Nos 89 anos de Benedito Ruy Barbosa, 9 novelas inesquecíveis do autor

Benedito Ruy Barbosa

Benedito Ruy Barbosa, autor de clássicos como Pantanal e O Rei do Gado, completa 89 anos nesta sexta-feira (17) (Imagem: João Miguel Júnior / Globo)

O ano é 1942. O pai de cinco filhos falece, obrigando o primogênito a deixar o campo – tomado por cafezais cultivados por imigrantes italianos e japoneses – e partir para São Paulo. Trabalhando durante o dia e estudando à noite, o rapaz consegue levar mãe e irmãos para um cortiço do Bom Retiro. Parece enredo de novela de Benedito Ruy Barbosa. Trata-se, porém, da história de vida do autor, que chega, neste 17 de abril de 2020, aos 89 anos. Como homenagem, listo abaixo nove novelas que fizeram a história de Benedito e da TV brasileira.

Benedito Ruy Barbosa

Sérgio Cardoso e Rosamaria Murtinho, como Samuel e Valéria, em Somos Todos Irmãos (Imagem: Reprodução / Revista Amiga e Novelas)

Somos Todos Irmãos (1966)

Benedito Ruy Barbosa chegou à televisão através da agência de publicidade J. W. Thompson. A empresa detinha a conta da Colgate-Palmolive. Marcas como esta e a Gessy Lever respondiam pela produção das novelas, financeiramente falando; às emissoras cabiam gravação e exibição. Ruy Barbosa foi então deslocado para a função de “editor de script”. Ele lia as sinopses adquiridas no exterior para adaptação aqui, bem como os roteiros em desenvolvimento – o primeiro foi Eu Compro Essa Mulher (1966), de Glória Magadan, para a Globo. Acabou absorvendo a linguagem do folhetim, mesmo “odiando”. “Eu achava ruim demais aquilo lá”, declarou sobre o gênero em entrevista ao Roda Viva, em 24 de fevereiro de 1997.

Partiu dele a ideia de adaptar A Vingança do Judeu, romance espírita de J. W. Rochester, psicografado por Vera Krijanowsky. Walter George Durst foi escalado para desenvolver os capítulos; a comunidade judaica, porém, questionou o texto. Ao Roda Viva, Benedito deu detalhes da discussão que tomou a Colgate-Palmolive na ocasião. “Não é essa a história, não! Nós não estamos discutindo o livro, nós estamos discutindo a novela. Inclusive, não é ‘A vingança do judeu’. (…) ‘Somos todos irmãos’. Veio na hora! ‘Somos todos irmãos’ – é ecumênica a novela!”.

A mudança de tom garantiu o êxito da narrativa centrada na paixão de um judeu por uma católica. Preterido, ele troca o filho que tivera com a esposa pela criança da amada e de seu marido, também católico. Arrependido, acaba convertendo-se à doutrina espírita. O sucesso da trama exibida pela Tupi transformou Rosamaria Murtinho e Sérgio Cardoso em estrelas de primeira grandeza. “Nós começamos a gravar e foi o recorde nacional de audiência da Colgate. Aí eu não quis largar mais, porque me deram salário extra”, confessou, também no Roda Viva.

Benedito Ruy Barbosa

Nilson Condé e Renée de Vielmond, como Renato e Juliana, em Meu Pedacinho de Chão (Imagem: Reprodução / Revista Amiga e Novelas)

Meu Pedacinho de Chão (1971)

Na Tupi, Benedito Ruy Barbosa respondeu também por O Anjo e o Vagabundo (1966) e O Décimo Mandamento (1968). Com A Última Testemunha (1968), inaugurou um dos muitos ciclos de dramaturgia da Record. Sua segunda empreitada na casa, Algemas de Ouro (1969), foi concluída por Dulce Santucci. Com o término de seu contrato, Ruy Barbosa voltou à Tupi, onde auxiliou Benjamin Cattan em Simplesmente Maria (1970). Tornou-se assessor especial da TV Cultura em 1971, nomeado por Laudo Natel, então governador de São Paulo.

Eu disse que aceitaria o cargo se pudesse escrever uma novela educativa. Disseram que não havia problema, desde que eu conseguisse espaço para gravá-la”, revelou ao livro Autores, Histórias da Teledramaturgia. Para driblar as dificuldades financeiras, Benedito propôs vender a novela. Ao Persona em Foco, de 3 de maio de 2017, contou: “Eu havia mandado uma carta para todas emissoras. O Boni me ligou, veio até a TV Cultura e mostrei os 10 primeiros capítulos, que não estavam editados. Ele ficou louco com as nossas externas e me perguntou ‘quanto vocês querem’? Eu disse 900 mil e ele respondeu ‘Tá. É minha, tá comprada’”.

Meu Pedacinho de Chão, primeira novela das 18h, enfrentou problemas com a Censura do regime militar – cenas em que o Hino Nacional era cantado ao violão por diversos caboclos foram vetadas. A novela incentivava a alfabetização para adultos, através da professora Juliana (Renée de Vielmond). Também debateu temas como vacinação e agronomia. Ganhou uma espécie de continuação, Voltei Pra Você (1983), centrada na vida adulta das crianças Serelepe (Aires Pinto) e Pituca (Patrícia Aires), e um remake (2014); ambas sem o viés educativo da coprodução Cultura – Globo.

Benedito Ruy Barbosa

Fábio Jr e Gloria Pires, como Luís Jerônimo e Zuca, em Cabocla (Imagem: Divulgação / Globo)

Cabocla (1979)

Benedito manteve-se distante da TV entre 1972, quando supervisionou a série Jerônimo – O Herói do Sertão na Tupi, e 1976. Neste ano, assinou seu primeiro contrato com a Globo – sem a “intermediária” Cultura. Adaptou O Feijão e o Sonho para às 18h; autor do livro que rendeu a novela, Orígenes Lessa costumava ligar para o roteirista, cobrindo os capítulos de elogios. Depois, assumiu À Sombra dos Laranjais (1977), de Sylvan Paezzo e desenvolveu episódios do Sítio do Picapau Amarelo (1977) – das obras de Viriato Corrêa e Monteiro Lobato.

Em 1979, transformou Cabocla, romance de Ribeiro Couto, em um dos clássicos das 18h. A adaptação foi decidida “em cima do laço”; quando o primeiro capítulo foi ao ar, apenas quatro estavam gravados. O atraso foi resolvido rapidamente, por conta do apego do autor ao enredo. “Eu escrevia três capítulos de ‘Cabocla’ por dia, de tanto que gostava da história’”, declarou ao livro Autores, Histórias da Teledramaturgia.

Premiada com o Troféu APCA (Associação Paulista de Críticos de Arte) de melhor novela daquele ano, Cabocla surfou na repercussão do casal da “vida real” Gloria Pires e Fábio Jr, formado durante as gravações. O mesmo se repetiu no remake de 2004, com Vanessa Giácomo e Daniel de Oliveira. Os intérpretes de Zuca e Luís Jerônimo dividiram o protagonista com os de Belinha (Simone Carvalho / Regiane Alves) e Neco (Kadu Moliterno / Danton Mello); através deste último, Benedito discutiu o direito ao voto – durante a vigência do regime militar.

Benedito Ruy Barbosa

Altair Lima, Othon Bastos e Rubens de Falco, como Antonio Hernandez, Antonio Pereira e Antonio de Sálvio, em Os Imigrantes (Imagem: Divulgação / Band)

Os Imigrantes (1981)

Enfrentando problemas com a substituta – Olhai os Lírios do Campo (1980) –, a Globo pediu a Benedito Ruy Barbosa que esticasse Cabocla. Não rolou. O autor já estava apalavrado com a Band, onde estreou em 1º de janeiro de 1980 com Pé de Vento. O folhetim contou com uma apresentação especial, logo após a tradicional Corrida de São Silvestre; um dos protagonistas, Edmar (Nuno Leal Maia), almejava vencer a competição. O grande projeto por trás da mudança de emissora foi lançado no ano seguinte: Os Imigrantes.

Eu pensava nesse projeto há muito tempo, e comecei a pesquisar a imigração em São Paulo há muitos anos. […] Achava que as novelas estavam seguindo o caminho da mesmice, mas tinha certeza de que, por causa do investimento necessário para realizar o projeto, era preciso haver a necessidade de um impacto qualquer. Eu sabia que uma emissora só produziria a novela se quisesse sacudir a televisão com uma proposta nova”, destacou ao Jornal do Brasil, de 28 de junho de 1981.

A partir das trajetórias de um português (David Arcanjo / Othon Bastos), um italiano (Herson Capri / Rubens de Falco) e um espanhol (José Piñero / Altair Lima), Os Imigrantes traçou um painel do Brasil pós-abolição da escravatura e da influência de estrangeiros em nossa cultura. A trama arrebatou inúmeros prêmios. E somou quase 500 capítulos; exausto, Benedito deixou o canal antes da conclusão. Ele voltou ao tema em Vida Nova (1988), Terra Nostra (1999) – um dos títulos de maior sucesso da Globo nos anos 1990, no Brasil e no exterior – e Esperança (2002).

Benedito Ruy Barbosa

Cristina Mullins e Kadu Moliterno, como Santinha e Zeca, em Paraíso (Imagem: Divulgação / Globo)

Paraíso (1982)

O retorno à Globo se deu com Paraíso. Em cena, a paixão de Zeca (Kadu Moliterno) e Santinha (Cristina Mullins). Ele, jovem de espírito livre, conhecido como “filho do diabo” por conta da lenda que cerca seu pai, Coronel Eleutério (Cláudio Corrêa e Castro), e um “capetinha” criado dentro de uma garrafa. Ela, criada pela mãe Mariana (Eloísa Mafalda) para ser freira, deste que, segundo a fervorosa beata, promoveu um milagre quando pequena. Eriberto Leão, Nathalia Dill, Reginaldo Faria e Cássia Kis responderam por tais personagens no remake de 2009.

A sinopse partiu da concorrência: o SBT começava a tomar pontos de audiência da Globo ao apostar em padres e outras autoridades religiosas relatando feitos extraordinários, pautas constantes do jornalístico O Povo na TV. A novela colocou Ruy Barbosa, outra vez, na “linha de tiro” da Censura do regime militar. Através da rádio A Voz do Paraíso, coordenada por Geraldo (Roberto Pirilo na versão original, Lucci Ferreira na regravação), o autor criticou a campanha de incentivo à agricultura do então presidente João Figueiredo.

Benedito Ruy Barbosa

Lucélia Santos e Marcos Paulo, como Moça e Rodolfo, em Sinhá Moça (Imagem: Divulgação / Globo)

Sinhá Moça (1986)

Foi Benedito Ruy Barbosa quem propôs a adaptação de Sinhá Moça, obra de Maria Dezonne Pacheco Fernandes, à Globo. Buscando repetir o êxito de Escrava Isaura (1976) no mercado internacional, a estação escalou as estrelas do folhetim de Gilberto Braga, Lucélia Santos e Rubens de Falco, para a mocinha e o vilão (Barão de Araruna). “Se pudesse, teria escolhido a Giulia Gam para a protagonista. (…) Infelizmente a Globo não deixou. A Lucélia encheu o saco durante a novela. A certa altura, chegou a dizer que não serviria de escada para os outros [atores]”, confidenciou Benedito no livro Autores, Histórias da Teledramaturgia.

Ao jornal O Globo, em 16 de novembro de 1986, Artur da Távola exaltou em sua crítica: “De história romântica a documento histórico”. Benedito recheou os capítulos com acontecimentos pré-abolição, da luta dos negros à adesão de brancos contrários à política escravagista dos muitos barões daquele tempo. Sinhá Moça impressionou com as externas comandadas por Jayme Monjardim, bem como a iluminação obtida pela equipe que contava com Francisco Carvalho (Chico Boya), parceiros do autor em outra empreitada fora dos domínios da Globo…

Benedito Ruy Barbosa

Cristiana Oliveira, como Juma, em Pantanal (Imagem: Divulgação / Manchete)

Pantanal (1990)

Ruy Barbosa chegou à Manchete em setembro de 1989, para supervisionar a filha Edmara – sua colaboradora desde Voltei Pra Você – na adaptação de O Crime do Padre Amaro. O projeto baseado na obra de Eça de Queiróz não saiu do papel. Coube ao pai assinar a substituta de Kananga do Japão, Pantanal. Foram várias as tentativas do autor de emplacar a trama na Globo. Sabendo disto, Monjardim, então diretor artístico da emissora dos Bloch, entregou o convite já com a produção de Pantanal garantida.

A novela partia da chegada de Joventino (Cláudio Marzo) e seu filho José Leôncio (Paulo Gorgulho) ao Pantanal, onde fazem fortuna com a pecuária. Enquanto Zé Leôncio fecha negócios no Rio de Janeiro – e estabelece um tórrido romance com Madeleine (Ingra Liberato) –, Joventino desaparece. O filho assume a fazenda, para onde leva a mulher. O romance, porém, dá errado. Madeleine parte levando o herdeiro do casal; Zé Leôncio fica na companhia da empregada Filó (Tânia Alves), com quem também se relaciona.

Anos depois, o fazendeiro (então Marzo) reencontra o filho Jove (Marcos Winter). O rapaz decide viver no Pantanal, onde conhece a selvagem Juma (Cristiana Oliveira). O misticismo ronda a moça, que vira onça assim como sua mãe Maria Marruá (Cássia Kis). E que convive com o Véio do Rio (também Marzo), espécie de entidade que protege a região – o espírito de Joventino, talvez.

Tal enredo roubou preciosos pontos de audiência da Globo, que substituiu toda a linha de shows, então às 21h30, por uma novela – Araponga –, na tentativa de frear o avanço da Manchete. Pantanal também arrebatou o público com imagens contemplativas, de jacarés a tuiuiús, e cenas de nudez em banhos de rio e “conjunções carnais” no meio do mato. Não à toa, levou todos os prêmios daquele ano e promoveu a volta de Benedito à emissora onde fez carreira, bem como determinou sua escalação para às 20h.

Benedito Ruy Barbosa

Marcos Palmeira e Antonio Fagundes, como João Pedro e José Inocêncio, em Renascer (Imagem: Divulgação / Globo)

Renascer (1993)

A primeira novela de Benedito Ruy Barbosa no horário “mais nobre” da Globo corresponde à maior audiência da década de 1990. Renascer apostou em trama similar à de Pantanal. Na região cacaueira da Bahia, José Inocêncio (Antonio Fagundes) rejeita o filho caçula, João Pedro (Marcos Palmeira), a quem atribui a morte da esposa Maria Santa (Patrícia França); no folhetim da Manchete, Zé Leôncio, além dos problemas de relacionamento com Jove, recusava-se a assumir a paternidade de Tadeu (também Palmeira), filho que tivera com Filó.

Aqui, Luiz Fernando Carvalho respondeu pela direção geral. O tom contemplativo permaneceu, “desanuviando” o público após as notícias pesadíssimas do Jornal Nacional – em época de “tintas fortes”, reflexo do jornalismo policial em alta no concorrente SBT, com Aqui Agora. Contada em duas fases, Renascer alçou Leonardo Vieira e Patrícia França ao estrelato. Também promoveu discussões sobre o hermafroditismo, através de Buba (Maria Luísa Mendonça), e o celibato, com Padre Lívio (Jackson Costa) e Joaninha (Tereza Seiblitz).

Benedito Ruy Barbosa

Patrícia Pillar e Antonio Fagundes, como Luana e Bruno, em O Rei do Gado (Imagem: Divulgação / Globo)

O Rei do Gado (1996)

Com o mesmo Luiz Fernando, Benedito fez O Rei do Gado. Outro clássico dos anos 1990, com direito à trilha recordista de vendas – mais de 1,5 milhão de cópias do álbum dominado pelo sertanejo de Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo, Roberta Miranda e Zezé Di Camargo & Luciano. ‘Rei do Gado’ também foi dividida em duas fases; o apuro com a primeira etapa causou o atraso na estreia, levando a Globo a exibir a minissérie O Fim do Mundo como “super novela de 35 capítulos”. Valeu a pena esperar…

O Rei do Gado centrou sua ação em figuras como o fazendeiro Bruno Mezenga (Antonio Fagundes), alvo do ódio do tio Jeremias Berdinazzi (Raul Cortez); uma cerca entre propriedades causou a desavença que separou as famílias e quase impediu o amor de Enrico (Leonardo Brício) e Giovanna (Letícia Spiller). Também a boia-fria Luana (Patrícia Pillar), que encanta Bruno; o senador Caxias (Carlos Vereza) e o sem-terra Regino (Jackson Antunes), na luta pela reforma agrária; e o malandro Ralf (Oscar Magrini), chamando a atenção para a violência doméstica que cometia contra a amante Léa (Sílvia Pfeifer).

Benedito Ruy Barbosa e Luiz Fernando Carvalho estiveram juntos no último trabalho do autor, Velho Chico – como supervisor de Edmara e de Bruno Luperi, seu neto. O enredo das 21h propunha discussões pertinentes, como O Rei do Gado. Acabou aplacado pelo conceito imprimido pela direção às cenas. E pela trágica morte de Domingos Montagner (Santo); o ator foi levado por uma forte correnteza durante um mergulho no intervalo das gravações em Canindé de São Francisco, Sergipe.

Duh Secco
Escrito por

Duh Secco

Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.