Vinte anos vão separar O Clone da próxima novela de Glória Perez no horário nobre da Globo. E a evolução da tecnologia, que confrontou as tradições muçulmanas na trama atualmente exibida pelo Canal Viva, também será pano de fundo deste novo trabalho. É o que revela a autora em entrevista exclusiva a esta coluna do RD1.
VEJA ESSA
Pioneira no horário nobre da emissora, Glória também comentou sobre a estreia de outras mulheres no horário, como Maria Adelaide Amaral, coautora de A Lei do Amor; Manuela Dias, à frente dos textos de Amor de Mãe; e Lícia Manzo, que fará sua estreia às 21h em maio. Para a dramaturga, a estreia das mulheres não apresenta apenas um avanço mas também uma volta às origens.
Na entrevista, Perez voltou a falar sobre um assunto que a incomodou há alguns dias: a possibilidade de uma série sobre o Goleiro Bruno ganhar às telas da Globo. Para ela, o criminoso não merece holofotes. O projeto da série, vale lembrar, está nas mãos de Amora Mautner, que era a primeira opção da autora para a direção de A Força do Querer.
Confira a entrevista na íntegra:
RD1 – Em 2011, quando a Globo reprisou O Clone, você admitiu que chegou a pensar que o enredo tivesse envelhecido. E cá estamos quase 10 anos depois desta declaração, com a novela batendo recordes de audiência e repercussão no Viva. O que torna O Clone tão atual?
Glória Perez – Os temas abordados pela novela ainda estão aí, nos desafiando: a clonagem humana e suas implicações éticas, a tragédia da dependência química, as dificuldades de lidar com a diversidade, com visões de mundo tão diferentes da nossa. Por tudo isso, O Clone continua atualíssimo.
RD1 – Também em 2011, você disse que não pensava em reescrever nenhuma novela de sua autoria, por considerá-las recentes. Ainda pensa assim?
Glória Perez – Estava me referindo ao essencial de cada uma delas. Barriga de Aluguel, por exemplo, ainda que tenha se tornado uma prática corriqueira, é uma experiência que envolve sentimentos, e onde existem sentimentos, existe a possibilidade de conflito. América falou da imigração ilegal, e ela está aí, mostrada nos jornais de todo dia em cores cada vez mais dramáticas. Salve Jorge falou do tráfico humano. Se na época muita gente achou que era história da carochinha, hoje já se conhece bem a dimensão do problema. Explode Coração falou de crianças desaparecidas, e esse é um drama que se renova a cada dia. Falou também da comunidade cigana, voltando a um tema que é recorrente no meu trabalho: a diversidade, os preconceitos.
RD1 – Até há alguns anos, você era a única mulher a escrever novelas das 21h na Globo. O cenário mudou em 2016 com a estreia de Maria Adelaide na faixa. Atualmente, Manuela Dias escreve Amor de Mãe e Lícia Manzo a substituirá no horário. Como você avalia este momento?
Glória Perez – Realmente, a partir da morte de Janete, em 1983, até 2016, quando Maria Adelaide Amaral entrou com A Lei do Amor, fui a única mulher na faixa das 21 horas. Fiquei sozinha, garantindo nosso espaço. Vejo e saúdo a chegada de tantas mulheres como uma volta às origens. No início, o gênero foi dominado por mulheres. Dulce Santucci, Gloria Magadan, Janete Clair, Ivani Ribeiro. Elas fizeram das novelas uma paixão popular.
RD1 – A jornalista Cristina Padiglione escreveu recentemente que “definitivamente, as mulheres alcançam diálogos que homem nenhum produz ao escrever um roteiro ficcional”. Você concorda?
Glória Perez – Não li o que ela escreveu sobre o assunto, mas acredito que dependa muito mais do grau de sensibilidade e observação do escritor do que de seu gênero. Grandes personagens femininas também foram escritas por homens: Madame Bovary, Ana Karenina, etc etc. Na música, por exemplo, as letras de Chico Buarque traduzem perfeitamente a alma das mulheres.
RD1 – Aspectos da diversidade e da tolerância sempre foram temas abordados em seus trabalhos. Nos dias atuais, é mais difícil falar sobre isso quando questões comportamentais estão ligadas às pautas políticas do país? Em A Força do Querer, por exemplo, muita gente se incomodou com a Bibi Perigosa…
Glória Perez – Eu lembro. Chegaram a dizer que Bibi Perigosa era apologia ao crime! Bibi, infelizmente, é um tipo bastante comum na vida real. As cadeias estão cheias de Bibis! Mulheres que tinham uma vida certinha até se envolverem com bandidos e, “em nome do amor”, transgredirem a lei para ajudá-los. Acabam sozinhas, pagando o preço que é alto. A Bibi da novela foi um alerta para as meninas que se encantam com o poder dos traficantes, dos “donos do morro”. Lembrando bem que a Bibi da vida real sequer foi presa. Não tem as culpas da Bibi personagem.
RD1 – A Força do Querer, aliás, teve o sucesso atribuído, dentro de muitos outros fatores, à agilidade no roteiro. Como conseguir manter sozinha uma qualidade de texto em um trabalho tão extenso e em ritmo industrial que é uma novela?
Glória Perez – Eu gosto do que faço. E quando você gosta do que faz, todo trabalho é leve.
RD1 – Você pensa em voltar a falar sobre culturas estrangeiras em suas novelas? O Clone e Caminho das Índias ficaram muito marcadas por seus núcleos estrangeiros, uma identidade raramente vista nas novelas…
Glória Perez – Eu sempre falo sobre estrangeiros. Estrangeiros de uma cultura diferente, ou estrangeiros simplesmente porque são o outro, com ideias e percepções diferentes das nossas. É um tema comum a todos os meus trabalhos: diversidade e tolerância.
RD1 – Recentemente, você reagiu com indignação à notícia de que a Globo pretende produzir uma série contando a história do goleiro Bruno. Falar sobre psicopatas reais, na sua opinião, pode gerar um entendimento diferente por parte do público?
Glória Perez – Bruno é um criminoso cruel tentando resgatar a visibilidade que já teve um dia. Não se pode acender holofotes para ajudá-lo nisso. É imoral imaginar Bruno sendo entrevistado (e seria) para dizer o que acha das interpretações.
RD1 – Muita gente ainda pede uma segunda temporada de Dupla Identidade. Você pensa em continuar essa história?
Glória Perez – Se houver interesse, pra ontem!
RD1 – Em maio do ano passado, muita gente entendeu que sua próxima novela das 21h falará sobre avanços tecnológicos, após você publicar uma imagem onde uma mão humana toca uma mão robótica e dizer que quer muito falar sobre isso. Você pode nos adiantar alguma coisa?
Glória Perez – Entenderam bem. Sempre me interessou observar como o avanço da tecnologia modifica nossa vida cotidiana e introduz dramas novos, que as gerações anteriores não viveram. Falei disso em Barriga de Aluguel, Explode Coração, O Clone. No próximo trabalho, a revolução tecnológica será o pano de fundo para o exercício das velhas paixões humanas.
RD1 – Glória, para finalizar, queremos saber como andam as pesquisas para este novo trabalho…
Glória Perez – Bem adiantadas.
Daniel Ribeiro cobre televisão desde 2010. No RD1, ao longo de três passagens, já foi repórter e colunista. Especializado em fotografia, retorna ao site para assinar uma coluna que virou referência enquanto esteve à frente, a Curto-Circuito. Pode ser encontrado no Twitter através do @danielmiede ou no [email protected].