“Eternas amigas”, se tem uma amizade que pode representar a história da TV brasileira envolve os nomes de três grandes pilares da TV: Hebe Camargo (1929 – 2012), Nair Bello (1931 – 2007) e Lolita Rodrigues. Elas já eram inseparáveis antes de 18 de setembro de 1950, quando a TV Tupi foi inaugurada, há exatos 70 anos.
VEJA ESSA
As três se conheceram ainda na juventude. Lolita e Hebe se viram pela primeira vez em 1944, quanto tinham 15 anos. A atriz cantava na Rádio Cultura quando conheceu a futura apresentadora e amiga durante um teste. Lolita disse em entrevista que foi “amizade à primeira vista”. Lolita conheceu Nair durante um concurso de Miss produzido pelo namorado. A mestre do humor foi uma das concorrentes. Com Hebe, Nair fez Liana, a Pecadora, filme de 1951.
Em abril de 2000, na primeira semana da volta de Jô Soares à Globo, Hebe viu a promessa do amigo e ex-SBT ser cumprida. Ele disse que levaria sua vizinha de camarim para um bate-papo na nova casa. Em uma entrevista que marcou gerações, o trio apareceu pela primeira vez no plim plim, e trechos da conversa divertida remontam partes importantes da história da TV no país.
1 – “Cadê a Hebe, Lolita?”
A inauguração da TV Tupi foi marcada pela chegada dos primeiros televisores no país por intermédio de Assis Chateaubriand. Para a inauguração, o empresário pediu que Guilherme de Almeida, o Príncipe dos Poetas, fizesse um hino em homenagem à TV.
Hebe foi escolhida para cantar a canção, mas o seu amor pelo então namorado Luiz Ramos a fez mentir e fugir do evento. Lolita, a pedido da amiga, cantou a música e guardou o segredo por mais de 40 anos. A história foi revelada no talk show de Jô Soares no SBT e recontada na Globo.
“Ela tinha um namorado. Não lembro mais o nome dele”, começou Rodrigues. “Luiz Ramos!”, respondeu Camargo. “E naquele dia havia um evento da qual ela não podia faltar. Era muito importante para ele. Aí ela disse que estava rouca. Ela falou para mim: ‘Você segura a história?’. Eu segurei por uns 40 e tantos anos”, contou a veterana.
Jô aproveitou a deixa e colocou pimenta na conversa. “Acreditando que ela estava rouca. E ela dando para o Luiz Ramos!”, disparou. “Não, não! Essa noite, não! Essa noite não comeu!”, reagiu a loira. “Tá mais baixaria que o Senado! Calma, gente!”, pediu Nair.
2 – “Por essas e outras que o Brasil não acaba!”
Na entrevista, Jô pediu para a sua produção colocar no telão imagens da inauguração da TV Tupi, a primeira TV brasileira, que levou seus primeiros programas no ar meses depois. Chateaubriand e outros empresários convidados apareceram na festa, que não foi gravada por nenhuma câmera da emissora.
Jô foi quem percebeu as letras miúdas que passaram rapidamente entre as cenas, e pediu para a direção repetir a cena. Enquanto isso, Hebe e Lolita ficaram de costas e acompanharam tudo do telão. Nair falou três vezes que tinha um telão a esquerda: “Tem um telão ali, tem um telão ali, tem um telão ali!”.
Jô presenciou a cena e repetiu que o outro telão deixaria as meninas mais confortáveis. “Nair, eu acho que você tem razão!”, provocou o famoso, fazendo referência ao modo épico de como as três entraram no palco, com Nair “carregando” Hebe e Lolita. O motivo? Nair Bello tinha 68 anos de idade e as duas amigas um pouco mais, 71.
Quando as imagens voltaram ao ar, Jô leu o que estava escrito: “Este filme foi feito por Alfredo Vasconcellos, que passava casualmente pelo local”. “Quer dizer… Por essas e outras que o Brasil não acaba!”, brincou o apresentador. “Que maravilha!”, reagiu Hebe.
3 – “Como você consegue trazer tanto artista da Globo no seu programa?”
Desde o início dos anos 70, a Globo estabeleceu a sua força na TV aberta, se tornou imbatível e motivo de cobiça para muitos produtores, diretores, autores, atores e apresentadores. Hebe nunca escondeu o seu pavor em comandar um programa na concorrente, ser moldada pelo canal da família Marinho e perder a sua essência.
No entanto, a estrela maior do SBT tirou uma “casquinha” e apresentou o programa do amigo por alguns segundos. Tudo começou na volta do intervalo, quando Hebe, Lolita e Nair viram os artistas da casa na plateia acompanhando a entrevista.
“Como você trazer tanto artista da Globo no seu programa? Vem todos, né? Eu tô adorando estar aqui. Eu estou vendo todos os meus ídolos na plateia. Denise Del Velcchio, Força de Um Desejo. Foi uma beleza, né?”, começou Hebe, que emendou: “Quem é aquela gracinha ali?”. “O Caco [Ciocler], que fez A Muralha, maravilhoso”, respondeu Lolita.
Juntas, elas anunciaram outro nome, “Caribé!, Caribé!”, em referência ao ator Rubens Caribé. “Hortência!”, avistou Lolita. “Hortência não é artista!”, afirmou Camargo. “Ah é! Apresentadora!”, corrigiu. “Você quer comandar o programa logo daqui?”, questionou Jô. Hebe caiu na gargalhada.
4 – Eternas amigas
Após as inúmeras brincadeiras e gargalhadas, Lolita Rodrigues tomou a palavra e falou da amizade que foi criada entre as três ao longo das décadas. “Eu só queria falar uma coisa. A gente só conhece um amigo na hora crucial de nossas vidas. E nos momentos piores das nossas vidas, nós estamos sempre presentes, uma com a outra. Não há dinheiro que pague essa amizade”, afirmou.
Nair Bello emendou com uma história trágica envolvendo a morte de um filho, na década de 1970. “Você sabe que eu perdi um filho em 1975, com 20 anos, e toda semana tem uma mãe que liga em casa para perguntar como eu consegui superar”, contou. Naquela época, o contato com os fãs não era mais simples, menos burocrático e direto. “Eu digo para ela que eu ia na igreja e pedia para voltar a dar risada, porque eu tinha três para criar”, continuou.
Em meio aos olhares de Lolita, Hebe e Jô, Nair emocionou: “Eu percebi uma coisa: você pode reclamar durante dois meses com outras pessoas, você pode chorar, reclamar, depois todo mundo tem sua vida, cada um vai para o seu lado, ninguém aguenta mais você se você ficar reclamando a vida toda. Você tem que continuar vivendo, tem que rir, continuar o seu trabalho. Graças a Deus, Deus me deu essa benção de entender isso”.
O humor voltou com Lolita e Nair numa esquete criada por Ivan Cury sobre o artista que está começando a carreira. Após a cena hilária vivida no palco, a então estrela do Zorra Total deu um sermão. “O povo é que fez a gente, o povo que gosta da gente, o povo que dá Ibope. Quer dizer. É de uma cretinice, uma estupidez”, reclamou a famosa.
“Quando a gente recebe o aplauso, a gente está sendo abraçada milhões de vezes. Faz um bem, uma energia, meu Deus, como é bom!”, acrescentou Lolita, seguida de uma piada de Hebe: “Ah, eu vou deixar os telefones aqui para contato!”.
5- “A Fernanda Montenegro também faz”
Nair revelou um detalhe importante sobre os bastidores da TV brasileira, com uma superstição que a acompanhou em sua extensa carreira. “A Fernanda Montenegro também faz isso!”, alertou. A fé depositada da atriz envolvia pregos e um sutiã.
“Antes de começar a gravar uma cena, o Zorra, novela, qualquer coisa, eu vou atrás do cenário. Hoje em dia, não, a Globo tá muito econômica e não tem tanto prego torto”, alfinetou. Jô, Lolita e Hebe caíram na gargalhada.
“Aí eu pego três [pregos] e coloco aqui no sutiã”, disse apontando para o lado esquerdo do seio. “De vez em quando dá umas espetadas, mas aí eu gravo e eu acho que saiu [bem]. Mas é superstição!”, explicou. “Dá espetada aonde?”, perguntou Hebe.
“Se eu não estivesse no programa vocês não acreditam no que eu iria responder!”, confidenciou a humorista. “Ela fala essas coisas no telefone e depois quer me desmentir!”, reclamou Camargo. “Tá muito avacalhado esse programa!”, reagiu Nair Bello.
A atriz de família italiana admitiu que o seu sonho na juventude era ser vedete. Antes, Jô Soares lembrou que trabalhou com Nair na Record e que observava suas coxas. “Tinha umas pernas muito bonitas, e uma coxas muito bonitas”, disse ele. Para fazer charme, Lolita e Hebe cruzaram as pernas, e a então contratada da Globo gritou: “Me deu câimbra!”. A gargalhada tomou conta do estúdio, com Hebe, Lolita e Nair no sofá perdendo o ar de tanto rir.
6 – “Silvio, não pode perder os sustentáculos da emissora!”
Em 70 anos da TV brasileira, o país presenciou “guerras” por audiência, por estrelas e até por programas. Entre 1999 e 2000, a Globo surpreendeu a televisão e tirou vários nomes dos seus concorrentes, desde Ana Maria Braga, da Record, até Serginho Groisman e Jô Soares, do SBT.
Chateada com a situação, Hebe contou no Programa do Jô que deu uma bronca em seu patrão, Silvio Santos. “Falei mesmo para o Silvio. Não pode perder estrelas como Jô, como a Gabi, o Serginho Groisman. Os sustentáculos da emissora! Chorei, chorei, chorei!”, admitiu.
“Aí ele [Jô Soares] disse: ‘Porque você tá chorando tanto?’. Primeiro por perder o convívio, e aí eu disse: ‘Eu não vou poder ir mais no seu programa de aniversário, por que é na Globo e ela não deixa eu aparecer’. Aí ele falou: ‘Não, no meu programa você vai!'”.
O comentário de Hebe veio à tona após Jô ter perguntado se ela entraria na política, segundo rumores da época. “Eu jamais seria, eu jamais conseguiria viver nessa lama que está o Brasil. Nós estamos vivendo uma fase muito…”, lamentou a famosa.
7 – “Qual o tom? Qualquer um!”
No final da entrevista, Lolita Rodrigues agradeceu a Jô por não ter pedido para ela cantar o hino da TV brasileira. “Elas iriam me gozar”, afirmou. “Pera aí, eu não terminei ainda!”, rebateu o comediante. “E para terminar numa nota mais musical, eu gostaria de mostrar o porquê a Hebe não queria cantar o hino da TV brasileira”, anunciou.
“Eu sou a única pessoa que sabe, gente!”, confidenciou a atriz. “Globo, grava porque ela é a única pessoa que sabe. Tem que ficar no arquivo, ninguém mais sabe!”, pediu Hebe. “Olha, se uma das duas rir… Assis Chateaubriand pediu ao Guilherme de Almeida, o príncipe dos poetas brasileiros que fizesse a letra fazendo alusão ao indiozinho da Tupi, que era o logotipo da emissora, a bandeira das treze listras de São Paulo, preto, branco e vermelho, preconizando a televisão colorida… Mas é horrível!”, avisou.
“Qual é o tom? Qual é o tom?”, questionou Soares. “Qualquer um!”, debochou Hebe. “Vai Lolita!”, pediu o global. E Lolita cantou em meio as risadas das amigas: “Vingou como tudo vinga, no teu chão Piratininga. A cruz que Anchieta plantou. Pois dir-se-á que ela hoje acena, por uma altíssima antena, por uma altíssima antena, a cruz que Anchieta plantou. E te dá num amuleto, o vermelho, branco e preto, das contas do seu colar, das contas do teu colar. E te mostra num espelho, o preto, branco e vermelho, das penas do teu cocar, das penas do teu cocar!”.
Assista:
Paulo Carvalho acompanha o mundo da TV desde 2009. Radialista formado e jornalista por profissão, há cinco anos escreve para sites. Está no RD1 como repórter e é especialista em Audiências da TV e TV aberta. Pode ser encontrado nas redes sociais no @pcsilvaTV ou pelo email [email protected].