A reprise de “Por Amor” (1997) em “Vale a Pena Ver de Novo” resgata não só o belo texto de Manoel Carlos, a direção acertada de Ricardo Waddington e o excelente trabalho de seu elenco. O clássico conta também com uma trilha sonora de respeito! Quem nunca se pegou cantarolando, nos últimos meses, um verso de “Palpite”, hit de Vanessa Rangel que embala as vinhetas de intervalo e o casal Milena (Carolina Ferraz) e Nando (Eduardo Moscovis)? Ou berrando “Per Amore”, do repertório de Zizi Possi, música-tema de Helena (Regina Duarte) e Atílio (Antonio Fagundes)?
Recentemente, conversei com o autor Vincent Villari – de “Ti Ti Ti” (2010), “Sangue Bom” (2013) e “A Lei do Amor” (2016) – sobre a trilha sonora de “Por Amor”. Vincent é apaixonado por temas de novelas! Em 2014, lançou o livro “Teletema – A História da Música Popular Através da Teledramaturgia Brasileira” em parceria com o pesquisador Guilherme Bryan. Enquanto o 2º volume não vem, Vincent fala sobre o repertório do folhetim em reprise nas tardes da Globo.
Duh Secco – As trilhas de “Por Amor” garantiram elogios na web desde o início da reprise, em abril. O que justifica o êxito das músicas da novela, ainda hoje tão queridas pelo público?
Vincent Villari – Acho que o êxito das músicas e da novela diz respeito diretamente à memória afetiva de quem revê a obra hoje e se lembra, através do vínculo afetivo com aquela história, de sua própria vida vinte anos atrás, onde morava, o que estava fazendo, de quem gostava, o que queria. De todas as expressões artísticas, a música é a que melhor propicia essa viagem no tempo, a que mais pungentemente evoca nossas memórias. No caso de “Por Amor”, as músicas eram muito expressivas porque “Palpite”, “Só Você” e “Per Amore” chegavam a tocar inteiras, em sequências de videoclipes feitas com essa função. E eram cenas agradáveis, comoventes: Eduardo Moscovis no helicóptero sobrevoando o Rio; a paixão a um só tempo terna e quente do Moscovis com a Carolina Ferraz; Regina Duarte e Antonio Fagundes se apaixonando em Veneza. Rever uma história querida e já conhecida traz um sentimento de conforto e bem-estar a quem assiste, e a música desperta a nostalgia do espectador, a lembrança de quem ele era e do que estava fazendo na época em que ouvia a música na rádio.
Duh Secco – Qual o tema mais marcante desta seleção?
Vincent Villari – Na verdade, quando falamos na trilha de “Por Amor”, estamos falando apenas de quatro músicas: “Palpite”, “Per Amore”, “Só Você” e “Nem Um Dia”, do Djavan, que reina soberanamente até hoje em qualquer barzinho com música ao vivo. O resto das músicas, ninguém sabe, ninguém se lembra. Mas estas quatro foram tão marcantes que preenchem todo o espaço imaginário do que seria a trilha. “Per Amore” foi o tema principal, uma canção napolitana que nunca iria para as rádios se não fosse a novela (fora “Per Amore”, houve apenas outros três temas italianos entre as cem músicas mais ouvidas anualmente nas rádios, e todos temas de novelas). Era um projeto muito pessoal da Zizi Possi, um disco só de canções napolitanas, que acabou, devido a esse impulso, se tornando o disco mais vendido de sua carreira. “Palpite” foi um fenômeno, foi a música mais tocada nas rádios durante os sete meses em que a novela esteve no ar: do ponto de vista mercadológico, era a música certa para vender disco naquele momento, e, sob uma ótica artística e emocional, era irresistível para o público jovem da novela a projeção nas belas cenas de amor do casal. E menção honrosa para o tema de abertura “Falando de Amor”, que iniciou a construção da associação da obra do Manoel Carlos à bossa-nova. Porque o bairro do Leblon e a bossa-nova estão intrinsecamente ligadas à identidade da obra do autor. E veja só: não há outra bossa-nova na trilha nacional de “Por Amor” (assim como “Laços de Família” trazia apenas “Corcovado” e “Samba de Verão”). Mas ela estava na abertura, ou seja, era a embalagem musical da história, ela anunciava o clima, a temperatura da trama a ser apresentada. Por esse motivo, “Falando de Amor” tem muita importância, talvez não especificamente para esta novela, mas para o conjunto da obra do autor.
Duh Secco – As trilhas de “Por Amor” venderam bem? Em números, bateram outras produções das 20h?
Vincent Villari – Foi a primeira vez que um disco nacional de novela das oito, seguido de internacional, vendeu mais que este. Foram 607 mil cópias, contra 557 mil do internacional, que trouxe alguns sucessos, mas nenhum tema de fato marcante. Não foi um estouro de vendas como foram as trilhas de “Explode Coração” e “O Rei do Gado”, mas foi uma das novelas da década que mais vendeu disco.
Duh Secco – Por que não vemos, hoje, trilhas tão ligadas às novelas como antigamente?
Vincent Villari – Essa conversa é muito longa e diz respeito a uma crescente reestruturação da indústria cultural, tanto a musical quanto a televisiva, cada uma por seus motivos exclusivos. Num resumo muito enxuto (melhor desenvolvido no livro “Teletema 2”), é preciso levar em conta que o consumo de música e de teledramaturgia se alterou irrevogavelmente nas duas últimas décadas. Hoje, não há mais a constância, a exposição constante necessária para que uma música se torne uma experiência coletiva de sucesso; se você ouve na novela uma música que acha interessante, a tendência hoje é baixar essa faixa na internet ou em um aplicativo de streaming, ouvir, ouvir, descartar e procurar outra, num estilo de consumo estritamente individual. Consequentemente, as gravadoras, se antes investiam em cem nomes de diversos gêneros, hoje vão investir apenas nos cinco que vão trazer lucro certo – e o tempo tem mostrado que a internet, por sua vez, não é uma plataforma tão democrática quanto se imaginou a princípio, nem a qualidade dos artistas lançados nela se constituiu uma regra. Na teledramaturgia, por sua vez, apostar em uma cena sem diálogos, coberta apenas por música, pode afastar o telespectador, que, contagiado pela ansiedade da vida moderna, deseja ver ações e acontecimentos em detrimento de pausas emocionais, e encontra diante de si um número cada vez mais amplo de opções de entretenimento, o que leva autores e diretores a investirem menos neste tipo de cena, e assim as mudanças em uma indústria afetam as decisões da outra indústria, num circuito fechado e crescente – ou decrescente, dependendo do ponto de vista.
Duh Secco – Quando sai o segundo volume do “Teletema”, seu livro com Guilherme Bryan, com informações de “Por Amor” e de outras trilhas pós-1989?
Vincent Villari – O livro está basicamente pronto, faltam apenas duas entrevistas, vai de 1990 a 2005, e, além de abordar trilha por trilha e faixa por faixa de todas as novelas de todas as emissoras, explica, através da análise do panorama político, social e cultural do período, as gradativas modificações na indústria musical e na televisiva, da ascensão do pop sertanejo e do axé que salvaram as gravadoras da falência nos anos Collor até o início das modificações no consumo da teledramaturgia e suas trilhas.
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.