Três anos após revelar o assédio sexual que sofreu de José Mayer nos bastidores de gravações de A Lei do Amor (2016), através do blog #AgoraéQueSãoElas da Folha de São Paulo, Su Tonani voltou a tocar o assunto por meio de uma carta publicada pela revista Vogue na última quarta-feira (12).
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A figurista relembrou que foi julgada e questionada por muitas pessoas, mesmo após a confissão de culpa do veterano, que foi imediatamente afastado e, mais tarde, demitido pela Globo. “Quem deve se constranger é o assediador. A disputa de narrativa foi uma guerra declarada como ganha por mim”, escreveu.
Su agradeceu o apoio de muitas mulheres, entre elas atrizes da emissora, que criaram o movimento #MexeuComUmaMexeuComTodas. “Foi e é sobre rede de afeto e acolhimento. A história de outras mulheres serviu como ferramenta de proteção para mim. Existe um lugar em que as vítimas de assédio se conectam. E nós não somos poucas”, declarou.
Leia a carta na íntegra
Que mulher nunca levou uma cantada? Que mulher nunca foi oprimida a rotular a violência do assédio como “brincadeira”? Quantas vezes teremos que pedir para não sermos sexualizadas em nosso local de trabalho? Há exatos três anos, me fiz essas perguntas enquanto sentia na pele o que milhões de mulheres sofrem diariamente.
Meu nome é Su Tonani. Sou a figurinista que, em 2017, aos 28 anos, denunciou o ator José Mayer por assédio. A história aconteceu dentro da emissora na qual trabalhávamos. Na época, fiz uma denúncia pública. Foi difícil tomar essa iniciativa, mas, para mim, era ainda pior não expor o assunto. Não, a culpa não foi minha. Não, a culpa não é sua. A minha decisão foi usar as ferramentas de poder do assediador contra ele mesmo, expondo suas condutas abusivas e machistas.
Escrever sobre isso hoje, é reviver um passado que não me agrada. Mas por que, então, vir a público tanto tempo depois expor de novo o caso que ficou conhecido no Brasil inteiro? Porque hoje me sinto mais preparada para falar de um assunto que antes não conseguia. Porque quero agradecer o apoio de tantas mulheres durante esse processo. E, principalmente, porque entendi que minha voz pode auxiliar outras vítimas. Falar sobre o assédio é jogar luz sobre o tema, é tirar a vítima do lugar à margem. Quem deve se constranger é o assediador.
A disputa de narrativa foi uma guerra declarada como ganha por mim. Muito rapidamente o assediador se declarou culpado, mas, mesmo assim, foi inevitável o julgamento dos outros. Tentaram por diversas formas desqualificar o meu relato. Assim como acontece em inúmeros casos de assédio, disseram que eu menti, que estava exagerando e “será que não é ela a culpada?” Não, a culpa não foi minha, não, a culpa não é sua.
Por outro lado, com a exposição veio também um abraço caloroso que deixou claro o significado de sororidade. Naquele momento, o movimento #mexeucomumamexeucomtodas uniu muitas vozes, inclusive as das atrizes da emissora e outras personalidades, algumas inclusive, contaram suas experiências. Foi e é sobre rede de afeto e acolhimento. A história de outras mulheres serviu como ferramenta de proteção para mim. Existe um lugar em que as vítimas de assédio se conectam. E nós não somos poucas.
Nos anos que se passaram ao meu caso, me dediquei a trocar com quem passou pelo mesmo que eu e investigar o assunto. Descobri, por exemplo, que, segundo uma pesquisa do Instituto Patrícia Galvão e Locomotiva de 2019, 97% das brasileiras com mais de 18 anos afirmam que já foram assediadas ao usaremo transporte público. Sabe aquela cantada quando você passa pelo bar? É assédio. Sabe o marido que não respeita a negativa da mulher? É assédio. Se não é consensual, é assédio. E não, a culpa não é sua.
Mas o assédio e o julgamento, às vezes, te fazem questionar. Tenha certeza de que o problema é macro e estrutural. Não culpe sua exuberância e nem sua forma de viver. Não questione o shortinho nem o batom. Perceba que você está sendo objetificada não pelas suas qualidades físicas, mas pela sociedade patriarcal em que vivemos.
Para mim, o que ficou foi a absoluta confiança nas revoluções sociais. E novas perguntas. O que fazer com tudo que passou? Como seria o meu caso hoje se outras mulheres não tivessem falado por mim? Como instruir novas vítimas? Como agradecer a todas que estiveram do meu lado?
Cada caso é um caso, mas entenda que existem ações práticas e possíveis. Compreenda: é assédio! Constranja: diga ao assediador que suas ações estão lhe incomodando. Diga com todas as palavras que não gostou, diga em alto e bom tom. Exponha-o, se puder. Comunique, denuncie, fale para sua rede de apoio, conte para as pessoas, procure um advogado, vá à gerência, à ouvidoria, não viva esse problema sozinha. Lute, da maneira que conseguir e puder. E, tenha certeza, a culpa não é sua.
Hoje, me sinto vitoriosa, grata e forte. Essa carta é sobre isso, um agradecimento. São palavras sinceras de uma mulher que viu sua confiança restaurada pela potente força da sororidade. É uma exaltação ao instinto selvagem que habita dentro de cada uma de nós.
Daniel Ribeiro cobre televisão desde 2010. No RD1, ao longo de três passagens, já foi repórter e colunista. Especializado em fotografia, retorna ao site para assinar uma coluna que virou referência enquanto esteve à frente, a Curto-Circuito. Pode ser encontrado no Twitter através do @danielmiede ou no [email protected].