Muito se comenta a respeito do “fracasso” de “Deus Salve o Rei”, trama atualmente em cartaz na faixa das 19h da Globo. As aspas são válidas: se por um lado a história medieval de Daniel Adjafre vem garantindo índices na casa dos 25 pontos, que muitos títulos recentes suavam para alcançar, por outro lado ela derrubou significativamente a audiência de sua antecessora direta, o grande sucesso “Pega Pega”, e vem registrando uma curva descendente desde a estreia.
Motivos para essa fuga do público não faltam – a imprensa especializada vem apontando alguns, a Globo já detectou outros e até já providenciou a correção de certos casos. A atuação de Bruna Marquezine, considerada “robótica” na pele da Catarina, foi um dos primeiros pontos a serem reparados. Detalhes como esse, porém, são apenas a ponta do iceberg dentro de uma proposta de folhetim que já se mostra equivocada desde a própria concepção.
Uma história a princípio interessante pode ter seu potencial deitado por terra se o autor não souber desenvolvê-la. Mas, quando a premissa já é por si um completo erro, há talento narrativo capaz de salvá-la? É justamente aí que reside o grande – e, ao que tudo indica, irremediável – tropeço de “Deus Salve o Rei”.
Um produto de entretenimento, seja na literatura, no cinema ou na TV, fala com eficácia a seu público-alvo sempre quando toca ou em sua realidade, ou em seu imaginário. O universo da disputa pelo poder entre reinos em plena Idade Média, naturalmente, não encontra nenhum reflexo na realidade do espectador médio. No que tange ao imaginário, o diálogo acontece – se acontece – somente com uma parcela bem restrita do público, não com a audiência massiva e heterogênea que geralmente uma novela se propõe a atingir.
Tamanha discrepância com os anseios da plateia a que se dirige poderia ser atenuada se o texto oferecesse, em contraponto às inovações propostas, uma boa dose de folhetim tradicional que aumentasse a identificação com o noveleiro comum. Mas “Deus Salve o Rei”, ao centrar sua narrativa em tramas ora “políticas”, ora adeptas do realismo fantástico – as quais, na TV brasileira atual, costumam ser automaticamente taxadas de infanto-juvenis -, só faz acentuar esse gosto de inadequação.
“Belaventura”, trama recente da Record, cometeu o mesmíssimo erro. Bastava parar para “bisbilhotar” a novela de Gustavo Reiz para deparar-se com referências a conflitos monarquistas, títulos de nobreza, poções mágicas e até dragões e outros seres fantásticos. Folhetim que é bom, nada. O resultado foi amargo para o canal de Edir Macedo, que, durante exatos seis meses, amargou frequentemente o quarto lugar em audiência em plena faixa noturna.
Tanto um título quanto o outro, é verdade, encontram um aparente precedente em “Que Rei Sou Eu?”, aclamada obra de Cassiano Gabus Mendes que logrou, em 1989, a unanimidade entre o público e a crítica especializada. Mas a novela estrelada por Edson Celulari e Natália do Vale se sobressaía por trazer, por detrás das intrigas, conspirações e mazelas do Reino de Avillan, uma sátira espirituosa e pertinente ao panorama político e social brasileiro de sua época. Havia todo um contexto que remetia à realidade e que, com a brilhante construção textual de Gabus Mendes, tornava-se irresistível ao gosto popular.
A Globo, é claro, anda rebolando para tentar estancar a sangria que “Deus Salve o Rei” se tornou. Bobagem: podem chamar Ricardo Linhares, Walcyr Carrasco, Benedito Ruy Barbosa ou Glória Perez para mexer e remexer nos capítulos que, ao menos que alguém resolva bancar a Janete Clair e promova um terremoto para recomeçar do zero a história, será inútil. Resta agorar encarar de frente o fracasso pelos meses que restam para, ao menos, finalizar a história com alguma dignidade.
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Felipe Brandão é jornalista diplomado pela Faculdade Pitágoras (PR) e atua desde 2010 escrevendo sobre televisão e cinema. Aficionado por entretenimento, com predileção especial pelas novelas – nacionais e estrangeiras -, possui passagens por veículos como as revistas “Conta Mais” e “TV Brasil” e integra desde 2016 a equipe do RD1, nas funções de redator e editor-assistente.
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