Enquanto aguarda o retorno das gravações da segunda temporada de Arcanjo Renegado, adiada por causa da pandemia do coronavírus, Rita Guedes está na contagem regressiva para acompanhar a edição especial de Flor do Caribe, novela exibida em 2013 que estará de volta a partir de segunda-feira (31), às 18h30.
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A atriz conversou com o RD1 e relembrou os bastidores da trama, desde o convite do diretor Jayme Monjardim para interpretar uma personagem que se tornou um divisor de águas em sua carreira até as cenas mais marcantes de Doralice, que precisou superar vários traumas do passado e no meio do percurso acabou nutrindo uma confusa paixão pelo enteado Juliano (Bruno Gissoni).
Rita conta que a trama que quase terminou em um “incesto” acabou ficando de fora da novela e se tornou apenas um devaneio da personagem, a princípio por conta de uma preocupação com o horário e depois pela aceitação do público do relacionamento de Dora e Quirino (Aílton Graça). “Era uma confusão devido à fragilidade dela”, afirma a atriz, que reconhece que o público pode ter ficado sem entender essa história.
Confira o bate-papo na íntegra:
RD1: Como foi a experiência de interpretar uma personagem que fugiu do estereótipo que você estava acostumada?
Rita Guedes: Isso na época foi o assunto mais comentado nas redes sociais, eu lembro que quando estreou foi um dos assuntos mais comentados nos Trends Topics do Twitter. Para mim, como atriz, foi maravilhoso. Ser experimentada em um papel diferente, que me desafia, foi fascinante. É muito rico para qualquer ator, né? Eu acho que o público teve um impacto por me ver fazendo um papel tão distante do que eles estavam acostumados a me ver desde que eu estreei na TV. Eu estreei muita nova na TV fazendo um personagem que já era forte, que tinha um poder de persuasão, de atração, já era disputada por vários personagens masculinos. Todos os personagens que eu fiz tinham uma grande sensualidade em comum, embora fossem histórias completamente diferentes, de épocas também diferentes e que tinham cada uma dramaticidade diferente.
Quando o Jayme [Monjardim] me ligou para fazer o convite, ele ficou em dúvida se eu iria fazer a personagem. Ele falou assim: ‘Rita, tem um personagem, eu quero muito que você faça, mas eu não sei se você vai aceitar a fazer’. Aí ele me explicou que era uma personagem muito diferente de tudo que eu fiz e me explicou como era a Dora. E aí, no meio da conversa, eu falei: ‘Já topei, Jayme. Já topei e vai ser um desafio para mim como atriz. Eu vou estar em um universo que eu nunca trabalhei na TV’.
RD1: Você teve dúvidas se a personagem faria sucesso entre o público?
Rita Guedes: Eu sofria a novela inteira, né? (risos). Ela era uma mulher que tinha um desejo e tinha uma ideia fixa de gerar um filho, por mais que ela não pudesse. Era quase uma obsessão dela. Eu vi que muitas mulheres se identificaram muito com a Dora.
Primeiro teve um surto, foi super comentado, [a imprensa] queria muito falar a respeito disso, porque foi só mais um personagem, eu sei que é diferente de tudo, mas para mim foi um exercício bom. [Em trabalhos anteriores] eu sempre estive a frente de todas as cenas, comandando, desta vez meu personagem foi outro, ela tinha outro universo, ela trabalhava como cozinheira em uma casa, então neste momento ela não é protagonista. Ela tinha um patrão [Dionísio – Sérgio Mamberti] extremamente fascista, autoritário, tinha muito preconceito dela, por ela ser empregada, e depois do filho que ela adotou por ser negro. E ele não queria que o filho da Ester brincasse com o filho da empregada. Naquele cenário, ela estava trabalhando, então ela era só protagonista nas histórias dela, nos cenários dela. O que incomodou o público foi me ver muitas vezes sem atuar muito nessas cenas, mas era a função dela, ela era uma cozinheira, então ela tinha que fazer o trabalho dela. E depois ela tinha o universo dela que era riquíssimo.
RD1: A Dora se apaixonou pelo enteado Juliano, mas essa história acabou sendo abortada e ficou sem desfecho. Como foi isso?
Rita Guedes: Por se tratar do horário das seis, eles não queriam muito abordar essa história. O que aconteceu era que o relacionamento da Dora com o Quirino era tão forte que o público amou tanto esse casal, se apaixonou tanto pela história dos dois, que enfraqueceu a história original que era o drama dela se apaixonar pelo enteado. Então acabou que essa história ficou talvez mal resolvida na cabeça do público, porque ficou muito mais em evidência a história dela com Quirino.
RD1: Como foi quando você recebeu a notícia de que a trama tomaria outro rumo?
Rita Guedes: Eu fiquei feliz (risos). Quando você tá fazendo a personagem, o público vai junto com você, escrevendo também a sua história. Então começou a ficar mais forte a história da Dora com o Quirino e eu, como atriz, acabei também me distanciando da história original. Então na minha cabeça, ficou quase como um devaneio, que veio junto com a história dela de ser mãe e, de repente, o Juliano engravida da Natália (Daniela Escobar), que tinha a idade da Dora. Eu acho que eu peguei essa dor, essa fragilidade dela, e no meio disso ela achou que se apaixonou pelo Juliano por conta da gravidez da Natália. Eu acho que é uma paixão de devaneio. Mas foi pelo fato de [ela querer] ser mãe e não pelo fato do Juliano em si. Quando ela se afastou e conseguiu adotar uma criança, ela viu que a paixão pelo Juliano acabou, então não era paixão, era confusão devido à fragilidade dela.
RD1: Você acha que essa história ficou clara para o público?
Rita Guedes: Eu acho que como aconteceram muitas coisas com ela, o público talvez estava imaginando uma coisa e, de repente, foi para outro caminho. Isso é que ficou um pouco difícil de assimilar, talvez. Eu acho sinceramente que o público queria que ela ficasse com o Quirino e que aquela família terminasse feliz.
Para eu fazer com coerência, eu imaginei ela extremamente apaixonada pelo Quirino mas com esse vazio dentro dela. Quando ela adotou a Beatriz, ela se curou disso. Se ela fosse apaixonada pelo Juliano, ela não voltaria a procurar o Quirino. Ela não era apaixonada pelo Juliano nem nunca foi.
RD1: O autor Walther Negrão foi o responsável pela sua estreia na TV e também por essa virada na sua carreira, né?
Rita Guedes: O Walther aparece para fazer umas mudanças na minha vida. Despedida de Solteiro foi um grande marco na minha carreira, foi quando as pessoas começaram a conhecer meu trabalho, e depois foi fazendo a Dora. No começo eu confesso que a personagem causou até uma coisa negativa no público, por eles não queriam me aceitar naquele papel. Mas depois a história dela tão bonita, de tanto amor, simplicidade, que conquistou o público.
RD1: Como foi a dobradinha com Aílton Graça?
Rita Guedes: Foi uma delícia trabalhar com o Aílton. A gente nunca tinha se encontrado, mas eu sempre admirava muito o trabalho dele. Grande parte do que é a Doralice eu devo a ele. Se eu não tivesse um parceiro como ele, um ator tão bom, íntegro, tão dedicado, tão profundo, eu com certeza não faria a Doralice tão bem.
RD1: Qual cena mais te marcou?
Rita Guedes: A cena da separação do Quirino me marcou bastante. A gente já estava chorando antes de gravar, chorou gravando, chorou depois (risos). Foi uma cena dirigida pela Teresa Lampreia. A Dora deixa uma carta quando vai embora… E geralmente as cartas na hora da gravação são lidas pelo assistente de direção, mas neste dia eu quis ler para ele. Eu fiquei atrás da câmera e li a carta para ele. Ele se emocionou muito. Foi muito bonito a história que a gente contou.
RD1: Como foi que você recebeu a notícia de que a novela seria reprisada?
Rita Guedes: Eu fiquei muito feliz. É uma novela linda, solar, que veio pra trazer uma coisa positiva para esse momento que a gente está vivendo, para trazer praias maravilhosas, o Nordeste, falar sobre amor, simplicidade, amizade e também mostrar um lado sombrio que infelizmente existe. Foi uma novela muito bem escolhida para esse momento, fiquei muito feliz.
RD1: Você já recusou trabalhos na TV?
Rita Guedes: A temporada que passei nos EUA me deixou mais seletiva nos meus trabalhos. Já recusei bastante, tem algumas pessoas que ficaram até chateadas comigo. Eu não me arrependo de nada que eu fiz e de nada que eu não fiz. Teve alguns personagens que eu achei que não era o momento para eu fazer, que eu não me apaixonei pela história ou que achei parecido com outros personagens que já fiz.
RD1: Quais são projetos para depois da quarentena?
Rita Guedes: Eu estava em cartaz com a peça Uma Relação Tão Delicada, no shopping da Gávea, que é uma história de amor entre mãe e filha. Eu começava a peça com 27 anos e terminava com 91, sem sair de cena e sem maquiagem. Era um trabalho de corpo, de voz, de face, de ter esse envelhecimento, mas tivemos que interromper. E eu iria gravar em maio a segunda temporada de Arcanjo Renegado. Essa é uma série de muito contato físico, não teria como gravar agora, só se fosse reescrita.
Daniel Ribeiro cobre televisão desde 2010. No RD1, ao longo de três passagens, já foi repórter e colunista. Especializado em fotografia, retorna ao site para assinar uma coluna que virou referência enquanto esteve à frente, a Curto-Circuito. Pode ser encontrado no Twitter através do @danielmiede ou no [email protected].