Marco da história da TV brasileira, Roque Santeiro chegou nesta segunda-feira (21) ao Globoplay. Censurada pelo regime militar em 1975, no dia da estreia, a novela de Dias Gomes foi resgatada pela Globo dez anos depois em meio à abertura política – com Aguinaldo Silva desenvolvendo boa parte dos capítulos. A trama reflete o Brasil de muitas épocas nos peculiares moradores de Asa Branca. Inclusive, e lamentavelmente, o de 2021.
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Asa Branca é terra de gente humilde, dominada por Sinhozinho Malta (Lima Duarte). O latifundiário exerce poder não só sobre o povo. As autoridades locais, como o prefeito Florindo Abelha (Ary Fontoura) e o padre Hipólito (Paulo Gracindo), também se submetem ao jugo de Malta. Os três, assim como o comerciante Zé das Medalhas (Armando Bógus), faturam alto em cima da fama de Roque Santeiro (José Wilker).
O artesão foi dado como morto ao, supostamente, defender a cidade dos bandidos liderados por Navalhada (Oswaldo Loureiro). Tempos depois, uma menina que lutava pela vida afirmou ter tido uma visão do santeiro. Criou-se então um mito. A fama de milagreiro atribuída a Roque fez de Asa Branca parada obrigatória para romeiros, interessados na salvação.
Enquanto Flô enche os cofres públicos com impostos de toda ordem, e Zé lucra com a venda de santinhos e velas, Sinhozinho Malta desfruta da fama de Porcina (Regina Duarte). A amante do fazendeiro, que sequer conheceu o “morto”, foi convencida a assumir o papel de viúva, tornando-se patrimônio da população local. Toda a farsa, porém, é ameaçada com a volta de Roque ao município.
Para Fábio Costa, o pesquisador de teledramaturgia, jornalista e editor-chefe do Observatório da TV, Roque Santeiro “foi um fenômeno porque surgiu na hora certa para passar sua mensagem ao Brasil. O período de 10 anos que a novela passou impedida serviu para apurar mais ainda os fatos reais que ditavam a vida do povo que a acompanharia com paixão”. Fábio complementa:
“Apesar do poder das tramas clássicas de telenovela aliando romance e intrigas, ‘Roque Santeiro’ criticava e satirizava um Brasil que precisava dessa abordagem naquele momento – e segue precisando. A feliz união de elementos de diversos gêneros fez dela uma das maiores telenovelas brasileiras em todos os tempos. Quem nunca viu não deve perder a oportunidade agora, no Globoplay”.
Embora associado a milagres e afins, a crença em torno de Roque Santeiro envolve também a política. A devoção é similar às de muitas figuras do meio… No capítulo 87, exibido em 2 de outubro de 1985, Padre Albano (Cláudio Cavalcanti) decide pôr fim às mentiras. No mesmo momento, Beato Salu (Nelson Dantas), pai de Roque, sai do estado praticamente vegetativo em que se encontrava.
Diante da “ressuscitação” e da loucura que domina a praça – adornada por uma estátua do “salvador” –, Padre Hipólito constata que o mito é mais forte do que a verdade. Algo, que como a chamada para a novela no Globoplay ressalta (relacionada abaixo), pode ser observado na política atual. Questionado sobre a afinidade da produção com os dias de hoje, Fábio salientou:
“Para este 2021, 36 anos depois de produzida, 46 anos após a Censura na TV e quase seis décadas depois de criada como texto para teatro, essa história de uma cidade cuja vida gira em torno de um herói que se revela falso e nada tem de santo transmite diversas mensagens. Mas em especial acredito que transmita a mensagem de que, além da fé cega, o povo deve ter também bem amolada a faca da racionalidade e do desejo do bem comum. Além da necessária e saudável separação dos interesses religiosos, sejam eles quais forem, dos ditames políticos”.
Confira:
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.