“Malhação – Vidas Brasileiras” e os riscos de ser uma “novela rotativa”

Camila Morgado e Joana Borges são destaque em “Malhação – Vidas Brasileiras” (Imagem: Divulgação / Globo)

Quando a Globo aprovou seu projeto de adaptar a série canadense “30 Vies” para a nova temporada de “Malhação”, Patrícia Moretzsohn sabia que tinha uma missão ingrata pela frente. Ela não apenas precisava fazer jus à qualidade da obra original – indicada inclusive ao Emmy de Melhor Telenovela em três ocasiões -, mas principalmente ao sucesso da fase anterior, “Viva a Diferença”, cujo texto inspiradíssimo de Cao Hamburger fez a cabeça de público e crítica.

O trabalho apresentado até agora, embora não seja isento de falhas, tem sim seus pontos fortes. Patrícia e sua equipe vêm acertando a mão na retratação da mentalidade e o dia a dia do adolescente de hoje, como também na escolha dos temas abordados – os quais têm se revelado pertinentes não só a esse universo, mas à problemática social brasileira como um todo.

Há, porém, uma controvérsia que põe em xeque a legitimidade do formato adotado atualmente, e ela se concentra justamente no “rodízio” de protagonismo entre os personagens adolescentes. Pela primeira vez na história do programa, não se tem uma figura teen principal, já que, a cada quinzena, um dos estudantes do Colégio Sapiência é “promovido” ao foco da narrativa, sempre acompanhados pela professora Gabriela (Camila Morgado) – esta sim protagonista absoluta, com interferências marcantes nos dramas dos alunos e até direito a uma história central própria.

Pelo menos até agora, esse vai-e-vem de histórias revela-se uma faca de dois gumes: se por um lado ganha-se em agilidade, perde-se em profundidade. O drama da ginasta Verena (Joana Borges), assediada pelo próprio professor, Breno (Marcelo Argenta), foi um bom exemplo desse paradoxo.

Provavelmente a melhor das cinco histórias apresentadas até agora, mostrou-se feliz na maior parte da condução do caso – havia inicialmente uma dúvida sobre a acusação feita por Verena ser verdadeira, o que também jogou a favor da trama. Pecou, porém, na forma apressada de conferir-lhe um desfecho, resvalando num didatismo e superficialidade que simplesmente não cabem na abordagem de um tema tão sério. Falhas semelhantes foram cometidas na conclusão de outras tramas teens, como a de Leandro (Dhonata Augusto), jovem que escondia do pai grosseirão e conservador o fato de trabalhar como drag queen.

Essa dinâmica se revela ainda mais duvidosa quando fere um dos recursos mais clássicos das telenovelas quando se trata de fidelizar o espectador: a empatia. Não é que os jovens de “Malhação” sejam relegados a coajudvantes quando seu protagonismo quinzenal expira – eles praticamente se reduzem a figurantes depois do happy ending. Será mesmo isso o que o público que se identificou com determinado drama deseja do personagem que o conquistou? Vê-lo “substituído” por outro personagem e outro mote que talvez não lhe encantem da mesma forma? Uma novela rotativa não estaria se arriscando a ter uma audiência rotativa também?

“Malhação – Vidas Brasileiras” tem potencial, porém, ainda não se encontrou de fato. Mais do que simplesmente definir quais histórias a contar, é preciso repensar a forma de contá-las diante de uma audiência acostumada a enredos mais duradouros e tipos aos quais possa “apegar-se” na telinha. Somente assim a inserção do formato canadense, devidamente ajustado ao público a que se dirige, poderá encontrar seu espaço nos 20 anos de trajetória do programa teen das tardes da Globo.

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Felipe Brandão é jornalista diplomado pela Faculdade Pitágoras (PR) e atua desde 2010 escrevendo sobre televisão e cinema. Aficionado por entretenimento, com predileção especial pelas novelas – nacionais e estrangeiras -, possui passagens por veículos como as revistas “Conta Mais” e “TV Brasil” e integra desde 2016 a equipe do RD1, nas funções de redator e editor-assistente.

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