Atriz “de um papel só”, Beatriz Segall desfilou talento e versatilidade na TV

Beatriz Segall, em cena de “Vale Tudo” com João Bourbonnais, Pedro Paulo Rangel, Regina Duarte e Cláudio Corrêa e Castro (Imagem: Divulgação / Globo)

Daniel Filho não considerava Beatriz Segall uma “boa opção” para Odete Roitman, criação de Aguinaldo Silva, Gilberto Braga e Leonor Bassères para “Vale Tudo” (1988), uma das novelas de maior audiência e prestígio da TV brasileira. Hoje, 30 anos depois, é possível afirmar que até mesmo um gênio como Daniel é passível de erros. A atriz fez de Odete a mais inesquecível das vilãs! A ponto de ter sua carreira, quase sempre, relacionada única e exclusivamente a ela.

Mas, curiosamente, é Odete Roitman quem está no ar, de novo, através do Canal Viva, no momento em que Beatriz Segall, 92 anos, nos deixa. Nestas últimas semanas, enquanto o público a apreciava – esbanjando vitalidade e talento – na telinha, ela padecia na “vida real” entre uma internação e outra, desde o agravo de seu quadro de saúde por conta de problemas respiratórios. Beatriz viveu e morreu sob a sombra de Odete. Foi, porém, muito mais do que a execrável Almeida Roitman…

Beatriz Segall e Fábio Assunção em “Sonho Meu” (1993) (Imagem: Divulgação / Globo)

Eu a conheci terna, chorando a morte do neto Jorge (Fábio Assunção), médico e monstro de “Sonho Meu”, folhetim das 18h obrigatório para toda criança dos anos 1990. Ali, cinco anos depois de “Vale Tudo”, Beatriz encarnava Paula Candeias de Sá, a milionária paranaense que buscava dividir os negócios da família, de maneira igualitária, entre Jorge e o irmão deste, Lucas (Leonardo Vieira). O ciúme que o primeiro nutria em relação ao segundo – agravado pela presença de Cláudia (Patrícia França), esposa de Lucas – terminou por desestabilizar o clã. Coube a Paula, conciliadora, “juntar os caquinhos”, redescobrindo a paz de espírito em Lalesca (Carolina Pavanelli), a pequena filha de Cláudia.

Betty Faria e Beatriz Segall em “De Corpo e Alma” (1992) (Imagem: Divulgação / Globo)

No ano anterior, Beatriz foi Stella, a professora universitária que frequentava, assiduamente, o Clube das Mulheres, um dos principais cenários de “De Corpo e Alma”. Emancipada, ela aconselhava a amiga Antônia (Betty Faria) a buscar uma saída definitiva para seu casamento com Diogo (Tarcísio Meira); enquanto isso, se deixava enredar pelo charme de Juca (Victor Fasano), stripper de muitos músculos e pouco cérebro. Não que Juca fosse desprovido de inteligência, longe disso. É que ele seguia, quase cegamente, as ordens de Vidal (Carlos Vereza), o garçom do clube que pretendia vingar-se de Stella, por conta de um abandono no passado, usando do “homem-objeto”.

Beatriz Segall em “Carmem” (1987) (Imagem: Reprodução / Revista Amiga)

“De Corpo e Alma” foi a terceira parceria de Beatriz Segall e Gloria Perez. Em 1987, a atriz seguiu com a autora para a Manchete, assumindo um tipo incomum em sua carreira – marcada por mulheres endinheiras, refinadas e cultas. Foi a humilde Alzira, mãe da protagonista Carmem (Lucélia Santos), em, claro, “Carmem”. As péssimas experiências da mãe com os homens e a rejeição daqueles que deseja levam Carmem a estabelecer um pacto com a pomba-gira: ela consegue domínio sobre o sexo oposto; seu charme, porém, leva o pacato José a assassiná-la, movido, claro, pelo sentimento de posse. Além de Alzira, Beatriz foi “mulher do povo” em “Os Adolescentes” (1982, na Band) e “Champagne” (1983, na Globo).

Beatriz Segall e Mário Lago em “Barriga de Aluguel” (1990) (Imagem: Divulgação / Globo)

O segundo encontro com Gloria se deu justamente na volta desta à Globo, em 1990. Após “Vale Tudo”, e a minissérie “A E I O… Urca”, Beatriz assumiu a cientista Penélope Brown, de “Barriga de Aluguel”, às 18h. Ou, Miss Brown, como era chamada por Molina (Mário Lago), médico tradicional, contrário às ideias modernosas da colega – e “crush” – como a inseminação artificial que permite à protagonista Clara (Cláudia Abreu) gerar um filho para Ana (Cássia Kis). Onze anos depois, Gloria Perez resgatou Brown e Molina para o debate ético a respeito do trabalho de Albieri (Juca de Oliveira), que ousou clonar o empresário Lucas (Murilo Benício), na tentativa de devolver vida ao afilhado falecido, Diogo (também Murilo), seu afilhado, em “O Clone”.

Beatriz Segall em “Anjo Mau” (1997) (Imagem: Divulgação / Globo)

Beatriz Segall teve outro bom momento às 18h, com “Anjo Mau”. Sua personagem, Clô Jordão, não existia no original de Cassiano Gabus Mendes; a quatrocentona falida era obra de Maria Adelaide Amaral, que incrementou o texto de 1976 com tramas de sua autoria, alocadas inicialmente em uma sinopse que acabou engavetada. Clô amargava a solidão, e a pobreza, após ter se afastado do amado Eduardo (José Lewgoy) e rejeitado, indiretamente, a corte do imigrante Américo (Sérgio Viotti). Embora falida, ela lutava para conservar o que lhe restou de dignidade, bem diferente da irmã, Elisinha (a também saudosa Ariclê Perez). Foi a última novela inteira de Beatriz na Globo; ela ainda atuou em “Bicho do Mato” (2006), na Record.

Beatriz Segall e Fábio Jr em “Água Viva” (1980) (Imagem: Divulgação / Globo)

O Viva nos brindou com outros três resgates da carreira de Beatriz Segall, além de Odete Roitman: Celina de Souza Prado Cardoso, de “Dancin’ Days” (1978), sua estreia na Globo – eliminada do roteiro em um acidente automobilístico por falta de função; Norah, mãe de Carina (Elizabeth Savala), em “Pai Herói” (1979), que, após a viuvez, ousava enfrentar a sogra, Januária Limeira Brandão (Lélia Abramo), para unir-se ao cunhado Horácio (Emiliano Queiróz); e Lourdes Mesquita, de “Água Viva”, oportunista, tão maldosa quanto Odete – embora sem o verniz social desta. Três tipos diferentes; mais três amostras do talento de Beatriz Segall.

Nos últimos anos, a atriz participou, brevemente, de “Esperança” (2002) e de “Lado a Lado” (2012) – como Madame Besançon, sobrenome empregado por Henriette Morineau, uma de suas “mentoras artísticas”, em “Escrava Isaura” (1976) e “Água Viva”. Também das séries “Lara com Z” (2011) e “Os Experientes” (2015); despediu-se da TV falando em velhice. A velhice que a tornou bissexta e que, cruel, a levou a morte. Do pó vieste, ao pó voltará, sabemos. Grandes talentos, contudo, não somem com o pó. Se eternizam em personagens, cenas e falas; Beatriz Segall é eterna, em Odete Roitman e tantas outras. À ela, o nosso respeito, o nosso aplauso e a nossa saudade…

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Duh Secco é “telemaníaco” desde criancinha. Em 2014, criou o blog “Vivo no Viva”, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.

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Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.