O veterano Mauro Mendonça chegou neste 2 de abril aos 90 anos. O mineiro de Ubá, que decidiu ingressar no teatro num rompante, fez história no cinema com a primeira (e inesquecível) versão de Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976). Mas foi a TV que o projetou para todo o país… Entre os muitos e marcantes personagens, protagonistas ou coadjuvantes, heróis como Dom Braz Olinto, em duas edições de A Muralha (1968 / 2000) e vilões como Ruy Novaes de Anjo Mau (1997), que lhe garantiu o APCA.
VEJA ESSA
Mauro chegou à televisão por intermédio do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Da segunda metade dos anos 1950 até 1963, quando estreou em novelas com Corações em Conflito, da Excelsior, Mendonça participou de inúmeros teleteatros. Passou por Record e Tupi antes de aceitar o convite da Globo, onde a esposa Rosamaria Murtinho já atuava – os dois estão juntos há mais de seis décadas.
O primeiro trabalho na emissora-líder, de onde não saiu mais, foi em um episódio da série Shazan, Xerife & Cia (1972). No ano seguinte, encarnou Vicente em Carinhoso, trama das 19h na qual Rosinha interpretava Ivone. Em 1974, emendou dois folhetins das 22h, O Espigão e O Rebu. Também marcou presença em Estúpido Cupido (1976), Espelho Mágico (1977) e Te Contei? (1978).
Dancin’ Days (1978) marcou o início de uma bem-sucedida parceria com Gilberto Braga. No trabalho seguinte do autor, Água Viva (1980), Mendonça interpretou Evaldo, figura amoral que explorava a irmã Celeste (Eloísa Mafalda), para desgosto da filha Janete (Lucélia Santos). A honesta mocinha não hesitou em manda-lo para a cadeia, quando Lourdes Mesquita (Beatriz Segall), sogra e desafeto dela, descobriu um dos muitos golpes do sujeito.
Em 1983, Mauro Mendonça deixou o elenco de Louco Amor, também de Gilberto, com a morte do embaixador André, detentor de muitos dos segredos da narrativa. Manteve-se, contudo, no horário das 20h, entrando para a novela seguinte, Champagne. Era Jurandir, personagem dele, o responsável pelo crime que deflagrou o enredo, o assassinato da copeira Zaíra (Suzane Carvalho). O bandido só não se suicidou após a confissão, como pretendia o autor, porque a Censura impediu a cena:
“Cassiano me telefonou e disse: ‘Mauro, vou lhe fazer uma proposta. Aceitando ou não, quero que mantenha segredo. Você se importaria de interpretar um assassino?’ Eu mantive o segredo até o fim. Acho que nem para Rosamaria, minha mulher, eu contei”.
A Gata Comeu (1985), de Ivani Ribeiro, definiu uma nova fase na carreira de Mendonça: a do pai de família. Horácio Penteado vivia administrando os conflitos da primogênita Jô (Christiane Torloni) com a madrasta Ester (Anilza Leoni) e a filha desta, Gláucia (Bia Seidl). Em Sinhá Moça (1986), deu vida ao advogado Fontes, parceiro do filho Rodolfo (Marcos Paulo) na luta pela abolição. O autor Benedito Ruy Barbosa também contou com o ator em Vida Nova (1988), Cabocla (2004) e Paraíso (2009).
Mauro Mendonça também ficou associado aos bonachões, como Sirineo Farfan, um dos grandes destaques de Despedida de Solteiro (1992). Foi quando o “conheci”… O mecânico que padecia com a ambição de Soraya (Ana Rosa) e Bianca (Rita Guedes), esposa e filha, encontrava apoio na caçula Nina (Helena Ranaldi), nos amigos Vitório (Elias Gleizer) e Gabriel (Sérgio Viotti) e na beata Socorro (Cristina Mullins), que desfiou muitos rosários antes de se entregar ao desquitado.
Também apreciei o talento de Mauro em Meu Bem Querer (1998), onde respondeu pelo intransigente Pastor Bilac. Em sua longa trajetória na telinha, cabe destacar aos menos três personagens reverenciados por público e crítica: aos já citados Dom Braz e Ruy Novaes, soma-se Gonçalo, de A Favorita (2008).
Aos 37 anos, Mendonça respondeu pelo bandeirante na versão da Excelsior para A Muralha. Recursos de maquiagem, e a baixíssima definição de imagem, tornaram o ancião vivido pelo balzaquiano crível. Em 2000, na minissérie de Maria Adelaide Amaral também baseada na obra de Dinah Silveira de Queiróz, Mauro reencontrou o personagem, desta vez com idade compatível. Três anos antes, Maria Adelaide havia entregado Ruy, verdadeiro presente, ao ator.
O mau-caráter rendeu o Troféu APCA de Melhor Ator Coadjuvante. Obra da atuação de Mauro Mendonça e do peso que a figura ganhou na reedição do texto de Cassiano Gabus Mendes. Outro homem de negócios, desta vez em A Favorita, fez história ao morrer nas mãos de Flora (Patrícia Pillar). A vilã simulou as mortes de Irene (Glória Menezes) e Lara (Mariana Ximenes), esposa e neta, induzindo Gonçalo, que nunca acreditou em suas juras de inocência, a um ataque cardíaco fulminante.
A história de Mauro Mendonça confunde-se com a da TV e a do brasileiro que o acompanha desde sempre – bem como prestigia a esposa e dois de seus filhos, o diretor Mauro Mendonça Filho e o ator Rodrigo Mendonça. Fica o desejo de saúde, e de muitos trabalhos, para o nosso mais novo nonagenário!
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.