A Record anda sofrendo um verdadeiro revés na audiência de sua principal faixa de dramaturgia desde a estreia de “Apocalipse”. Com orçamento milionário e prometida como uma superprodução, a trama bíblica de Vívian de Oliveira não apenas vem sendo detonada pela crítica especializada desde a estreia como sofre derrotas diárias para a trama infantil “Carinha de Anjo”, do SBT, já se posicionando como o pior desempenho dos folhetins místicos do canal.
Tamanho descompasso entre expectativa e realidade, investimento e resultado faz lembrar a trajetória de outro folhetim da casa: “Metamorphoses”. Produzida em 2004 pela Record em sociedade com a produtora Casablanca – curiosamente, sua atual parceira na confecção de folhetins bíblicos e medievais -, a história reativou o núcleo de dramaturgia do canal de Edir Macedo como carro-chefe de um plano estratégico para roubar do SBT a vice-liderança, na qual Silvio Santos seguia invicto à época.
Querendo fazer bonito diante do grande público, Macedo não poupou gastos: investiu pesado em produção – a novela foi rodada em alta definição, com um custo mínimo de 40 mil dólares por capítulo – e também em divulgação, desembolsando mais de 1 milhão de reais com anúncios em revistas, jornais e até outdoors. As chamadas da trama também vinham carregadas de pretensão, prometendo, em seu slogan, “uma plástica” na forma de se fazer folhetins no Brasil.
O ponto de partida da história assinada por Yoya Wursch, Jaqueline Vargas e Arlete Siaretta, dona da Casablanca – e que teve sua estreia no inusitado dia 14 de março de 2004, um domingo -, era o encontro da esteticista brasileira Circe Cipriatis (Lígia Cortez) com o mafioso japonês Takashi Mifume (Kissei Kumamoto), membro da temida Yakuza. Mifume seduz Circe e casa-se com ela, para só depois, uma vez instalados no Japão, revelar sua ligação com a organização criminosa e obrigar Circe a operar o rosto de um dos integrantes do alto escalão do grupo.
Cada vez mais incomodada com a realidade em que seu marido a inseriu, Circe resolve escapar e finalmente consegue fugir para o Brasil, sem saber que carrega em sua bagagem uma valiosa e cobiçada joia, roubada durante a Revolução Russa, em 1917, e procurada há décadas. Recebida no aeroporto por sua meia-irmã, Lia (Vanessa Lóes), Circe e ela são perseguidas em plena chegada por capangas da Yakuza, que estão no encalço da joia desaparecida. As duas acabam sofrendo um grave acidente e são socorridas por ninguém menos que Lucas (Luciano Szafir), médico cirurgião que sempre nutriu uma paixão por Circe.
Ciente de que Lia não vai sobreviver e de que precisa proteger sua amada do cerco mafioso, Lucas transplanta o rosto de Lia em Circe, fazendo todos acreditarem que foi a ex-esposa de Mifume quem morreu no acidente. Para piorar, Circe (Vanessa Lóes) recobra os sentidos com um quadro agudo de amnésia, e Lucas se aproveita da situação para reforçar sua farsa, fazendo a própria Circe acreditar que na verdade é Lia. Ele só não contava com o faro investigativo de Marcos Ventura (Paulo Betti), detetive encarregado de encontrar a joia desaparecida, o qual por vezes chegará bem perto de desvendar a troca de identidade entre as duas irmãs.
Além da premissa bastante inusual para um folhetim, outra grande ousadia de “Metamorphoses” esteve na mistura entre ficção e realidade, incluindo na trama a exibição de cirurgias plásticas reais feitas nos próprios atores! Foi o caso da atriz Tallyta Cardoso, intérprete de Tallyta, moça ambiciosa que sonhava em se destacar no mundo do show biz. A intérprete se submeteu a duas operações – para correção nasal e para aumento dos seios por prótese de silicone -, ambas realizadas pelo cirurgião Evaldo Bolivar de Souza Pinto e gravadas e veiculadas na novela, como parte da história de sua personagem.
Tudo parecia encaminhado para o sucesso, mas não foi assim. Muito pelo contrário: embora tenha estreado com picos de 17 pontos, “Metamorphoses” não demorou a ver sua audiência cair, sendo derrubada para a casa dos 2 pontos em apenas um mês de exibição. Pega de surpresa com o naufrágio de seu “Titanic”, a Record buscava detectar as causas da rejeição e possíveis soluções para reverter o fracasso total e iminente.
E o caminho definido pela emissora foi dos mais radicais: Edir Macedo jogou fora a sinopse original de “Metamorphoses” e contratou Letícia Dornelles, ex-colaboradora de Manoel Carlos na novela “Por Amor”, para dar um restart na saga. Letícia assumiu por volta do capítulo 90 e se desfez da maior parte dos personagens, em especial dos que compunham o núcleo da Yakuza – o qual foi totalmente extinto.
As mudanças foram tão profundas que chegaram à eliminação da própria protagonista, Vanessa Lóes. Em seu lugar, surgiu uma nova heroína para mexer com o coração do médico Lucas (Luciano Szafir foi mantido no elenco): a patricinha Suellen Madeira, vivida por Jackeline Petkovic, ex-apresentadora infantil do SBT. A trama se tornou mais leve e passou a investir mais em romance e comédia, ganhando também novos vilões, interpretados por Ellen Roche, Ricardo Macchi e Paolla Oliveira – em sua estreia na TV, antes de chegar à Globo em “Belíssima” (2005).
Porém, nem mesmo assim a audiência da novela subiu. Foi quando, dois meses depois, a Record se cansou de dar murro em ponta de faca e optou por encerrar “Metamorphoses”. A notícia foi recebida com tristeza por toda a equipe envolvida na produção da trama.
“Fomos interrompidos no meio de uma filmagem e avisados de que gravaríamos apenas até o final daquela semana, depois estaríamos dispensados. Todos ficaram passados, não sabíamos se ríamos ou chorávamos”, contou à época a atriz Rosaly Papadopol, que vivia Valdirene no programa.
O último capítulo foi exibido no dia 27 de agosto, trazendo uma surpresa: o retorno de Vanessa Lóes, a protagonista original. Ela voltava para o final feliz entre Circe e Lucas, que ao fim da trama descobria nunca ter deixado de amá-la. Além do par principal, apenas Zezé Motta, Tallyta Cardoso, Luciene Adami e Domingos Meirelles estiverem presentes no episódio derradeiro. Os demais personagens tiveram seus desfechos contados por um narrador em off, em um artifício que evidenciava ainda mais a pressa da emissora em se desfazer do produto.
“Metamorphoses” terminou sem pena, nem glória, fechando seus 122 capítulos como uma das mais mal-sucedidas experiências da dramaturgia nacional – uma lição e tanto para a Record, que nos anos seguintes se destacaria com a produção de folhetins mais tradicionais, como “A Escrava Isaura” (2004) e “Prova de Amor” (2006). Fórmula que, aliás, anda fazendo falta nos enredos recentes da casa, não é mesmo?
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