Há semanas, as redações do RD1 e de outros portais de notícias torciam pela recuperação de Nicette Bruno. Assim como todo país. Ninguém queria dar a notícia do seu falecimento, que chega hoje (20), após dias de luta contra a Covid-19. Apesar dos 87 anos, Nicette ainda vendia saúde e disposição. Isso até a contaminação pelo coronavírus, que já ceifou as vidas de mais de 185 mil brasileiros. Nicette não resistiu à doença, pela qual muitos passaram incólumes, enquanto outros padeceram – e cuja letalidade, após meses de pandemia e consequentes restrições, é menosprezada por ignorantes da mais alta esfera do poder ao mais humilde desinformado.
VEJA ESSA
A partida de Nicette Bruno silencia o público que a acompanhou por anos, sempre habituado a ovacionar, das poltronas do teatro ou no sofá diante da TV, seus muitos desempenhos brilhantes. As mãos que se uniam em aplausos se juntam agora em oração ou buscam palavras para uma merecida homenagem. É difícil sintetizar, porém, uma carreira tão grandiosa – e personagens tão ricos – nos poucos caracteres do Twitter, na limitada legenda do Instagram ou mesmo nesta coluna aqui. Nicette foi uma das grandes damas do teatro e da televisão. Como Fernanda Montenegro, Laura Cardoso, Nathalia Timberg… Qualquer elogio, por mais bem colocado que seja, parece ínfimo.
Não acompanhei Nicette na Tupi, emissora na qual ela encarnou Dona Lola, da, até então, mais famosa versão de Éramos Seis (1977), romance de Maria José Dupré, adaptado por Rubens Ewald Filho e Silvio de Abreu. Curiosamente, seu último trabalho foi justamente na segunda regravação do enredo, exibida pela Globo até março deste ano, ao lado de outras duas Lolas: Gloria Pires e Irene Ravache (a do SBT). Também na pioneira, a atriz dividiu o set com o marido Paulo Goulart, os filhos Bárbara Bruno, Beth Goulart e Paulo Goulart Filho e a mãe Eleonor Bruno em Papai Coração (1976) – cujo original argentino serviu de base para Carinha de Anjo (2016).
Em 1993, criança em fase de alfabetização, descobri Nicette em Mulheres de Areia. Acompanhava a novela pela TV e, ainda aprendendo a ler, em jornais e revistas – hábito cultivado por todo noveleiro, de consumir o veículo não só durante a exibição do produto. No folhetim de Ivani Ribeiro, Nicette vivia Julieta. Ou mulher: “Juju, Sampaio, Juju“, como ela bradava sempre que o marido (Adriano Reys) a tratava pelo nome de batismo, como se o emprego do apelido a remoçasse. Paulo Goulart esteve em cena, mas não com a esposa, como o mau caráter Seu Donato, tirano que dominava Pontal D’Areia.
Seguiram-se outros tantos tipos inesquecíveis… A reparadeira Nina de A Próxima Vítima (1995), a mal-amada Úrsula de O Amor Está no Ar (1997) e a tragicômica Judite de Andando Nas Nuvens (1999). Também Dona Benta na reedição do Sítio do Picapau Amarelo (2001), que a fez avó de uma geração. Ou Ofélia de Alma Gêmea (2005), que via o genro Osvaldo (Fúlvio Stefanini) engolir toda e qualquer ofensa a seco, diante dos pedidos da esposa Divina (Neusa Maria Faro): “Não fale assim como a mamãe…“. Ao lado de Ary Fontoura, como Julieta e Romeu, Nicette salvou Sete Pecados (2007) do desastre completo.
Foi ainda a vó Iná, de A Vida da Gente (2011). Compreensiva como a Neiva, de Rainha da Sucata (1990). Tipos bem diferentes da Fanny, de Selva de Pedra (1986), e da Branca, de Bebê a Bordo (1988), que descobri em reprises no Canal Viva. Também da Ester de Órfãos da Terra (2019), última novela que Nicette Bruno participou do início ao fim, contemplada recentemente com o Emmy Internacional. Quantas cenas, quantas histórias… Vejo sugestões nas redes sociais por uma reprise desta ou daquela novela – numa postura sempre egoísta dos noveleiros de usar a partida de um famoso para pedir o que lhe interessa.
Torno a dizer que não há reapresentação ou homenagem que sintetize a trajetória tão vitoriosa de Nicette na arte. Ela é digna de todas elas, claro. Merecedora… Será reverenciada em muitas ocasiões, com o resgate dos inúmeros trabalhos. E na memória de cada noveleiro que, em algum momento, foi impactado por uma cena de Nicette Bruno, de drama, de humor ou de qualquer outro gênero. Hoje, ela e Paulo Goulart se reencontram em outro plano – para quem acredita –, como almas gêmeas que eram. Dois talentos perpetuados também nos filhos. A nós, cabe a admiração eterna e a saudade…
Uma luz que não se apaga
O título deste post deriva da série A Vida Alheia (2010), de Miguel Falabella. Em dado momento do segundo episódio, ao referir-se à morte de um famoso ator, uma personagem exclama: “uma luz que não se apaga“. Falabella, aliás, reverenciou Nicette Bruno em um post no Instagram, destacando a parceria dos dois em Selva de Pedra, na qual ele viveu Miro, seu primeiro grande personagem – espécie de protegido da “garota do teatro rebolado”, Fanny.
“Querida Nicete, pensando em você, ainda há pouco, descobri que a essência de sua grandeza residia em sua extrema generosidade com a vida e com seus colegas. Esse rapaz aí a seu lado na foto, tendo seu primeiro grande papel na televisão, não teria conseguido sem seu apoio, sua orientação e sua discreta ajuda para um jovem inexperiente. Que linda trajetória! Que grande dama o teatro brasileiro perde hoje!“, lamentou o multimídia.
Confira:
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Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.