A Globo se tornou a principal emissora do Brasil ao abordar temáticas de gênero e diversidade na televisão. Um grande exemplo aconteceu no último dia 28, quando exibiu uma série especial no Dia do Orgulho LGBTQIA+. Mas nem sempre foi assim. Na dramaturgia, Silvio de Abreu, que deixou o canal em novembro do ano passado, vivenciou de perto a censura sobre o assunto nos anos de 1980 e 1990.
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Em entrevista a Tony Góes, colunista do Folha de S. Paulo, no YouTube, o dramaturgo expôs detalhes sobre questões internas, que impediam que personagens que abordassem questões sobre identidade de gênero ou orientação sexual fossem ao ar.
“Esse assunto, LGBT dentro da Globo nos anos 70, nos anos 80, não vou dizer que era proibido, mas toda vez que você apresentava um personagem ou uma trama ligada a isso sempre tinha restrições: ‘não pode fazer isso, não pode fazer aquilo’, tinha uma censura interna muito grande em relação a isso”, disse.
Em seguida, ele relembrou o primeiro personagem homossexual que incluiu em uma trama: “A primeira vez que eu fiz um personagem LGBT foi numa série que ia ao ar às 11 da noite, ‘Boca do Lixo’ (1990), que era história de um homossexual (Reginaldo Faria) que saiu de casa por ser homossexual, foi morar no exterior, mas o pai dele morre e ele tem que voltar”.
E expôs: “Eu escrevi dez episódios, foram ao ar oito. Muita coisa do mundo homossexual foi cortada, antes mesmo de ser gravada. Quando a história começava apresentar o personagem dele, apresentava muito do mundo homossexual, mas isso não teve na minissérie, só ficou a problemática, que interessaria à história, mas um mergulho mais profundo nesse mundo que eu queria fazer, eu não pude fazer”.
Na sequência, Silvio voltou a falar sobre o assunto em A Próxima Vítima (1995). Logo quando o autor entregou a sinopse, a ideia de ter dois amigos, Sandrinho (André Gonçalves) e Jeferson (Lui Mendes), que se assumiam homossexuais foi rejeitada logo de cara. Foi então que o autor teve uma longa conversa com José Bonifácio de Oliveira, o Boni, que na época era vice-presidente de operações da Globo, e disse o que realmente queria com os personagens.
Após muita insistência, a história foi aceita pela direção e pelo público. Como alternativa, ele optou por contar sobre a orientação sexual dos personagens apenas depois do centésimo capítulo, quando os telespectadores já estavam encantados pelos dois.
Durante o bate-papo com o jornalista, Abreu admitiu que a morte do casal lésbico na novela Torre de Babel (1998), interpretado por Christiane Torloni e Silvia Pfeifer, foi ocasionada por uma imposição da direção da Globo.
Na época, muitos acreditaram que tinha sido pela rejeição do público, mas a cúpula determinou que mudasse o desfecho das personagens.
“Quando a novela estreou, começou uma campanha contra a novela, principalmente das duas lésbicas. Porque diferentemente da ‘Próxima Vítima’, em que eu coloquei o personagem primeiro para o público gostar, dessa vez, desde a primeira cena você já sabia que eram um casal. Isso provocou uma grande revolta, não só pela homossexualidade, mas também por causa da violência que ela tinha”.
A autonomia para abordar questões polêmicas foi dada por Boni, que acabou deixando a Globo quando a novela estava sendo gravada. Sua substituta, Marluce Dias, não queria a história no ar e sim uma de Manoel Carlos. Ela então pediu que o enredo fosse completamente modificado. Insatisfeito, o ex-global recusou e acabou pedindo demissão após tentarem fazer diversos cortes na trama, principalmente nas partes que envolviam as lésbicas.
“Eu pedi demissão, foi uma brigaiada, aí o elenco pediu pra eu não sair, voltei atrás, continuei escrevendo e tive que dar um jeito na história. O que me foi proibido veementemente era continuar a história das lésbicas”, relembrou.
Apesar de todas as questões do passado, houve um avanço perceptível no canal da família Marinho, questão que foi destacada do Abreu ao citar o primeiro beijo gay em novela, exibido em 2013, em Amor à Vida, entre Mateus Solano e Thiago Fragoso.
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