Há dez anos, a Globo exibia o primeiro capítulo de “A Favorita”, novela que marcou o lançamento de João Emanuel Carneiro, hoje à frente de “Segundo Sol”, às 21h. E que, logo na estreia, plantou a dúvida na cabeça do público: Flora (Patrícia Pillar) ou Donatela (Cláudia Raia), quem falava a verdade a respeito do crime que a primeira pagou na prisão, mesmo atribuindo a autoria à segunda? Após a revelação do mistério e muitos capítulos, cheios de curiosidade, depois, a novela chegou ao fim como um grande sucesso. Confira agora dez curiosidades deste clássico!
– A promoção de João Emanuel para a faixa “mais nobre” da emissora, após as bem-sucedidas “Da Cor do Pecado” (2004) e “Cobras & Lagartos” (2006) às 19h, se deu por conta do adiamento de “Velho Chico”, projeto acalentado há décadas por Benedito Ruy Barbosa. E que só entrou em produção sete anos depois, como alternativa às tramas urbanas que a faixa vinha apresentando, sem sucesso – substituindo, justamente, um trabalho de Carneiro, “A Regra do Jogo” (2015).
– Cláudia Raia e Patrícia Pillar estrearam em “Roque Santeiro” (1985). E se reencontraram nos estúdios de “Rainha da Sucata” (1990), primeiro trabalho de Silvio de Abreu na faixa pós-“Jornal Nacional”. E que, assim como “A Favorita”, enfrentou a rejeição inicial, sagrando-se vitoriosa no último capítulo.
– Para aceitar o chamado de “JEC” para ‘Favorita’, Mariana Ximenes (Lara) declinou do convite para Maria Paula, protagonista de “Duas Caras” (2007), a antecessora – entregue a Marjorie Estiano. Já Fábio Assunção, alegando problemas pessoais, pediu para deixar a novela; no mesmo ano, o ator deixou “Negócio da China”, às 18h, para tratar do vício em drogas. Para Dodi, personagem destinado a Fábio, chegaram a cotar Marcello Antony, então escalado para “Ciranda de Pedra”, às 18h. Por fim, Murilo Benício procurou a emissora, se colocando à disposição do folhetim. O ator via ali a possibilidade de romper com os papéis cômicos que interpreta recentemente, em “Chocolate com Pimenta” (2003) e “Pé na Jaca” (2006).
– Benício palpitou no visual de Dodi, inspirando no de Al Pacino no longa-metragem “Scarface” (1984). Já a jornalista Maíra, entregue a Juliana Paes, remetia às madeixas de Patrícia Poeta, então apresentadora do “Fantástico”. Para a controversa Alícia (Taís Araújo) – garota mimada que condena a origem do dinheiro do pai, o político Romildo (Milton Gonçalves), mas não abre mão dele –, o caracterizador Alê de Souza apostou nos cabelos de divas pops como Beyoncé e na maquiagem de Amy Winehouse. A ausência de maquiagem, aliás, marcou a estadia de Flora e Donatela na prisão. Uma ousadia para a era do HD, que escancarava as imperfeições nos rostinhos sempre bem colocados de atores e atrizes. Para suavizar as marcas de expressão, a direção – comandada por Ricardo Waddington – lançou mão de um software, que imprimia uma espécie de textura à imagem da trama.
– Numa estratégia de guerra – e acreditando que venceria a Globo com facilidade –, a Record adiantou a exibição do último capítulo de “Caminhos do Coração”, de 22h30 para 20h40, roubando preciosos pontos da estreia de “A Favorita”. O resultado: 34,6 pontos, a menor audiência de um lançamento às 21h até então, contra 22,6. O placar se manteve próximo a tais índices durante toda a primeira semana; nas seguintes, porém, “Os Mutantes” – espécie de “segunda temporada” de ‘Caminhos’ – começou a perder números e relevância. ‘Favorita’, por sua vez, ultrapassou a barreira dos 35 em 11 de junho, com 36,8 (quando antecedeu a final da Copa do Brasil, entre Sport x Corinthians). No dia 16, atingiu os almejados 40, com a sequência em Flora hesita em salvar Lara, que se afoga durante mergulho numa gruta.
– Com sua principal novela “claudicando”, a Globo viu a média-dia chegar a 17,1 pontos, a menor daquele 2008. Neste momento, “A Favorita” assegurava 35 pontos de média no Rio de Janeiro e em São Paulo, 37 no Painel Nacional de Televisão (PNT), 42 em Curitiba, 46 em Florianópolis e impressionantes 52 em Porto Alegre – os números eram associados à classe social, predominante A e B na região Sul. A novela começou a crescer em todo o país a partir de 4 de agosto. O capítulo que antecedeu a revelação do grande mistério da trama anotou 45 pontos na Grande São Paulo. No dia seguinte, o episódio 56 acabou com a dubiedade das protagonistas: Flora era, realmente, culpada pela morte de Marcelo (Deco Mansilha / Flávio Tolezani). ‘Favorita’ chegou então a 46 pontos. Os números, porém, nunca foram extraordinários – além de prejudicados pela veiculação tardia, por conta do horário eleitoral.
– A emissora apostou alto no fim do “primeiro ato” da obra. Enquanto João Emanuel Carneiro induzia o público a acreditar que Dodi e Silveirinha (Ary Fontoura) também poderiam ter disparado contra Marcelo, a imprensa falava em Gonçalo (Mauro Mendonça) como assassino do próprio filho – uma versão supostamente plantada pelo canal. A Globo também apostou em um “falso noticiário” sobre a morte de Marcelo Fontini. Só o rapaz dos anúncios (Deco Mansilha, que já havia aparecido na novela) era bastante diferente do moço visto no flashback que elucidou o mistério (Flávio Tolezani).
– Houve queixas a respeito do tempo que Flora passou na cadeia. Pela lei vigente no país quando ela foi condenada, a assassina ficaria presa em regime fechado por, no máximo, cinco anos – considerando pena de doze a trinta anos por homicídio qualificado, podendo solicitar o regime semiaberto após cumprir um sexto da pena. Para o papel, Patrícia Pillar visitou o presídio Talavera Bruce, no Rio de Janeiro.
– A novela também suscitou polêmica com a presença de um político negro e corrupto. Milton Gonçalves, intérprete de Romildo Rosa, questionou os movimentos contrários a seu personagem. Romildo acabou delatado pela filha, Alícia; também foi associado ao tráfico de armas, numa espécie de “delação premiada” de Diva (Giulia Gam) ao jornalista Zé Bob. Por fim, se encalacrou com o desabamento do prédio onde morava Rita (Christine Fernandes) e sua família – numa trama similar à que Carneiro parece propor em “Segundo Sol”, envolvendo a construtora de Severo (Odilon Wagner) e o edifício de Maura (Nanda Costa).
– O falatório em torno de Romildo, certamente, seria maior se a emissora tivesse mantido o plano inicial do autor, de ambientar a narrativa em Brasília; os custos de produção impediram tal empreitada.
– Numa época em que as redes sociais ainda engatinhavam, “A Favorita” emplacou dois “hits” no YouTube. A cena em que o gay, posteriormente “convertido”, Orlandinho (Iran Malfitano) se declarava são-paulino virou “arma” das torcidas adversárias, que associam o São Paulo à homossexualidade. Comunidades como ‘Orlandinho é bambi’ se proliferaram no então famosíssimo Orkut. O mesmo Orkut abrigou partidários de Flora e Donatela. Os “grupos de defesa” adotaram “estratégias de guerra” após a revelação do mistério acerca do passado das duas: os partidários de Flora enalteciam seu sangue-frio; os fãs de Donatela celebravam a honestidade da personagem, vigente “desde o primeiro capítulo”. A vilã, contudo, tornou-se mais famosa, graças aos remixes de suas frases e bordões. ‘Beijinho Doce’, faixa do repertório de Faísca e Espoleta – a dupla sertaneja formada por Flora e Donatela no passado – se converteu em “hino” para os noveleiros. Na trilha, aliás, um então desconhecido Tiago Iorc, cantando em inglês – no caso, o tema de Halley (Cauã Reymond), ‘Blame’.
– “A Favorita” turbinou o acesso ao site da Globo. A trama aumentou em 67% as visualizações da página destinada à novela das 21h, no comparativo com as antecessoras “Duas Caras” e “Paraíso Tropical” (2007).
– O último capítulo “vazou” para a imprensa dias antes da exibição. A Globo deflagrou uma “operação de guerra” para descobrir o responsável por tal canalhice com autor, elenco e produção. Sobrou até para o departamento de chamadas, repreendido por veicular cenas de Donatela recuperada após tomar um tiro de Flora, gancho do capítulo da última terça-feira (13 de janeiro).
– Exibida na Globo Portugal entre outubro de 2017 e maio deste ano, “A Favorita” emplacou no TOP 10 da TV a cabo por lá, em janeiro, junto com “Rock Story” (2016), “Pega Pega” (2017) e “Tempo de Amar” (2017) – estas nas três primeiras posições – “Malhação” e “Tieta” (1989).
– Houve quem comparasse “A Favorita” a “Dancin’ Days” (1978), centrada na disputa de duas irmãs pela filha de uma delas – Júlia (Sônia Braga), Yolanda (Joana Fomm) e Marisa (Glória Pires), “equivalentes” às amigas Flora, Donatela e a filha da primeira, criada pela segunda, Lara. A novela, contudo, guardava mais semelhanças com outro trabalho de Gilberto Braga: “Corpo a Corpo” (1984). Em dado momento, a suposta heroína, Tereza (Glória Menezes), revela estar por trás de um plano milimetricamente calculado para separar Osmar (Antonio Fagundes) e Eloá (Débora Duarte) – que incluiu, pasmem, a figura do diabo (Flávio Galvão). Diferente de ‘Favorita’, contudo, a malvada de ‘Corpo’ se arrepende de seus atos, quando se torna vítima destes.
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Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.