Mário Motta: a boa companhia do catarinense há 34 anos

Mário Motta no estúdio do Jornal do Almoço

Mário Motta posa no estúdio do Jornal do Almoço; comunicador é o primeiro entrevistado de novo projeto do RD1 (Imagem: Arquivo Pessoal)

Há 34 anos, ele faz companhia ao telespectador de Santa Catarina no comando do Jornal do Almoço. Muito além dos fatos que noticiou, Mário Motta também tem boas histórias para contar sobre as mais de três décadas que permanece à frente de um mesmo telejornal.

Extremamente acolhedor, o comunicador atendeu prontamente ao convite do RD1 para relembrar os momentos mais marcantes de sua trajetória: do início em família circense ao convite para encerrar o rodízio comemorativo aos 50 anos do Jornal Nacional.

Mário Motta estreia novo projeto do RD1

Aqui, é válido uma pausa para anunciar uma novidade: a conversa com Mário Motta dá início a um novo projeto no RD1. Em Telejornalismo Regional: Quem Faz é Notícia nós pretendemos dar voz aos âncoras de jornais locais de todo o país, oriundos das principais emissoras.

Esta série de entrevistas é uma iniciativa do jornalista Piero Vergílio, que foi abraçada pelo editor-chefe do RD1, João Paulo Dell Santo. A princípio, a intenção é a de que seja publicado um novo bate-papo a cada duas semanas. Sugestões de convidados serão aceitas em todas as nossas redes, inclusive no Twitter pessoal deste jornalista.

Como vocês poderão perceber nas próximas linhas, as entrevistas traçarão um paralelo entre a trajetória do entrevistado, o telejornal que ele apresenta, buscando um alinhamento com os mais importantes acontecimentos contemporâneos.

No caso de Mário Motta, ele conta como o menino de família circense descobriu a sua paixão por Rádio e TV. Formado em Educação Física, o apresentador reconhece a importância de uma faculdade, mas valoriza a experiência prática que adquiriu nos veículos nos quais trabalhou.

Em paralelo, Mário destaca algumas das coberturas marcantes das quais participou, incluindo o trágico acidente com o avião da Chapecoense, bem como o fato de ser o apresentador que está a mais tempo à frente de um telejornal no Brasil. Adepto do verbo “esperançar”, ele também deixa uma mensagem de otimismo à população em época de pandemia.

Inspirado em sua tradicional saudação de despedida – vamos fazer uma boa tarde? – chegou a hora de eu convidar os leitores e também o próprio Mário Motta: vamos ter uma boa conversa? Deixemos que ele mesmo adiante alguns dos assuntos do nosso papo:

O início de Mário Motta

Mário Motta criança - palhaço

Aos quatro anos, Mário Motta já era uma das grandes estrelas do circo de sua família (Imagem: Arquivo Pessoal)

RD1 – Você veio de uma família circense. Como essa experiência ajudou a formar o comunicador Mario Motta?

Mário Motta – Aos quatro anos, ganhei uma sanfoninha de 4 baixos e comecei a tocar qualquer música que pediam, de ouvido. Essa habilidade já me garantiu uma vaga no espetáculo e uma “responsabilidade” de gente grande, pois tornei-me uma das grandes atrações do show.

Entre o palco do Circo Teatro Motinha e Nhá Fia e a plateia das arquibancadas ou das poltronas, a comunicação é o principal instrumento do artista, independente do que faça ele: seja um ator (dramas, comédias, melodramas), cantor (no show musical que compunha a segunda parte do espetáculo, ou mesmo se apresentando como um Palhaço, um equilibrista, trapezista, enfim)…

Ou você conseguia essa “sintonia” ou você não transmitia a sua emoção aos espectadores. Parece-me uma das melhores escolas sobre “comunicação” que conheço.

RD1 – E, em que momento, exatamente, o estúdio de rádio passou a ser um ambiente tão familiar quanto o picadeiro?

Mário Motta – Em toda cidade onde chegávamos com o circo, meu pai reservava 30 minutos na grade das emissoras de rádio para apresentar um programa chamado A Hora do Circo. A ideia, basicamente, era dar uma colher de chá dos números que integravam o espetáculo. Os músicos da companhia se apresentavam e havia o sorteio de ingressos.

Enquanto isso, eu tinha o privilégio de poder “viajar” por todos os setores, conhecer discotecários, técnicos de mesa, produtores, conversar com os locutores, enfim… compreender o que era uma emissora, quem eram os receptores e como a comunicação (ainda sem as imagens) era feita…

Isso me fez, desde pequeno respeitar muito o veículo Rádio, pois ele faz do ouvinte seu coprodutor da informação. Se você não souber ou não aprender isso, certamente terá muita dificuldade em se comunicar no rádio.

Seu vocabulário, sua forma de construir as frases, sentenças, ideias, precisa estar sintonizada com seus ouvintes, pois eles terão que receber a informação (numa linguagem compreensível), decodificá-la e se precisar transmiti-la, terá que fazê-lo com suas próprias palavras.

Cartaz do filme Maria 38, com participação de Mário Motta

Aos sete anos, Mário Motta participou como ator do filme Maria 38 (Imagem: Arquivo Pessoal)

RD1 – Depois de despertar a sua paixão pelo veículo, o seu pai, indiretamente, contribuiu para que você recebesse o convite para um teste na rádio. Como isso aconteceu?

Mário Motta – Anos mais tarde, fixamos residência em Tupã (interior de São Paulo), cidade onde minha família adquiriu um hotel. Naquela época, meu pai, seu Motinha, produzia e apresentava um programa essencialmente saudosista: No Tempo do Motinha.

Ele fez espécie uma espécie de permuta com a rádio: não ganhava nada, mas o programa era um oferecimento do Hotel Coimbra, da nossa família. Eu ia para a emissora com meu pai “brincar” de locutor, como fazia na infância.

Quando menos esperava, fui convidado pelo Gerente da emissora, para um teste e me vi contratado, em período de experiência, como locutor da Rádio Piratininga de Tupã.

Assim, toda aquela vivência pelas emissoras do interior paulista, pelo palco do Circo Teatro Motinha e Nhá Fia, e já pelas câmeras – quando, aos sete anos, integrei o elenco do filme Maria 38 – me ajudaram muito e até hoje talvez tenham feito a diferença em minha vida pessoal e profissional.

Assista ao filme Maria 38:

Duas paixões: Comunicação e Educação

Mário Motta e Guga Kuerten

Assim como o tenista catarinense Gustavo Kuerten, Mário Motta tem ligação com o esporte: ele é Educador Físico (Imagem: Arquivo Pessoal)

RD1 – Sua formação original é Educador Físico. Como você ingressou nessa área?

Mário Motta – Na verdade, eu ia me preparar para cursar Medicina, mas a faculdade mais próxima ficava em Curitiba (mais de 800 Km de Tupã) e eu ainda fui convocado para servir o Exército (ou seja, iria perder um ano de estudos).

Então, decidi procurar o curso mais próximo, que eu pudesse aproveitar disciplinas depois. Eu me matriculei na Escola Superior de Educação Física da Alta Paulista em Tupã (ESEFAP).

Apaixonei-me pelo Magistério/Educação, terminei o curso em primeiro lugar da turma e me esqueci da Medicina. Depois, não só fui convidado a lecionar, como me tornei patrono da turma subsequente.

Tudo isso, sem deixar a Rádio e o Jornal de Tupã, onde já mantinha uma coluna. Era assim: quem se destacava na Rádio, imediatamente era procurado pelo Jornal local para escrever uma coluna ou algo parecido (risos).

RD1 – Em que momento você deixou o interior de São Paulo e se mudou para Santa Catarina?

Mário Motta – Vim para SC em 1975 – fui o primeiro professor de Educação Física Licenciado a chegar em Lages – na época com 120 mil habitantes, 4 emissoras de rádio, dois jornais.

Tão logo cheguei fui ser o Coordenador Regional de Educação Física e repórter esportivo da Rádio Princesa. Faltava material humano nas duas áreas. Modestamente fiz um bom trabalho.

Acontece, que antes de ir para SC passear (final de 74), eu havia feito um Concurso Público para professor efetivo no Magistério de São Paulo e fui aprovado. Voltei para Santo André, mas Lages e SC não saíram do meu coração.

Um novo concurso público viabilizou meu retorno a Lages, em 1980. Ao mesmo tempo em que seguia na área de Educação Física, fui gerenciar o jornalismo da Rádio Clube de Lages e iniciar minha vida em Televisão.

RD1 – Como você avalia o período que marca seu começo na TV até a chegada na então RBS?

Mário Motta – Percebo o privilégio de ter iniciado em uma “pequena emissora de rádio”, e mais tarde numa “pequena emissora de TV “, a TV Planalto, do mesmo grupo.

Nessa época, pude aprender de tudo: editar, fazer câmera, produzir textos para a TV, apresentar telejornais, fazer reportagens, entrar ao vivo (com todo o improviso que o rádio me deu), vender e produzir comerciais de TV, elaborar e apresentar eventos, subir em torres de transmissão, montar micro-ondas, narrar futebol, etc, etc e etc.

Em 1986, migrei para a capital, Florianópolis, que possuía uma sucursal da TV Planalto. Na capital, eu gravava comentários que eram enviados à noite, via transporte rodoviário, para Lages. Enfim, fazia de tudo um pouco.

Naquele período, a TV Planalto passou a ser uma das primeiras emissoras a integrar a rede da então TVS [hoje SBT], adquirida por Silvio Santos naquela época. Como Silvio havia comprado os direitos de promover o Miss Brasil, tivemos que promover a seletiva estadual do concurso. Eu era o apresentador.

Dois diretores da RBS (na época recém-chegada em SC – 1979) como afiliada da Rede Globo foram convidados para o júri. Eles me convidaram para ir ancorar o Jornal do Almoço, que havia perdido seu apresentador titular para uma concorrente local. Lá fui eu. Estreei em 05 de maio de 1986, onde estou até hoje.

Mário Motta: o rosto do Jornal do Almoço (JA)

Mário Motta posa no cenário do Jornal do Almoço na fase em que o padrão visual era estampar fotos das cidades (Imagem: Arquivo Pessoal)

RD1 – A próxima pergunta é justamente sobre o Jornal do Almoço. Como você faria uma breve síntese da história do JA?

Mário Motta – A raiz do Jornal do Almoço é o Rio Grande do Sul. Lá, apesar da RBS manter uma série de emissoras regionais (cerca de 15 ou mais), o forte do jornalismo televisivo continua sendo Porto Alegre, portanto, o Jornal do Almoço sempre foi “ancorado” mesmo nos grandes nomes estaduais da capital.

Um bloco regional sempre foi suficiente e aceito pelas regiões para dar vazão a expectativa de audiência, por exemplo, e resposta política e programação e editoria televisiva.

A entrada da RBS em SC fez com que eles buscassem adaptar o Jornal do Almoço ao gosto do catarinense. Aos poucos, a RBS foi adquirindo concessões ou emissoras já existentes e montando sua rede (seis emissoras ao todo), que cobrem todos os municípios de SC, adaptando os blocos regionais ao gosto de cada público e percebendo que teria que “desenvolver” um Jornal do Almoço relativamente diferente do gaúcho.

No final dos anos 80, início dos anos 90, desenvolvemos aqui (e deu tão certo que a ideia também foi levada adiante no RS), um projeto denominado Jornal do Almoço Na Praça.

Uma vez a cada 40 dias aproximadamente, transmitíamos o JA de uma cidade diferente, da praça principal, ao vivo, contando a história da cidade e da região, mostrando sua cultura, sua política, sua música, dança. Em suma, a ideia era mostrar para todo o estado um pouco do que ele possuía de belo, tradicional, e histórico…

O Estado de SC sentiu-se fortalecido e esse projeto construiu a consolidação da RBS em Santa Catarina. Se havia algum questionamento, ficou claro que a RBS em SC era “catarinense” e não “gaúchos que para aqui vieram”.

Mário Motta chegou ao Jornal do Almoço em 1986 (Imagem: Reprodução / RBS TV)

RD1 – Fale um pouco da linha editorial do JA. Quem ligar a TV ao meio-dia ou buscar vídeos no Globoplay, vai se deparar com que tipo de conteúdo?

Mário Motta – A linha editorial do JA é dinâmica, adaptando-se a linguagem catarinense. Ela determinou muito do que temos hoje até em rede nacional – iniciando pelo Bom Dia Brasil – na liberdade dos apresentadores no cenário, quase sem bancada, com repórteres ao vivo numa linguagem mais leve, quadros de comentaristas que foram se transformando em cada uma de suas áreas de atuação.

Hoje, a Jornal do Almoço tem cara regional em Chapecó, Blumenau e Joinville. Florianópolis continua como cabeça de rede e transmite seu programa quase na íntegra para a região da capital, Planalto Serrano/Meio Oeste e Sul do estado (Criciúma e região).

Nesse período de Pandemia, o jornal está sendo ancorado inteiramente de Florianópolis, com a entrada dos âncoras das praças diariamente contanto os principais fatos de suas regiões relacionados ao coronavírus ou não.

Ao lado de colegas da emissora, Mário Motta estampou anúncio de estreia da NSC (Imagem: Reprodução / NSC)

RD1 – Quando a RBS SC se tornou NSC, há algo que você queira pontuar?

Mário Motta – Os novos proprietários (Grupo NC) tiveram a inteligência de manterem nos postos-chaves – produção, linha editorial, núcleo artístico – os mesmos companheiros que até então dirigiam a RBS em SC.

Isso fez com que a transformação acontecesse sem uma mudança radical. E, como escola, a RBS sempre foi muito competente. Vale avaliar todos os profissionais que passaram por aqui ou que saíram diretamente para a Rede Globo, para as demais emissoras do país, ou se tornaram correspondentes internacionais.

RD1 – Do uso de um gravador às redes sociais: como a evolução da tecnologia impactou na forma de fazer o jornal?

Mario Motta – Não houve mudanças significativas pela mudança em si. O que tenho sentido – e penso que isso aconteça em todo o país – é a velocidade das redes sociais, da concorrência pelo streaming e o cuidado cada vez mais necessário com a veracidade das informações.

A checagem de suas fontes é essencial, para o combate as fake news ou mesmo às informações que correm céleres pelas redes sociais, e nem sempre retratam fielmente a realidade. Penso que esse cuidado – cada vez maior – é o que sustenta a permanência das emissoras da mídia tradicional.

RD1 – Além de apresentador, você acumula alguma outra função na equipe do JA?

Mário Motta – Eu talvez seja o último dinossauro de toda a rede (considerando afiliadas e próprias) que não edita o Jornal que apresenta. Continuo voando às cegas.

Saio da Rádio CBN meia hora antes, passo pela redação, converso com a Luciana [editora-chefe] e com a Laine [apresentadora], e dou meus pitacos aqui ou ali. Mas, muitas matérias, vejo no ar e minhas reações acabam sendo muito semelhantes a quem está em casa.

Por isso, tenho liberdade para acrescentar informações ou manifestar sentimentos com muita semelhança a quem nos assiste. Como venho do Rádio, e o programa que apresento chama-se Notícia na Manhã, tenho a “obrigação” de me antecipar em muito aos fatos que serão destaques no JA.

Assim, chego com quase tudo na cabeça. E, em alguns casos, o tempo do rádio me permite ir até mais a fundo em alguns assuntos do que na TV, o que acaba me dando suporte para aproveitar no JA tudo o que abordei um pouco antes na CBN.

RD1 – Falando nisso, uma das principais características dos telejornais regionais é dar voz aos problemas da comunidade. Qual seu grau de autonomia para se posicionar diante de uma notícia?

Mário Motta – Posso afirmar que nosso grau de autonomia é muito bom. No meu caso, por tanto tempo na empresa, conhecedor de sua linha editorial, posso dizer que minha autonomia é mediada pelo bom senso, respeito e consciência.

Tenho liberdade (adequando-me ao tempo disponível, evidente) para completar ideias nos “pés” das matérias, especialmente se puder contribuir para acrescentar informações importantes, esclarecer, mediar, criticar construtivamente e/ou chamar a atenção para valores e questões presentes nas relações sociais que possam contribuir para a compreensão dos nossos telespectadores.

Posso dizer que desde o início do Jornal do Almoço (início dos anos 80), essa “voz” aos problemas e demandas da população, tem sido um dos pontos altos do programa. E alguns quadros específicos retratam isso: Cidadão JA, Tribuna do Povo, A voz da Comunidade, etc.

JA: trabalho de equipe e diálogo com o público

Mário Motta, Laine Valgas e Edsoul

Mário Motta posa ao lado dos outros coapresentadores do JA: Laine Valgas e Edsoul (Imagem: Diogo Machado / NSC)

RD1 – Um telejornal é fruto do trabalho de uma grande equipe. Como não dá para citar todos, quem faz o JA no vídeo com você?

Mário Motta – Os meus companheiros de estúdio, além de quem fica atrás das câmeras, são a Laine Valgas (é editora, apresentadora e, como veio da reportagem, continua produzindo matérias sensíveis e contando histórias pessoais com muita qualidade) e o Edsoul (é repórter e apresentador – cobre com perfeição todas as comunidades de Florianópolis).

RD1 – Pessoalmente, como é, para você, fazer parte do JA?

Mário Motta – Caro Piero, vou pedir licença para reproduzir um texto escrito pela Luciana Corrêa, que hoje é a Coordenadora do Jornal do Almoço (veja abaixo). É que ela conseguiu resumir de forma muito leal o que todos nós pensamos sobre o JA.

O que talvez surpreenda quem não é daqui, seja a leveza/simplicidade com que dialogamos com nosso público, de qualquer região do estado. É como se estivéssemos mesmo na sala da casa de cada catarinense.

Tanto que eu normalmente abro o jornal todos os dias com a seguinte frase: “Olá, com licença… estamos iniciando o JA”. Ao final, termino com o tradicional: “Obrigado pela sintonia e VAMOS FAZER UMA BOA TARDE?

*Por Luciana Corrêa
“Eu ainda não cheguei aos 40 anos, mas todos os dias acordo para trabalhar em um jornal que existe há mais tempo que eu. Sendo assim, não tenho como evitar o clichê “cresci assistindo o Jornal do Almoço”. E percebo que muita gente também cresceu. Você conhece o Mário Motta? Trabalha perto da Laine? O Edsoul é legal? Perguntas corriqueiras na minha vida. E é aí que me dou conta que compartilho a rotina com alguns dos nomes mais queridos da comunicação no Estado. Os três, assim como os colegas que estão a frente dos jornais em Joinville, Blumenau, Chapecó e Criciúma são, como se diz por aí, gente como a gente. É o nosso modo de fazer jornal.

Desde 5 de novembro de 1979, quando estreou em Santa Catarina, o JA (acho que temos intimidade para usar o nosso apelido), virou um espelho da comunidade. Contamos histórias, noticiamos fatos, fazemos perguntas difíceis, levamos a quem deve resolver os problemas que as pessoas não sabem mais a quem contar. Já tivemos muitos quadros, cenários, trilhas, vinhetas (a cada troca alguém fica sentido porque gostava mais da anterior). Já choramos com histórias tristes, já sentimos na própria carne a perda de colegas que se foram. Já compramos brigas por causas que não são de um bairro, são de todos que querem uma cidade melhor. Já fizemos rir e já gargalhamos no ar. E é de perder a conta quantas vezes nos emocionamos nos bastidores ou ao vivo. A emoção é o principal ingrediente do nosso almoço.

Aliás, é o que sinto desde 2015 quando assumi a chefia desse telejornal. Antes de mim muitos outros passaram e ajudaram a construir essa marca inconfundível. Faz tempo que fazemos o jornal a muitas mãos. Além das nossas equipes, tem você, que lê esta revista agora. São milhares de olhos espalhados pelo Estado, atentos às demandas das comunidades, fiscais e porta-vozes. Faz tempo que deixamos apenas de fazer o JA para as pessoas e passamos a fazer com as pessoas. Gostamos muito mais assim.

Hoje, aproveito esse espaço para agradecer a todos que fizeram parte da história tão bonita do nosso JA que já tem uma idade madura, mas, garanto, um fôlego jovem. Esses foram os nossos primeiros 40, que venham os próximos.

E eu ia quase esquecendo. Sim, o Mário, a Laine e o Edsoul são realmente as pessoas legais que aparentam na TV.”

Fatos que entraram para a história

Mário Motta participou ativamente da cobertura da tragédia com a Chapecoense, em 2016 (Imagem: Divulgação)

RD1 – Em 34 anos no comando do JA, quais os fatos jornalísticos que mais marcaram? Certamente, a cobertura do triste acidente com o voo da Chapecoense foi um deles. Que lembranças guarda desses tristes dias?

Mário Motta – Em SC, cobri pelo menos três catástrofes “naturais” (enchentes, deslizamentos). Em 1983 e 1984, tivemos duas enchentes seguidas. Cobri outro acontecimento muito triste em 2008, quando a região de Blumenau/Gaspar/Ilhota sofreu deslizamentos soterrando quase toda uma comunidade no Morro do Baú. Fui para o local e de lá fizemos o Jornal do Almoço “ao vivo” em meio a toda comoção.

O episódio de Chapecó certamente foi o mais difícil. Ancorei o Jornal do Almoço direto de Chapecó durante toda a semana e, na sexta-feira, após confirmarem a chegada dos corpos para o dia seguinte, fui comunicado pela direção da empresa que eu seria o Apresentador Oficial do Cerimonial Fúnebre na Arena Condá.

Com a cobertura da Rede Globo para 16 países, narração do Galvão Bueno e a presença das inúmeras autoridades do país e do exterior, foi sem dúvida um dos desafios mais difíceis que enfrentei.

Meu amigo Cid Moreira também veio para fazer a leitura de um Salmo, o que deu ainda mais emoção à Cerimônia. Jornalisticamente, penso ter sido o episódio mais importante em minha vida profissional.

RD1 – Para não ficarmos só nessa lembrança muito triste, há algum episódio divertido / inusitado que o surpreendeu enquanto estava no ar? Em um telejornal ao vivo são grandes as chances de as situações não acontecerem como previsto…

Mário Motta – No final dos anos 80 os Jogos Abertos de SC (a exemplo dos Jogos Abertos do Interior de SP) recebia uma grande cobertura televisiva. Eu coordenava a equipe de esportes da NSC (na época RBS). Fomos para Criciúma, montamos nosso estúdio no principal hotel da cidade.

Por lá, conseguíamos entrar ao vivo, via emissora regional, na programação estadual. Coube-me apresentar em 45 segundos no RBS NOTÍCIAS (nosso telejornal da noite – que na época era “grudado” com o Jornal Nacional) o básico de nossa cobertura dos JASC que começaria no sábado.

Mas eu estava fisicamente bastante cansado. O empenho na elaboração logística de toda a cobertura durante a semana havia me consumido. Um início de gripe também contribuía para meu estado físico relativamente abalado. Mas, como apresentador – só eu estava em Criciúma, sobrou para que eu fizesse o primeiro flash.

Tudo ia muito bem até que meu produtor (atrás da câmera) fez sinal que podia encerrar, agradecer e chamar a cobertura do dia seguinte. De improviso, eu disse: “Obrigado pela audiência e voltaremos amanhã com toda a cobertura dos Jogos Abertos de Santa Catarina, aqui direto de… de… de…??!!??” E não me lembrava o nome da cidade onde eu estava.

O cansaço bateu e eu vi passar um filme com todas as coberturas de JASC que eu já havia feito. No ar, esse lapso não demorou mais que 3 ou 4 segundos. Mas em minha cabeça, uma eternidade.

Meu produtor que já havia seguido pelo corredor do hotel rumo ao quarto percebeu (havia uma grande sintonia entre a gente) e gritou de lá: ‘C R I C I U U U U M A’… E aquela voz ecoou em meu ouvindo como um bálsamo.

E eu completei: ‘Criciúma, é claro’. Com cara de quem estava pregando uma peça nos telespectadores – ahãã… vocês pensaram que eu não sabia, né? Até hoje, sinto frio na barriga ao lembrar daquela passagem.

Mário Motta: Muito Além do JA

Mário Motta - Palhaço Adulto

Cultivando a ingenuidade e pureza de um palhaço, Mário se mantém otimista e acredita no verbo esperançar (Imagem: Arquivo pessoal)

RD1 – Desde o início da pandemia de coronavírus, você tem apresentado o JA direto de casa. Como está sendo essa adaptação? Gostaria de deixar uma mensagem à população sobre esse momento?

Mário Motta – Meu encerramento de programa, como um bordão pessoal há 34 anos é: “O Jornal do Almoço fica por aqui. Vamos fazer uma boa tarde”? Penso que ele sustenta os valores de minha maneira de comunicação com os telespectadores.

Por mais que esperemos de nossas autoridades e governantes, ações que determinem nossa vida futura, tenho reafirmado que cabe a cada um de nós fazer o que pode de melhor para contribuir com o retorno à normalidade.

Nosso trabalho (estou em home-office há mais de 90 dias) tanto na Rádio (Notícia na Manhã da Rádio CBN Diário de Florianópolis), na coluna digital, como na TV (Jornal do Almoço), segue a mesma linha propositiva, crítica fundamentada e estimulante na busca da compreensão dos fatos, através das circunstâncias que o cercam. Afinal essa é nossa missão.

Se puder valer como mensagem a quem nos lê, ouve ou vê: Cuidem-se em todos os sentidos: física, espiritual e mentalmente. Cuidado com as notícias falsas (fake news) – não se deixem levar pela primeira informação recebida sobre qualquer assunto.

Pesquisem, busquem outras fontes, duvidem até que seu poder de raciocínio o convença. Mas, continuem acreditando no verbo “esperançar”, que é muito diferente do verbo esperar. Tudo isso vai passar. Espero que passe sim, mas que deixe todas as lições possíveis que possam nos ajudar a viver uma “vida” melhor no futuro.

Mário Motta superou os 27 anos de Cid Moreira no JN. Na foto, os dois aparecem cercados de fãs mirins (Imagem: Arquivo Pessoal)

RD1 – Em uma entrevista anterior, você contou, em tom de brincadeira, que Cid Moreira disse a você que pediria ao seu patrão para tirá-lo do ar para que você não pudesse superar os 27 anos em que ele permaneceu no JN. Como você recebe o fato de ser o comunicador brasileiro que está mais tempo à frente de um mesmo telejornal?

Mário Motta – Hoje eu sou o mais longevo apresentador do mesmo telejornal na TV brasileira. Credito isso à generosidade dos telespectadores, aos meus colegas de tantas jornadas e uma resiliência que aprendi especialmente no relacionamento humano com tanta e muita e diferente gente. Ouçam – Caminhos do Coração – Gonzaguinha. Essa música completa minha resposta.

Assista a homenagem que Mário recebeu quando completou 30 anos à frente do JA, em 2016:

RD1 – Você já pensou em se aposentar?

Mário Motta – Já me aposentei (há aproximadamente 7 anos) nas duas áreas em que trabalhei durante toda a minha vida – Comunicação e Educação. Decidi continuar – sem data definida para parar nas Comunicações.

Tenho um contrato com a NSC até dezembro próximo e segundo eles em nosso último acerto, eu é quem darei a palavra final para um novo acerto ou não.

Confesso que essa pandemia mexeu muito comigo e, embora eu esteja em “quarentena”, com minha esposa Glória, minha filha Maria Carolina, minha sogra Antônia e meu irmão Gilberto (todos do grupo de risco) – restando apenas meu filho Mario Aleixo que mora em sua casa com Karina (bem pertinho daqui), tenho pensado em encaminhar uma diminuição no tempo dedicado ao trabalho efetivo.

Talvez eu proponha continuar com um comentário, com uma participação eventual ou algo semelhante. Vejo hoje meu querido amigo Cid Moreira/Fátima, tomando conta da Internet com um canal espetacular em que ele nos dá lições diárias de vida, de relacionamento e de visão de mídia. Talvez ele já esteja sinalizando os próximos passos.

Mário Motta, de Florianópolis, e Lídia Pace, do Rio Grande do Norte, na gravação do piloto da edição que encerrou rodízio do JN (Imagem: João Cotta / Globo)

RD1 – Por mais experiente, capacitado e talentoso que você seja, todos nós sempre podemos aprender algo novo. Nesse sentido, que lições você tira de sua participação no rodízio do JN em novembro do ano passado?

Mário Motta – A pergunta responde o que propõe: mais uma vez a vida me ensinou que por mais experiente, capacitado e talentoso que você seja, todos nós sempre podemos aprender algo novo. Sem falsa modéstia, e retirando as palavras capacitado e talentoso de sua pergunta/resposta, é sempre uma nova experiência.

Tive o privilégio de rever tantos amigos com os quais trabalhei em Tupã (Pedrinho Bassan por exemplo – o pai dele foi meu primeiro comentarista esportivo quando iniciei na Rádio Piratininga de Tupã/SP), em Florianópolis, tantos amigos que hoje ocupam vagas importantes em todas as áreas da Comunicação na Rede Globo, receber deles um abraço carinhoso e uma energia sem tamanho para que tudo corresse bem.

Percebi que com aquela equipe, com os profissionais que te apoiam e com uma rede de afiliadas como a que foi montada ao longo do tempo, não se poderia esperar outra qualidade jornalística diferente do que tivemos nesses 50 anos de Jornal Nacional.

Assista, abaixo, a um vídeo exclusivo de Mário Motta contando um pouco mais de sua passagem pelo JN:

Assista a escalada da edição do JN apresentada por Mário Motta e Lídia Pace, em 30 de novembro do ano passado:

RD1 – Em tempos onde uma onda de conservadorismo assola a sociedade, como você vê a patrulha de alguns setores sobre a atuação a imprensa? Qual deve ser, na sua opinião, o papel do jornalismo? Você acha que os repórteres ainda conseguem fazer seu trabalho em segurança em um cenário tão hostil?

Mário Motta – Estou na mídia há mais de cinco décadas. Passei por diversos momentos difíceis, mas percebo que as redes sociais possibilitaram a catalisação para a manifestação de todos os sentimentos (bons e ruins) dos seres humanos.

A internet proporcionou uma velocidade intensa para que aqueles sentimentos provoquem as mais diversas reações ao atingirem seus alvos. Quem antes era o “consumidor” da informação, hoje pode ser o emissor, o comentarista e o mediador das discussões que a informação provoca.

E mais, as pessoas hoje não querem apenas “consumir” a notícia. Querem produzi-las, distribui-las, opinarem e saberem o que os outros estão pensando a respeito delas. Nunca tive problema em desenvolver meu trabalho, mas é evidente que alguns colegas estão muito apreensivos ao saírem para trabalhar.

Muitas pessoas não conseguem discernir o profissional do pessoal, o repórter da emissora que ele representa e a emissora do que pensam seus dirigentes.

É óbvio que – quem menos consegue fazer essa separação (especialmente entre as empresas de comunicação) desenvolvendo seu trabalho na busca da isenção, da informação correta e da ética jornalística, sofre mais e isso chega a seus profissionais.

Mesmo assim, dependendo da credibilidade que você construiu ao longo de sua vida e de sua carreira, você consiga impor o respeito conquistado e ficará bem evidente quem estará agindo de forma inconsequente.

RD1 – Última pergunta: sem ser o Jornal do Almoço, o que você gosta de assistir na TV? Aproveite para deixar uma mensagem aos leitores do RD1

Mário Motta – Por uma questão profissional, além dos jornalísticos nacionais, procuro ver os demais noticiários pelo país, inclusive os regionais das afiliadas (hoje é bastante possível pelo streaming da Internet).

Na TV aberta, continuo assistindo os programas tradicionais – Globo Rural (exemplo de jornalismo numa área específica), adorava o Som Brasil (com Boldrin, tanto que continuo assistindo o Sr. Brasil que continua na TV Cultura), Globo Esporte, Globo Repórter, vejo o Roda Viva dependendo do convidado e gosto muito da faixa de documentários dirigida pelo Amir Labaki no Canal Brasil (TV fechada).

Agradeço a oportunidade de abrir o projeto. Convido a todos para acompanhar o Jornal do Almoço da NSC TV – de Florianópolis, Santa Catarina, através do aplicativo Globoplay ou diretamente pelo G1 Santa Catarina.

Piero Vergílio
Escrito por

Piero Vergílio

Piero Vergílio é jornalista profissional desde 2006. Já trabalhou em revistas de entretenimento no interior de SP e teve passagens pelo próprio RD1. Em tempos de redes sociais, criou um perfil (@jornalistavetv) para comentar TV pelo Twitter e interagir com outros fãs do veículo. Agora, volta ao RD1 com a missão de publicar novidades sobre a programação sem o limite de 280 caracteres.