SBT reprisa “Pássaros Feridos”; série fez história na TV de Silvio Santos

Pássaros Feridos

Rachel Ward e Richard Chamberlain, casal protagonista de “Pássaros Feridos”, de volta no SBT (Imagem: Reprodução / IMDB)

O SBT surpreendeu os telespectadores ao anunciar, logo nos primeiros dias de 2019, a reapresentação de “Pássaros Feridos”. A série, produzida pela ABC em 1983, retorna ao vídeo neste sábado, às 18h30 – faixa que abrigou, recentemente, o reality “BBQ: Churrasco na Brasa”. Em cena, Padre Ralph (Richard Chamberlain), sacerdote do interior da Austrália, que, prestes a tornar-se cardeal, reencontra Maggie (Rachel Ward), colocando sua vocação em xeque. A reapresentação traz à tona parte importante da história do SBT: quando, numa jogada de mestre de Silvio Santos, o canal tomou o lugar da Globo.

Em 1984, completando três anos de existência, o Sistema Brasileiro de Televisão – então TVS – buscava atrair anunciantes qualificando sua programação, de origem popularesca. Silvio Santos adquiriu, por 240 mil dólares, segundo informações do próprio em entrevista à revista Veja (4 de setembro de 1985), a série “Masada”, superprodução centrada no cerco do Império Romano sobre a fortaleza construída por Herodes, o Grande, em Israel. A Globo “contra-atacou” com as minisséries “Os Últimos Dias de Pompeia” e “Shogun”, estrelada pelo menos Richard Chamberlain de “Pássaros Feridos”.

No ano seguinte, a série baseada no romance “The Thorn Birds”, de Collen McCullough, foi oferecida à emissora-líder, que não demonstrou interesse, mesmo com as quatros estatuetas conquistadas pela produção no Globo de Ouro e as cinco arrebatadas no Emmy – a Globo, dizem, temia a ação da Censura Federal sobre o romance do padre com a menina que viu crescer. O SBT então fechou negócio, por 120 mil dólares. Cinco dias antes da estreia, prevista para 19 de agosto – aniversário do canal –, Silvio Santos ofereceu um almoço à imprensa, para divulgar o produto. Mas a grande jogada se deu no domingo, 18, durante o programa do “patrão”.

Após a exibição de um compilado com algumas das melhores cenas de “Pássaros Feridos”, Silvio avisou: embora programada para 21h20, a série só entraria no ar após o término de “Roque Santeiro”, então o folhetim de maior audiência da Globo, às 20h. “Vejam ‘Roque Santeiro’, uma bela novela que eu também vejo e depois liguem no SBT para assistir a ‘Pássaros Feridos’, um programa espetacular”. A concorrente “deu de ombros”. Mas na segunda-feira (19), logo após as “cenas do próximo capítulo” da saga de Roque (José Wilker), Viúva Porcina (Regina Duarte) e Sinhozinho Malta (Lima Duarte), o público seguiu a orientação de Silvio.

Segundo dados publicados no “Jornal do Brasil”, de 23 de agosto de 1985, o SBT liderou em São Paulo, com 46% de participação na audiência frente os 27% da Globo. O mesmo se deu em Porto Alegre, com 47,5% x 21,5%, e em Curitiba, com 46,7% x 19%. No Rio de Janeiro, o “Viva o Gordo”, de Jô Soares, manteve a liderança com 47% – a novela saiu de cena com 72% –; “Pássaros Feridos”, porém, elevou a fatia do SBT nos números, de 5% para 20%. O feito se repetiu no dia seguinte, quando a emissora-líder, já temerosa, esticou não só “Roque Santeiro”, como também o “Jornal Nacional”. A vice aguardou pacientemente, “maratonando” episódios de “A Pantera Cor-de-Rosa”.

À revista Veja, de 4 de setembro de 1985, o “homem do Baú” falou sobre a investida, após relembrar o episódio “Masada”: “Agora, senti que ela [Globo] ia jogar o ‘Roque Santeiro’ em cima de mim, bem quietinha. Pensei: ‘Pode deixar’, e fiz a propaganda do ‘Roque’ e dos ‘Pássaros’”. A estratégia foi mantida durante toda a exibição da série, uma das primeiras produções a entrar para o TOP 10 semanal de programas mais assistidos da TV brasileira, desde que a Globo estabeleceu seu domínio neste ranking.

O SBT recorreu ao expediente em outras ocasiões. Em 1988, colocou um slide no ar, aguardando o término de “Vale Tudo”, folhetim das 20h, para estrear a sessão “Cinema em Casa”: “Não se preocupe, quando terminar a novela da Globo, você vai ver ‘Rambo’”. Também em 1994, quando anunciava a novela “Éramos Seis” para “logo após ‘A Viagem’ e ‘Fera Ferida’”, tramas da Globo – que adotou estratégia semelhante, quando atingida por “Pantanal” (1990), da Manchete, e por “Os Dez Mandamentos” (2015), da Record.

“Pássaros Feridos” marcou um novo tempo na história do canal de Silvio Santos, que, na época, beliscava a liderança em São Paulo com seus dominicais e com o infantil “Bozo”. Na mesma Veja de setembro de 1985, o “homem do Baú” declarou: “‘Pássaros’ já faz parte de uma terceira etapa [de crescimento]. A primeira foi de superar a barreira dos 15% de audiência, com qualquer público. A segunda foi de passar do popularesco ao popular. […] Agora, na terceira etapa, estamos radicalizando na qualidade, sem deixar de lado a popularidade”.

Este processo incluiu longas-metragens como “Super-Homem III” (1983) e “Um Lobisomem Americano em Londres” (1983), bem como as séries “Esquadrão Classe A” (1984) e “Miami Vice” (1986). E culminou com a chegada de Boris Casoy (“TJ Brasil”), Carlos Alberto de Nóbrega (“A Praça é Nossa”) e Jô Soares (“Jô Soares Onze e Meia” / “Veja o Gordo”) ao SBT, nos últimos anos da década de 1988. Como última curiosidade: “Pássaros Feridos” foi reapresentada em três ocasiões: em agosto de 1988, às 21h30, com cinco capítulos de duas horas cada; em março de 2000, todos os dias, numa dobradinha com o lendário “Show do Milhão”; em 2006, numa fase problemática do SBT, com o avanço da Record sobre o segundo lugar. A Rede Brasil também veiculou a produção, em 2016.

Duh Secco
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Duh Secco

Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.