Cortes e trocas de novela: equívocos do Viva expõem “estado de abandono” do canal

Tony Ramos e Isabela Garcia como Tonico e Ana, protagonistas de “Bebê a Bordo” (1988) (Imagem: Divulgação / Globo)

O Canal Viva, com seus oito anos recém-completados, sempre bem colocado em audiência e repercussão, se viu na primeira semana de maio em meio, talvez, a maior polêmica de sua história: os cortes nos capítulos de “Bebê a Bordo”, folhetim de 1988 cuja reprise, mutilada, se encerrou nesta sexta-feira (15). A edição motivou protestos de fãs da novela de Carlos Lombardi. E de telespectadores em geral, temerosos com novas intervenções da “tesoura” nas tramas que estão por vir.

Questionado, o Viva se limitou a dizer que a edição seguia “critérios de programação”. Nada foi dito a respeito de tais critérios. Teria o conteúdo – agressões físicas, citações a políticos e discussões sobre sexo – incomodado público e direção? Teriam os índices rateados a ponto do canal de TV fechada recorrer a um expediente comum na TV aberta, cuja dependência de números (de audiência e de anunciantes) é relativamente maior? “Bondoso”, o Viva disponibilizou a íntegra dos capítulos de ‘Bebê’ em sua plataforma on-demand. E inseriu um letreiro na telinha, admitindo os cortes que, pasmem, alguém certamente julgou que passariam imperceptíveis.

O mal da atual gestão do canal – Daniela Mignani, também à frente do GNT, é quem responde pela equipe – talvez seja este: acreditar que o telespectador passa ao largo de tudo o que cerca o Viva, dos anúncios de “novas” novelas às chamadas de programação. A sensação, para o público, é de que o Viva está jogado às traças. Nada se viu de novo, nos últimos tempos, além da mudança de identidade visual – aqui, aliás, cabe elogio. O site, desatualizado, só foi repaginado após os comentários sobre “Bebê a Bordo” pipocarem; não faltaram vozes para acusar o canal de “desleixo” com um dos principais meios de interação com seus fãs.

Atrações anunciadas na imprensa tardam a estrear, vide “Domingão do Faustão” (1989) e “Radical Chic” (1993). Novelas já divulgadas são substituídas por “decisões de programação”; casos de “Jogo da Vida” (1981), “Roda de Fogo” (1986) e “Brega & Chique” (1987). Os intervalos privilegiam propagandas de outros canais da Globosat; “Vale Tudo” (1988), substituta de ‘Bebê’ ganhou chamadas menos de duas semanas antes da estreia, na próxima segunda-feira (18). Não há projetos próprios, além da nova “Escolinha do Professor Raimundo”, que interessa à Globo, e “Viver de Riso”, atração de Ingrid Guimarães planejada, a princípio, para o GNT.

Tudo isso ajudou a fomentar a “revolta” que estourou após os cortes de “Bebê a Bordo”. O Viva então se armou com a indefectível “Vale Tudo” e a bem-sucedida “A Indomada” (1997) – esta em substituição a “Explode Coração” (1995), faixa inicialmente destinada a ‘Roda’. Ambas estreiam sob a sombra da edição que trucidou ‘Bebê’. A “medida emergencial”, aliás, não resolve os problemas do Viva. Há de se ter o cuidado de, na trinca seguinte, escolher títulos adequados, evitando repetir a apatia do trio “Sinhá Moça” (1986), “Bebê a Bordo” e “Explode Coração”. Produções corretas que, juntas, não causam o efeito desejado.

Falta o “tino” de outros tempos, nos quais uma obra “fraca” – como “Meu Bem, Meu Mal” (1990) – crescia “ensanduichada” por dois clássicos – “Laços de Família” (2000) e “Mulheres de Areia” (1993). Os “mofistas” irão discordar, mas é evidente que a grade padece também com a ausência de folhetins “recentes”, vetados por conta do acordo estabelecido com a Globo, que permite ao Viva exibir apenas novelas com 20 anos ou mais. Óbvio que o acervo guarda preciosidades que merecem reexibição. Boa parte destes folhetins, contudo, são mantidos “na gaveta” por entreveros acerca de direitos, dos autorais aos de imagem.

Com tramas recentes “descartadas”, o canal acaba privado de uma parcela do público que não se interessa por “novela velha”, enquanto a TV aberta desperdiça clássicos recentes como “Celebridade” (2003) – folhetim que certamente faria mais barulho na TV fechada. De nada adianta, porém, lançar mão desta ou daquela novela se o desrespeito com tais obras (e com os telespectadores) e o “descaso geral” se mantiverem. Hoje, está mais do que claro, a mancha na imagem do Canal Viva, que sempre fez de pilares a íntegra dos folhetins e o bom uso da história da Globo, parece mais danosa ao canal do que as atitudes de “censores” e a audiência em queda.

_____________________________________________

Duh Secco é “telemaníaco” desde criancinha. Em 2014, criou o blog “Vivo no Viva”, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.

_____________________________________________

Saiba Mais:

De volta ao Viva, relembre os atores de “Vale Tudo” que já morreram

Como não amar “Vale Tudo”? 10 motivos para curtir a reprise desse clássico que faz 30 anos

Duh Secco
Escrito por

Duh Secco

Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.