A Globo lança hoje (6), às 14h30, mais um horário de reprises. As tardes de segunda a sexta-feira do canal passam a contar, além de O Clone (2001) em Vale a Pena Ver de Novo, com O Cravo e a Rosa (2000). Trata-se da terceira reapresentação da novela de Walcyr Carrasco e Mário Teixeira – ou quarta, se consideramos a passagem recente pelo Canal VIVA.
VEJA ESSA
A trama estrelada por Adriana Esteves e Eduardo Moscovis não foi escolhida à toa. Os protagonistas Catarina Batista e Julião Petruchio são bem quistos pelo público desde a exibição original, às 18h. O folhetim é leve, adequado para a faixa de confronto com A Hora da Venenosa, atração da Record que belisca a liderança de audiência em praticamente todo o país.
E é claro que o resgate de uma produção tão marcante não passaria batido por aqui. Abaixo, listo curiosidades de O Cravo e a Rosa, dos bastidores à repercussão. O especial conta com detalhes sobre a atualização, a chegada de Walcyr Carrasco à Globo e a parceria com Mário Teixeira, os índices alcançados pela obra e as reapresentações anteriores.
Homenagens a Ivani Ribeiro
– Na segunda metade da década de 1990, o horário das seis padeceu com a fuga de telespectadores. Os índices caíam novela após novela. Daniel Filho e Mário Lúcio Vaz, então diretores de Criação e Controle de Qualidade, respectivamente, chegaram a cogitar o encaixe de Uga-Uga, sinopse de Carlos Lombardi em produção para as sete, na faixa. Foi quando surgiu o projeto ‘Novela de Verão’, desenvolvido por Ana Maria Moretzsohn. A ideia da autora era ter uma trama de poucos capítulos, apenas para os primeiros meses do ano – quando os números eram impactados pelo horário de verão.
– Esplendor, desenvolvida por Ana Maria, foi lançada em janeiro de 2000 com previsão de 80 episódios. Logo o folhetim foi estendido, tanto pelo acréscimo na audiência quanto pelas dificuldades de produção da substituta.
– Diretor de núcleo das seis, Dennis Carvalho cogitou, a princípio, uma nova versão de O Profeta (1977), com elementos de Os Inocentes (1974) – a partir de uma sugestão de Mário Lúcio. Marcílio Moraes foi encarregado de adaptar os originais de Ivani Ribeiro; Walter Avancini, de volta à Globo, escalado para a direção geral. “Em ‘Os Inocentes’, Juliana volta à sua cidadezinha natal para se vingar dos culpados pela morte de sua mãe. Neste retorno, ele conhecerá Daniel [de O Profeta]”, adiantou Marcílio em entrevista ao jornal O Globo.
– O projeto foi engavetado em fevereiro. Como Esplendor explorava fenômenos paranormais – o menino Gui (Thiago de Los Reys) via o fantasma da mãe, Elisa (Ângela Figueiredo) –, Dennis optou pela mudança. Foi quando surgiu a ideia de adaptar O Machão (1974), versão de Sérgio Jockyman para A Indomável (1965), também de Ivani, com base no clássico A Megera Domada, de William Shakespeare.
– Mário Teixeira, egresso de trabalhos na Manchete, no SBT e na Band, foi o escolhido para o texto. Avancini, como havia feito em empreitadas anteriores – incluindo Tocaia Grande (1995), com Mário –, atuava quase como coautor. Em março, a Globo acertou a contratação de Walcyr Carrasco, que estava no canal de Silvio Santos. O texto final ficou sob a responsabilidade de Walcyr. Foi ele quem criou Serafim (João Vitti), com quem Petruchio disputa Catarina, e ampliou a “inquietude sexual” de Bianca (Leandra Leal), respeitando os limites do horário. A mocinha sonhava, por exemplo, em dar um beijo de boca aberta.
– Antes do título definitivo, a Globo cogitou batizar O Cravo e a Rosa como Bateu, Levou – também título provisório de A Gata Comeu (1985), outro projeto com assinatura de Ivani.
– Carrasco dedicou a novela à mãe, Ângela, que faleceu dias antes da estreia.
Por trás das câmeras
– Leandra Leal foi escalada para Bianca como recompensa por seu bom desempenho em A Muralha (2000). A atriz conciliou os estudos para o vestibular com as aulas de piano, necessárias para a composição da personagem, e as primeiras gravações.
– Já Murilo Rosa, que buscou inspiração em Noel Rosa para compor o músico Celso, levou para o estúdio um violão de Jurema, avó de sua então namorada, Vanessa Lóes.
– Walter Avancini participou ativamente da preparação do elenco. Ele não só organizou os workshops, como deu referências para todos os envolvidos sobre os respectivos personagens. Atores e atrizes também receberam materiais sobre o ano de 1927, no qual a narrativa se desenvolvia, e um CD com músicas da época.
– Ângelo Antônio, o professor Edmundo, contou com o auxílio do irmão escritor Paulo César Carneiro Lopes, que indicou poetas com o mesmo perfil romântico do tipo. Edmundo, apaixonado pela aluna Bianca, declamava poemas de Luís de Camões, Fagundes Varella e Casimiro de Abreu. Já os versos do livro Poesias Eróticas e Burlescas, de Bernardo Guimarães, foram utilizados nos feitiços que Lindinha (Vanessa Gerbelli) fazia para seduzir Petruchio.
– Vanessa, aliás, conquistou a matuta após ser aprovada no primeiro teste, então para viver Kiki (Rejane Arruda). No elenco inicialmente escalado, apenas uma mudança: Fábio Sabag, por conta de uma cirurgia no pé, deixou o agiota Normando Castor para Cláudio Corrêa e Castro.
– A equipe de O Cravo e a Rosa buscou reproduzir a segunda metade da década de 1920 com rigor. A poluição, contudo, impediu que o rio Tietê fosse utilizado para as cenas da regata de Heitor (Rodrigo Faro), no primeiro capítulo. As sequências foram realizadas em Lagoa de Cima, distrito de Campos, interior do Rio de Janeiro.
– Personalidades da época foram homenageadas com citações ou representações. Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral, que brilharam na Semana de Arte Moderna, foram interpretados por Fábio Ornellas e Alessandra Costa nas cenas da tal regata.
– A fazenda de Petruchio contava com 30 galinhas, 25 vacas, 15 porcos, dez cabritos, dez carneiros e cinco cachorros. Todos cedidos pelo fazendeiro Sérgio Rosalvo de Oliveira, que serviu de inspiração para Taumaturgo Ferreira. O jeito de falar do parceiro da produção foi associado pelo ator ao seu personagem, Januário.
– Adriana Esteves aceitou o convite para Catarina durante a licença-maternidade. Ela levava o filho Felipe, então com quatro meses, para as gravações. Eduardo Moscovis, por sua vez, temia que Petruchio lembrasse seu personagem anterior, o Carlão de Pecado Capital (1998). O humor, porém, distanciou as duas figuras.
Sucesso incontestável
– A qualidade de O Cravo e a Rosa fez Dennis Carvalho esticar a novela antes mesmo da estreia: dos 107 capítulos previstos para 160. A novela ganhou mais episódios posteriormente, por conta das dificuldades quanto à definição da substituta. Lauro César Muniz preparava Aquarela do Brasil para o horário. Mas a Globo optou por transformar o enredo, em meio à escalação de elenco, em minissérie. Ana Maria Moretzsohn acabou recrutada para outra “novela de verão”, Estrela-Guia – de 83 capítulos, máximo permitido pela agenda da protagonista Sandy.
– O esticamento causou a introdução de novos personagens. Drica Moraes passou a responder pelas vilanias de O Cravo e a Rosa, na pele de “Muriel” Marcela, filha do poderoso Joaquim (Carlos Vereza), desafeto do protagonista. Com ela, surgiram Ezequiel e Teodoro, defendidos por Déo Garcez e Matheus Petinatti. Os três estiveram com Walcyr e Avancini em Xica da Silva (1996), da Manchete.
– Durante a novela, Rejane Arruda e Carlos Vereza chegaram a namorar.
– Outro tipo criado por Carrasco acabou ficando de fora, adiando o início da parceria dele com Elizabeth Savala. A atriz chegou a fazer a prova do figurino de Iaiá, uma médica com dificuldades para clinicar por conta do preconceito que profissionais do sexo feminino sofriam – como visto recentemente em Nos Tempos do Imperador. O objetivo era uni-la a Cornélio (Ney Latorraca), mas a trilha dele seguiu outros caminhos e a personagem terminou rifada. Tempos depois, surgiu Hildegard (Lúcia Alves), encarregada de curar Mudinho (Carlos Evelyn) com técnicas de hipnose.
– Os capítulos extras levaram também à trama sobre o roubo das apólices de Catarina. O banqueiro Nicanor Batista (Luís Melo) presenteou a filha com títulos do Tesouro Nacional, que, de acordo com a pesquisadora da novela Carla Miucci, eram como documentos da dívida pública do Governo Federal, que rendiam 5% ao ano para o portador. Só que tais apólices não existiam mais em registros de bancos e museus. Carla encontrou o título com um colecionador; a produtora de arte Denise Garrido confeccionou o papel a partir de documentos feitos para Terra Nostra (1999).
– O Cravo e a Rosa chegou ao fim com 30,6 pontos de audiência, o melhor índice desde os 31,8 de Anjo Mau (1997). O folhetim, finalizado em março de 2001, voltou à cena via Vale a Pena Ver de Novo em janeiro de 2003. O sucesso se repetiu: 23,5 pontos, a maior média desde o repeteco de A Viagem (1994), em 1997. A segunda passagem pela sessão não causou o mesmo efeito, alcançando apenas 13,8 pontos. A reapresentação no Canal Viva, em 2019, rendeu o título de trama mais bem-sucedida da história das 23h.
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.