Calmon entregou a sinopse da novela à emissora em janeiro. Havia a possibilidade da Globo optar por Haole – denominação atribuída por surfistas a desconhecidos ou estrangeiros –, folhetim desenvolvido por Ana Maria Moretzsohn e Ricardo Linhares. Os dois, porém, seguiram como supervisores de texto da primeira temporada de Malhação, lançada em abril de 1995. Um argumento de Ivani Ribeiro sobre extraterrestres também chegou a ser considerado; a veterana veio a falecer dias antes da estreia de Cara & Coroa, em 17 de julho.
3 – Diferente de Wolf, Calmon vinha de um insucesso, Olho no Olho (1993). A obra manteve os índices da faixa das sete, mas passou longe do êxito artístico, de crítica e de público dos trabalhos anteriores do autor, Top Model (1989) e Vamp (1991). Ao jornal O Globo (06/05/1995), o novelista revelou insatisfação com o enredo centrado em paranormais: “Naquela época, a pedidos da Globo, tentei misturar o humor jovem a temas mais complexos. O resultado não me deixou satisfeito. Veio a novela como um trabalho de transição porque, depois dela, decidi que queria mesmo escrever para outro público”.
4 – O amadurecimento da obra de Antônio Calmon se deu concomitantemente com a estreia de Malhação e a consequente opção por temas mais adultos no horário nobre. Cara & Coroa coincidiu com as exibições de História de Amor e Quem é Você às 18h, protagonizadas por mulheres de “meia idade”. Também o suspense de A Próxima Vítima e o debate sobre crianças desaparecidas, cultura cigana e internet em Explode Coração, às 20h. “A vontade de escrever para um público mais maduro surgiu pelo desejo de me renovar, de entrar na nova idade com uma cara diferente. E, por incrível que pareça, a forma que tenho de me renovar é envelhecer. Sinceramente, não quero ser um coroa de tênis”, destacou o autor, às vésperas de seu aniversário de 50 anos, em depoimento ao jornal O Globo.
5 – Apenas mulheres auxiliaram Calmon em Cara & Coroa. “Resolvi ter uma equipe feminina porque a trama gira em torno da família e das relações das mães com filhos”, revelou ao O Globo (31/01/1995). Ângela Carneiro, Eliane Garcia e Lilian Garcia colaboraram nos 213 capítulos da produção; Maria Carmem Barbosa, que participou do processo de criação, saiu da equipe antes da estreia.
6 – Antônio Calmon também contou com a supervisão informal de Walther Negrão, com quem dividiu a autoria de Top Model. “Isso é ótimo porque ele tem a carpintaria da novela clássica. O negócio agora não está para brincadeira, tem muita novela entrando no ar”, comentou o novelista em entrevista para a Folha de São Paulo (23/07/1995), fazendo referência aos lançamentos de A Idade da Loba na Band, no mesmo dia 24, e de Sangue do Meu Sangue no SBT, dia 11.
7 – Com a estreia de História de Amor, a Globo promoveu alterações na grade noturna. O noticiário local, antes colado no Jornal Nacional, passou a entrar entre a trama das seis e das sete. A Band alocou ‘Idade da Loba’ às 19h, tão logo ‘História’ chegava ao fim – certa de que o público não trocaria de estação às 19h15, quando ‘Cara’ tinha início. O SBT empurrou ‘Sangue’ para às 20h10, batendo de frente com JN, também certo da migração.
8 – A novela da Globo chegou ao fim com 41 pontos de média geral. Os modestos índices dos primeiros meses foram impulsionados pela morte de Heloísa (Maitê Proença) e o despertar de Fernanda do coma. A Folha de São Paulo (15/10/1995) destacou a reação nos números: de 28 de agosto a 2 de setembro, com Fernanda ainda hospitalizada, 38 pontos; de 18 a 23 de setembro, quando ela desembarcou na paradisíaca Porto do Céu, 46. Naquele tempo, um ponto correspondia a 100 mil domicílios; hoje, o mesmo compreende mais de 260 mil.
9 – “Fui obrigado a mudar a rota. A emissora encomendou uma pesquisa e detectou que a grande expectativa do público era ver Fernanda e Vivi juntas”, admitiu Calmon à Folha de São Paulo. A sinopse, aliás, passou por inúmeros tratamentos. “A primeira tinha um prólogo, que falava de todo o passado da Fernanda, mas, segundo a emissora, prólogo não dá certo. Transformei em flashback, mas por causa de ‘A Próxima Vítima’, que usou o recurso, também não pude fazer”, contou o autor ao Jornal do Brasil (13/05/1995).
10 – O destino de Fernanda esteve no centro da discussão sobre a narrativa. A filha de Guilhermina (Marilena Ansaldi) fora noiva do Rubinho (Luís Melo). Trocou o modesto professor da escola pública de Porto do Céu por Miguel (Victor Fasano), herdeiro de Antenor (Carlos Zara). Entediada com a vida que levava na Ilha do Adeus, onde a abonada família de Miguel vivia – e debatia os polpudos investimentos no ramo hoteleiro –, Fernanda deixou-se envolver pelo cunhado Mauro (Miguel Falabella). Abandonou o marido e o filho Pedro (Thierry Figueira) para morar com o amante em São Paulo; trocada por Heloísa (Maitê Proença), partiu com virulência para cima de Mauro e acabou atingindo um desconhecido. Às vésperas de sua saída da cadeia, após 13 anos trancafiada, conhece a sósia Vivi; logo depois, sofre um derrame.
No primeiro tratamento, Fernanda morria. Cenas do enterro dela chegaram a ser gravadas no cemitério da Consolação, em São Paulo. Vivi, num plano articulado por Mauro para tomar o patrimônio de Miguel, assumia a identidade da colega de cela. A Globo, porém, pediu que Antônio Calmon deixasse Fernanda convalescendo no hospital – ideia que ele já havia levado à direção, rejeitada pelo temor do canal quanto às semelhanças com Mulheres de Areia (1993). Porém, diferente de Ruth e Raquel (Gloria Pires), Fernanda e Vivi não rivalizaram em nenhum momento. Pelo contrário! As duas se uniram e, em dado momento, dividiram o mesmo o papel: uma ao lado de Rubinho, outra com Miguel; as duas contra Mauro – o verdadeiro responsável pela morte do desconhecido, Gustavo (José Augusto Branco).
A revista Contigo! publicou, meses antes de estreia, uma outra versão do folhetim: Fernanda abandonava Rubinho, casava-se com Miguel e, após o nascimento dos dois filhos, partia num iate ao lado do aventureiro Henrique. Anos depois, após matar o affair em legítima defesa, ser condenada a cumprir trabalhos numa penitenciária agrícola e descobrir uma doença incurável, ela convence a sósia Vivi a assumir seu lugar e reparar os erros que cometera.
11 – Para as trocas de identidade, o novelista buscou inspiração no livro O Príncipe e o Mendigo, de Mark Twain, e no Sommersby – O retorno de um estranho (1993), de Jon Amiel. A imprensa relacionava o fato da Globo solicitar mudanças na sinopse ao processo de plágio que sofreu em 1987, quando Aguinaldo Silva assinou O Outro; a roteirista Tânia Lamarca foi à Justiça, apresentando elementos entre o folhetim das oito e um texto de sua autoria analisado na extinta Casa de Criação Janete Clair – então capitaneada por Dias Gomes. O caso terminou com a vitória de Tânia, uma polpuda indenização e a implosão da Casa dedicada à avaliação de sinopses, formatos e novos autores.
12 – Calmon também precisou recalcular a rota com o Boeing no ar. Um desentendimento entre Maitê Proença e Wolf Maya causou a morte de Heloísa; as más línguas atribuíam os atritos a um suposto incômodo do diretor com o relacionamento da atriz e de Victor Fasano. Maitê recebeu o capítulo em que sua personagem era atirada de um penhasco, sem ser avisada, previamente, da dispensa. “Um dia, Maitê Proença me ligou e perguntou se eu já tinha lido o bloco novo. Eu respondi que não e ela falou: ‘O capítulo 49 termina numa cena em que aparecemos eu, você e a Christiane Torloni no alto de um penhasco. A Christiane é a protagonista, você é o antagonista. Eu acho que vou cair desse penhasco’. Não deu outra. Ela ficou furiosa, com toda razão, porque não tinha sido avisada de que sairia da novela. Para mim, a saída da Maitê foi frustrante, porque ela interpretava a minha mulher, e eu fiquei sem rumo na novela”, declarou Miguel Falabella ao livro Autores, Histórias da Teledramaturgia.
13 – O clima nos bastidores, ao que tudo indica, não era dos melhores. Ao jornal O Globo (10/09/1995), Maitê Proença adiantou que buscou alternativas na espiritualidade para melhorar o clima no estúdio. “Acho que essas coisas da espiritualidade não são para ser faladas, mas sim vividas. Por isso, prefiro não dizer exatamente o que foi, mas posso falar que o meu objetivo era levantar o astral de um lugar onde circulam muitas pessoas diariamente e, portanto, há energias muito diferentes”, relatou.
Em participação no Lady Night, há dois anos, Falabella contou ter tomado uma bronca de Maitê durante o trabalho: “Estávamos gravando em uma lancha em alto-mar, a câmera em outra lancha. Ela sentada, de repente olhou para mim e falou: ‘Miguel, está tão insuportável trabalhar contigo, pelo amor de Deus, faz alguma coisa, fica duro acordar de manhã, muito difícil trabalhar junto. Vou te dar um conselho: esquece essa história, se você não pode querer bem, não queira nada, olhe através’”.
14 – Christiane Torloni e Victor Fasano também se desentenderam. “Já fiz uma novela em que estava brigado com a atriz. A gente não se falava, chegava no estúdio e ninguém cumprimentava ninguém. Mas, quando diziam ‘gravando’, eu falava ‘eu te amo’ e a beijava. Era a Christiane Torloni. Hoje somos amigos”, confidenciou o ator em entrevista ao Sensacional, ano passado.
15 – Maitê Proença limitou-se a declarar, sobre a morte de Heloísa e a saída repentina de Cara & Coroa, em entrevista ao Estado de São Paulo (17/09/1995): “Não cabe a mim tecer considerações: tudo que sei é que fiz meu trabalho com dignidade”. O episódio rendeu ainda o acidente com a dublê Deca Moraes; durante a gravação da sequência em que Heloísa, após luta corporal com Mauro, despenca do penhasco, Deca sofreu várias escoriações e quebrou alguns dentes ao cair no mar.
16 – O plano inicial era de que Heloísa deixasse Mauro, levando consigo boa parte da fortuna do marido. Ela também traçaria um plano para desmoralizá-lo, em paralelo às investidas de Fernanda e Vivi contra o malvado. A partida da vilã acarretou na entrada de Marcos Paulo e Maria Padilha. Marcos, que vinha da antecessora Quatro Por Quatro (1994), interpretou o médico Heitor Morales, filho de Gustavo; Maria ficou encarregada de Bruna, aliada de Mauro que termina por delatá-lo.
17 – Maitê Proença era nome certo na minissérie Decadência, exibida no mesmo 1995. Foi José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni – então vice-presidente de operações da Globo – quem a convidou para o trabalho às 19h; Irene, sua personagem no polêmico enredo de Dias Gomes, ficou com Maria Zilda Bethlem. Já Edson Celulari fez o caminho inverso: cotado para Miguel, acabou deslocado para Decadência, onde encarnou o protagonista Mariel. Regina Duarte, ao optar por Helena de História de Amor, declinou dos chamados para Ana (Susana Vieira) de A Próxima Vítima e Fernanda e Vivi em Cara & Coroa. Christiane Torloni, que acatou as protagonistas, estava cogitada para Paula (Silvia Pfeifer) em Malhação, reservada, a princípio para Myrian Rios.
18 – O elenco provisório contou ainda com Claudia Jimenez, Raul Cortez, Maurício Mattar e Zezé Polessa. Também Eri Johnson como Calixto, João Carlos Barroso como Jorge e Thaís de Campos como Magnólia – personagens que não integraram a narrativa ou que tiveram seus nomes alterados. Ricardo Macchi foi reprovado no teste para Guiga, entregue a Márcio Garcia; acabou convocado, meses depois, para o famigerado cigano Igor, de Explode Coração.
19 – A produção também demorou a encontrar a atriz ideal para Martina. Louise Cardoso foi designada para o tipo, num primeiro momento; ela estava apalavrada com o SBT, para encarnar uma das figuras centrais de Sangue do meu Sangue, quando a Globo propôs um contrato de dois anos. O remanejamento de Cardoso para a introvertida Laurinha colocou Martina nas mãos de Mônica Torres. Mas, após acertar salário e figurino, Mônica foi desligada por Wolf Maya da obra, por “incompatibilidade” com o papel. Cláudia Alencar foi a escolhida. O trilho da personagem foi alterado por determinação da Globo: a emissora considerou a campanha anti-HIV proposta por Antônio Calmon, com Martina exigindo que o marido Cícero (Wolf) usasse camisinha, inadequada para o horário das 19h.
20 – Cara & Coroa promoveu a estreia de Luís Melo, consagrado no teatro – então parceiro do conceituado Antunes Filho – na TV. Luís, que já havia recusado propostas para Riacho Doce (1990), Renascer (1993) e Memorial de Maria Moura (1994), foi contemplado com o APCA de revelação masculina. Rosi Campos, em sua primeira novela na Globo, levou o troféu de atriz coadjuvante por Margô / Regininha; a atriz vinha do êxito de Morgana, a sábia bruxa do Castelo Rá-Tim-Bum (1994, Cultura).
21 – Também o lançamento de Cláudia Liz (Debbie), Heitor Martinez (Mobral) e Maria Maya (Nádia); esta, filha de Cícero, interpretado por seu pai Wolf Maya. Ainda, o primeiro trabalho da veterana Arlete Montenegro (Leda) na Globo. Ex-paquita de Xuxa Meneghel, Juliana Baroni chegou à faixa das 19h com a missão de repetir o êxito da colega Letícia Spiller, a Babalu de Quatro Por Quatro; sua personagem, Júlia, nada tinha a ver com a efusiva protagonista da antecessora. Alessandra Negrini (Natália) e Carmo Dalla Vecchia (Fabinho) vinham das exitosas participações na minissérie Engraçadinha – Seus Amores e Seus Pecados (1995).
22 – A Globo pretendia gravar a abertura, onde Susana Werner nadava em torno de espelhos, no mar de Fernando de Noronha. Os altos custos inviabilizaram a investida. Enquanto batia ponto na vinheta, Susana foi recrutada para uma participação em Malhação, estreando como atriz. Wolf Maya também desembarcou na trama das 17h30, como supervisor, após a saída de Roberto Talma da emissora.
23 – Maya e o parceiro Carlos Magalhães adquiriram know-how em cenas com gêmeos graças a Mulheres de Areia, o que facilitou a “duplicação” de Christiane Torloni. A atriz contava com o auxílio de Dayse Silveira, que já havia atuado como sua dublê em Araponga (1990) e As Noivas de Copacabana (1992). Por sua vez, o bebê que deu vida a Fernandinha, filha de Vivi, era homem: Matheus Reis Duarte Monteiro.
24 – Na pele da médica Nadine, Lúcia Veríssimo reviveu os tempos de instrumentadora cirúrgica. E dividiu o set com a comadre Torloni – ela é madrinha do filho da atriz, Leonardo – e o ex-namorado Marcos Paulo, com que atuou em seu trabalho mais recente até então, Despedida de Solteiro (1992). Lúcia também se desdobrou entre as gravações do folhetim e do Alternativa: Saúde, no GNT. Enquanto isso, Miguel Falabella gravava o Vídeo Shows às terças-feiras e quintas-feiras, concebia a sinopse de sua primeira novela como autor – Salsa e Merengue (1996), em parceria com Maria Carmem Barbosa – e dedicava-se aos primeiros trabalhos do Sai de Baixo, lançado no domingo seguinte à exibição do último capítulo de ‘Cara’, 31 de março de 1996.
25 – Repleta de hits, a trilha internacional de Cara & Coroa vendeu cerca de 450 mil cópias, excelente número para época. Já a nacional emplacou aproximadamente 150 mil.
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.