Nos 30 anos do último capítulo de “Mandala”, 30 curiosidades sobre a novela

Vera Fischer como Jocasta, protagonista de “Mandala” (Imagem: Bazilio Calazans / Globo)

– O autor de “Mandala”, Dias Gomes, se baseou na tragédia grega Édipo Rei, do dramaturgo Sófocles (497 – 406 a.C.), na qual Édipo mata o pai, Laio, e se casa com a mãe, Jocasta. Na transposição para a TV, Laio (Taumaturgo Ferreira) decide sumir com o filho que Jocasta (Giulia Gam) espera após se consultar com o místico Argemiro (Marco Antônio Pâmio): este prevê o destino trágico da criança, assassina do pai e amante da mãe. Anos depois, Jocasta (agora Vera Fischer) concentra esforços na busca pelo filho. E Édipo (Felipe Camargo), que vive em Brasília – atormentado por seus poderes paranormais – decide seguir para o Rio de Janeiro; na viagem, conhece Laio (então Perry Salles), que morre após uma violenta discussão com o rapaz.

– A sinopse causou reações extremadas da Censura Federal, combalida (mas nem tanto) após o fim da ditadura militar. Mandala foi apreciada e rejeitada pelos censores em quatro comissões. Dias Gomes chegou a ir até Brasília debater a liberação com o Conselho Superior da Censura (CSC) – que havia assumido o compromisso de não mais vetar roteiros, apenas classifica-los para faixas etárias e horárias adequadas. O CSC se comprometeu então a pressionar o diretor-geral do Departamento de Censura, Romeu Tuma, responsável pela análise da trama.

– Mandala foi liberada para às 20h – a princípio, a Censura sugeriu a exibição no então inativo horário das 22h – após a Globo se comprometer a abordar com “moderação” temas como incesto, uso de tóxicos, violência, adultério, bissexualidade, crime organizado, comércio ilícito, indução e tentativa de aborto, tráfico de crianças, alcoolismo e intimidades sexuais. Ou seja: a novela toda!

– Dina Sfat foi o primeiro nome cotado para viver Jocasta. A emissora, contudo, acabou acertando com Vera Fischer, longe das novelas desde “Brilhante” (1981). Na época, Vera havia acabado de recusar o convite para “O Outro” (1987), novela que antecedeu “Mandala” às 20h. Ela também havia declinado de uma proposta da Manchete para “Corpo Santo” (1987). Foi a possibilidade da atriz contracenar, pela segunda vez na televisão, com o então marido Perry Salles; os dois já haviam feito “Os Gigantes” (1979), também às 20h. Com Vera escalada, Nicette Bruno foi cogitada para viver Ceres, mãe de Jocasta; o papel foi entregue a Célia Helena.

– A trama partia da atualidade para depois buscar o passado de Jocasta e Laio: enquanto Édipo participava de um culto dos seguidores de Tia Neiva – médium que fundou o Vale do Amanhecer, localidade perto de Brasília, que difundia a doutrina espiritualista –, Jocasta prepara a festa de seu aniversário de 42 anos. Ela interrompe as comemorações para conversar com o detetive Zé Mário (Antônio Grassi), que contratou para localizar seu filho. A narrativa então se desloca para 1961.

– O título “Mandala” – “círculo” em sânscrito – veio da trajetória de Édipo: ele fugia de seu destino, fazia uma imensa volta e retornava para cumpri-lo. O símbolo dividia as atenções com as cartas do tarô, jogos de búzios e leituras de horóscopo; o misticismo estava associado, especialmente, à figura de Argemiro (Carlos Augusto Strazzer, na segunda fase).

Célia Helena (Ceres) e Giulia Gam (Jocasta) em cena de “Mandala” (Imagem: Bazilio Calazans / Globo)

– A tragédia grega que norteou o enredo foi reverenciada na lua-de-mel de Jocasta e Laio, na Grécia. Giulia Gam e Taumaturgo Ferreira gravaram no país durante 45 dias.

– Jocasta, aliás, marcou a estreia de Giulia na TV. A atriz possuía extensa bagagem no teatro; também já havia trabalhado em cinema. E acabou premiada com o troféu APCA de “atriz revelação” e o Troféu Imprensa de “pessoa do ano”. Estreias também de Jandir Ferrari (Toninho), Marcos Breda (Hans) e Marcos Palmeira (Creonte, na primeira fase).

– O folhetim popularizou nomes como Édipo, Jocasta e Laio.

– Dias Gomes redigiu os primeiros 36 capítulos; Marcílio Moraes, que havia colaborado com o autor em “Roque Santeiro” (1985) e com Lauro César Muniz em “Roda de Fogo” (1986), levou a novela até o fim.

– Os capítulos da primeira fase foram cercados de referência a acontecimentos e pessoas reais, direta e indiretamente – certamente, não por mera coincidência. Pai de Jocasta, Túlio Silveira (Gianfrancesco Guarnieri) era militante comunista, autor de novelas de rádio; talvez, uma citação ao próprio autor, reforçada pela presença de Célia Helena – muito parecida com Janete Clair, esposa de Dias – no elenco. O multitalentoso Mário Lago também foi comparado ao personagem.

– Túlio também enaltecia os autores “da melhor qualidade” que despontavam no teatro – foi neste período que tanto Dias, quanto Gianfrancesco, começaram a fazer sucesso nos palcos. Em determinada ocasião, Michel Lunardo (Walmor Chagas), pai de Laio, diz à segunda esposa, a atriz Lena (Lilia Cabral / Ilka Soares), que possui a estatura de Cacilda Becker – casada com Walmor na “vida real”.

– Ainda na primeira fase, Laio reproduziu uma frase do traficante Lívio Bruni Júnior, preso em 1986 ao tentar levar cocaína para o exterior em latas de sardinha: “Meu grande sonho é ser um gangster à moda antiga”. Já na segunda, Milton Gonçalves viveu o deputado Apolinário Santana, candidato à reeleição. O ator havia se candidatado, de fato, ao cargo no ano anterior, pelo MDB. Não ganhou.

– A novela contou com a participação especial de Zeca Pagodinho, convidado de uma festa do bicheiro Tony Carrado (Nuno Leal Maia), na qual puxou a música ‘No tempo de Dondon’. Nuno também gravou na quadra da escola de samba Beija-Flor.

Perry Salles, falecido em 2009, como Laio, em “Mandala” (Imagem: Bazilio Calazans / Globo)

– Logo na transição de fase, Édipo e o pai biológico, Laio, se desentendem em uma estrada deserta. A discussão culmina com o playboy despencando de uma ribanceira, cumprindo a previsão de Argemiro: morrer pelas mãos do herdeiro, ainda que o jovem não tenha tivesse intenção de assassiná-lo. O primeiro encontro de Jocasta e Édipo, ambos desconhecendo a condição de mãe e filho, se deu no capítulo 30 – em 14 de novembro de 1987 – por intermédio de Letícia (Lúcia Veríssimo), namorada dele. A moça foi até a fábrica de brinquedos administrada por Jocasta em busca de emprego; Édipo, seu acompanhante, se sentiu atraído por Jocasta de imediato. No capítulo 44, os dois quase se beijaram. A empresária resistia, a princípio, por conta da diferença de idade entra ela e o pretendente – que passou a atuar na agência de publicidade ligada à fábrica de brinquedos.

– Eis que Creonte (Gracindo Jr), irmão de Jocasta, resolve tramar para afastá-la dos negócios. Matou o operário Rafael (Chico Diaz), líder de uma greve – e interesse amoroso de sua filha Marlucy (Anna Gallo). Desolada, a protagonista se refugiou numa casa de praia. Édipo então resolveu visita-la. O beijo se deu no capítulo 74 – de 5 de janeiro de 1988 –, num roteiro que levou dias para ser liberado pela Censura da Nova República, que havia vetado sequências “mais quentes” de Édipo com Letícia e implicado com um “eu te amo” dito pelo rapaz à mãe que desconhecia.

– Na semana seguinte ao beijo, mais precisamente no capítulo 82, Jocasta consegue o endereço, em Brasília, do casal que adotou seu filho. Acaba por desencontrar de Américo (Oswaldo Loureiro) e Mercedes (Ângela Leal), de mudança para o Rio de Janeiro. Na Cidade Maravilhosa, a empresária se depara com Ondina (Betina Vianny), tia do jovem. E ao visita-la, se vê diante de Édipo. Conclui então tratar-se de seu filho. Acaba por se afastar do rapaz, sem, no entanto, revelar o laço que os une.

– Jocasta busca consolo nos braços de dois pretendentes: Tony Carrado e Pedro Bergman (Raul Cortez, recém-saído de “Brega & Chique”, às 19h). Já seu herdeiro passa a disputar Letícia com Miguel (Jayme Periard).

– Nuno Leal Maia foi o grande destaque de “Mandala”. Seu Tony – que chegou a ganhar uma trilha complementar – trocava palavras, caso de “estou aqui por livre e momentânea vontade”, e confundia ditos populares, como “de grão em grão, mais assombração me aparece”. Também divertiu o público ao surgir vestido de noiva, em um devaneio – cena reaproveitada numa das aberturas da “TV Pirata” (1988). Nuno, que na mesma época da novela foi visto na Manchete, na minissérie “Rainha da Vida”, ficou tão “impregnado” por Carrado que quase perdeu o protagonista de “Top Model” (1989), por remeter aos trejeitos do personagem anterior durante as primeiras gravações como Gaspar Kundera.

Nuno Leal Maia na pele do divertido Tony Carrado, de “Mandala” (Imagem: Divulgação / Globo)

– Em dado momento, Tony Carrado torna-se fiel seguidor de Argemiro. O guru, com ares de charlatão, foi ganhando poderes ao longo da narrativa – como dona Mercedes (Fernanda Montenegro), a benzedeira da recém-encerrada “O Outro Lado do Paraíso”. Argemiro “salvou” Toninho, filho do bicheiro, de uma endocardite infeciosa, decorrente do uso de cocaína. O bruxo também matou: sacrificou Chris (Marcelo Picchi) em um ritual oferecido a Laio, a mando de Creonte. E enquanto o misticismo crescia, a abordagem política foi diluída até desaparecer por completo.

– Argemiro, Laio e Chris constituíam os vértices de um triângulo amoroso, tratado com discrição por Marcílio Moraes. O autor temia que o público associasse a orientação sexual ao negativismo dos personagens.

– O último capítulo, de número 185, de “Mandala”, trouxe o embate de Édipo e Argemiro. O guru encontra-se foragido, o que leva Jocasta a tramar um noivado com o filho, já ciente de toda sua história, para atrai-lo. As cenas do “fim”, gravadas numa edificação similar a um castelo na estrada Rio de Janeiro – Petrópolis, remetiam ao filme “Scanners” (1981), de David Cronenberg. Marcílio Moraes chegou a sugerir que o chão do castelo se abrisse, algo inviável para a equipe de produção naquele tempo. O confronto, com direito a chuva e neblina artificiais, chegou ao fim com Argemiro morto – e Laio, que havia se apossado do corpo dele, encontrando a luz. Tal desfecho foi exibido, pasmem, numa sexta-feira 13.

– Vera Fischer desgostou da trajetória de Jocasta, classificando-a como incoerente, em entrevista ao Jornal do Brasil, de 22 de abril de 1988. A atriz condenou a “a falta de brio profissional” de Dias Gomes, que “largou uma batata quente” na mão da equipe e sumiu. “Ainda mais uma batata quente mutilada pela Censura Federal. Não acho justo ele fazer esta proposta e ir embora, quando todo mundo sabia que depois do capitulo 50 seria difícil segurar uma história censurada”.

– Quando a novela chegou ao fim, os boatos de separação de Vera e Perry Salles já circulavam na imprensa. Tempos depois, ela e Felipe Camargo assumiram o romance, que se estendeu até 1995.

Em “Mandala”, Osmar Prado viveu o monge budista Gerson (Imagem: Bazilio Calazans / Globo)

– Por volta do capítulo 177, Marcílio passou a contar com o apoio de Lauro César Muniz, repetindo a bem-sucedida parceria de “Roda de Fogo”. As primeiras cenas escritas em dupla envolviam o ex-monge Gerson (Osmar Prado), irmão de Jocasta, entregue ao apetite sexual da ex-namorada, Mariana (Bia Seidl).

– O romance de Gerson e Mariana ficou marcado pela presença cênica da boneca Menina Flor, da Estrela – que também lançou o brinquedo Monstrobol no folhetim. Os dois artigos foram “criados” pelos funcionários da fábrica de Jocasta. A Globo, contudo, encontrou dificuldades para fechar a ação de merchandising, no início: as empresas produtoras de brinquedos não queriam associar seus nomes a Laio, que, enquanto administrador, usava as bonecas que produzia para contrabandear pedras preciosas e traficar substâncias ilícitas. Foi aí que Jocasta assumiu a direção do negócio, seduzindo os anunciantes de “Mandala”. Os eletrodomésticos Enxuta, os carros Volkswagen, a cerveja Antarctica, a cachaça 51 e até uma clínica particular pintaram na trama – esta última acolheu Américo, infartado após descobrir a ligação de Édipo e Jocasta.

– A novela também popularizou as minissaias de couro usadas pela protagonista. Além da música ‘O Amor e o Poder’, de Rosana. Cláudio Rabello, então contratado da gravadora CBS, respondia pela versão de ‘The Power of Love’, gravada em 1984 por Jennifer Rush – e Dias Gomes a vetou na abertura justamente por ser uma versão! O hit rendeu à cantora o seu primeiro disco de ouro. E influenciou o texto da novela. Tony Carrado passou a tratar Jocasta por “deusa”, referência ao refrão “como uma deusa / você me mantém…” – e batizou uma casa de shows, inaugurada por ele, de “Minha Deusa”. Os sons “exóticos” que abrem a canção serviram de tema para as cenas de Argemiro. ‘O Amor e o Poder’ também virou piada na novela ‘Fogo no Rabo’, sátira do “TV Pirata”: tocava toda vez que o galã Reginaldo (Luiz Fernando Guimarães) era citado. E além de constar no LP nacional da novela, foi incluída na trilha complementar ‘As Preteridas de Tony Carrado’.

– “Mandala” estreou no feriado de 12 de outubro, com cerca de 70% de participação em audiência. A novela, alvejada pela crítica, manteve índices próximos ao do lançamento durante toda sua exibição. Programa de maior audiência da emissora na época, chegou a ser esticada às segundas-feiras, para minar o “Veja o Gordo”, humorístico de Jô Soares, recém-saído da Globo, no SBT.

– O último capítulo foi exibido das 21h30 às 22h30, em razão da propaganda partidária obrigatória. Mas a atração preparada pelo Partido da Juventude foi quase toda censurada. O selo do Tribunal Superior Eleitoral figurou na tela por praticamente uma hora. E, ainda assim, arrebatou 54% dos telespectadores, na espera pela novela. O desfecho de “Mandala” arrebatou 78% dos 83% dos aparelhos de TV ligados durante a exibição. A reapresentação no sábado (14) conquistou 65% de participação. Os dados são referentes à praça Rio de Janeiro.

– “Mandala” foi exibida com grande sucesso em Portugal, pela RTP – Canal 1. Uma exibição tardia, é verdade, seis anos após seu término no Brasil. A trama vencia com frequência a icônica “Mulheres de Areia” (1993), no ar pela então novata SIC. A novela, que já figurou entre as mais pedidas do Canal Viva, nunca foi reprisada no Brasil.

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Duh Secco
Escrito por

Duh Secco

Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.