Morreu Gugu Liberato. O apresentador não resistiu ao acidente doméstico que sofreu na última quarta-feira (20): uma queda de 4 metros de altura que atingiu, principalmente, a cabeça. Gugu fez história na TV brasileira. Foi um dos grandes nomes dos tão disputados domingos. Foi um dos mais bem-sucedidos profissionais do veículo no que tange à audiência, bem como junto ao departamento comercial. Também esteve no centro de muitas polêmicas. Uma trajetória vitoriosa; lamentavelmente, encerrada precocemente.
VEJA ESSA
Antônio Augusto Moraes Liberato, nascido em 10 de abril de 1959, chegou à televisão por intermédio de Silvio Santos, então contratado da Globo. “Sempre gostei muito de televisão, um dia fiz uma análise do seu programa e o Silvio mandou me chamar. […] Foi uma sorte, porque essas cartas não costumam ser lidas“, declarou ele ao Jornal do Brasil, de 6 de dezembro de 1987.
Eram quatro as ideias do menino Gugu, então com 14 anos; todas adquiridas por Silvio. “Ele me pagou Cr$ 50 por cada ideia e ganhei num único dia mais do que o meu salário, que era Cr$ 156“, revelou, também ao Jornal do Brasil, em 7 de maio de 1990. Mas engana-se quem pensa que o menino, contratado por Silvio, apaixonou-se “de cara” pelo meio.
Deixou o “patrão” para estudar Odontologia em Marília, interior de São Paulo. Silvio Santos, sábio, o alertou: “Você não vai gostar de ficar olhando as bocas das pessoas“. Dito e feito. Gugu deixou a faculdade, migrou para rádio e, meses depois, estava matriculado no curso de Jornalismo da Fundação Cásper Libero, ainda hoje responsável pela TV Gazeta.
O regresso à TV se deu por intermédio da Record, como repórter do programa Caravela de Saudade. O salário de Cr$ 6 mil foi triplicado por Silvio Santos: passou a repórter especial e produtor. Em 1981, o “homem do Baú” arrebata, assim como Adolpho Bloch, as concessões da recentemente extinta Tupi. Nasce, no mesmo ano, a TVS – depois SBT –; dois anos depois, a Manchete. E Gugu ganha mais uma chance no vídeo…
À frente da Sessão Premiada, faixa de filmes que presenteava o telespectador, Gugu ganha notoriedade entre o público paulista. A estreia nacional, como apresentador, se deu posteriormente, em junho de 1983 com o Viva a Noite (lançado em 1982). “Transmitido aos sábados a partir das 21h30, vem obtendo uma audiência média de quase 19 pontos no Ibope de São Paulo, correspondentes a 1,5 milhão de telespectadores“, destacava a Veja de 6 de julho de 1983.
Além do Viva a Noite, Gugu Liberato produzia o Domingo no Parque, consagrado formato do Programa Silvio Santos, e editava A Semana do Presidente, um resumo das atividades do então “líder da nação” João Figueiredo. Também faturava alto com sua produtora, responsável por trazer ao Brasil o grupo porto-riquenho Menudo, febre mundial na década de 1980. Passou a agenciar os meninos do Dominó, mantinha parceria com Sérgio Murad / Beto Carrero e vendeu mais de 100 mil cópias com a música Baile dos Passarinhos.
O êxito, e nem poderia ser diferente, chamou a atenção da Globo. Em 10 de agosto de 1987, o jornal O Globo, pertencente ao grupo da família Marinho, anuncia a chegada de Gugu à Vênus Platinada: “Seu grande trunfo, entretanto, será ter à disposição todo o elenco de novelas e linha de shows da Rede Globo. Ele já está vibrando com a possibilidade de levar ao palco, para entrevistas, astros como Francisco Cuoco e Tarcísio Meira. Acredita que vai dar mais que certo”.
Gugu, porém, decidiu voltar atrás em fevereiro de 1988, com pilotos já gravados e estreia agendada para a segunda quinzena de março – período em que a Globo “renovaria” sua grade, estreando a faixa Tela Quente, a novela Fera Radical e o humorístico TV Pirata. Silvio Santos estava adoentado; temeroso, decidiu resgatar o pupilo, entregando a ele boa parte do tempo consumido por seu programa, de propriedade única e exclusivamente sua até então.
“A Globo não vai liberar Augusto Liberato. O contrato está assinado e tem que ser cumprido“, teria dito Roberto Marinho ao próprio Silvio, de acordo com o Jornal do Brasil de 10 de fevereiro de 1988. Dois dias depois, o mesmo periódico trazia detalhes do acordo de Gugu com o ex, então atual “de novo”, patrão.
“60 mil dólares (cerca de cinco milhões de cruzados) mensais por cinco anos de contrato, com renovação garantida. […] 12 minutos por dia de merchandising no SBT […] 90 textos por mês para divulgação de 30 segundos cada, atingindo mais de 40 emissoras do SBT em todo o território nacional”, os dois últimos itens direcionados aos negócios dele e de Beto Carrero.
A Globo negou, por meio de nota oficial, as negociações de Roberto Marinho e Silvio Santos pelo passe de Gugu Liberato. Alegou, segundo o JB de 13 de fevereiro de 1988, que o então ex-contratado tentou renegociar o contrato, a partir da proposta que recebera do SBT. A emissora-líder considerou a solicitação salarial “inviável e descabida, pois além de não apresentar possibilidades de retorno comercial seria inadmissível pagar ao apresentador qualquer valor que ferisse os padrões salariais do elenco principal”.
Em abril de 1988, Gugu fez sua estreia no domingo do SBT. Assumiu o Passa ou Repassa então a cargo de Silvio Santos; dividiu com o mestre o Roletrando – correspondente ao Roda a Roda Jequiti de Rebeca Abravanel – e lançou o Cidade Contra Cidade, clássico já conduzido por Silvio na década de 1960. A chegada do pupilo ao Programa Silvio Santos rendeu coletiva de imprensa capitaneada pelo “patrão”, sempre avesso às entrevistas do tipo.
O acordo, e posteriormente o destrato, de Gugu Liberato – Globo acirrou a disputa com o SBT. Em meio à transferência que não se concretizou, Silvio arrebatou Jô Soares, seduzido pela proposta de lançar seu talk-show na emissora então “líder absoluta do 2º lugar”. A Globo pensou, a princípio, em suprir a ausência do loirinho com a loiríssima Xuxa Meneghel, no auge do sucesso do Xou da Xuxa (1986) e do hit Ilariê. Acabou acertando mesmo foi com Fausto Silva, então na Band.
Apesar da disputa por pontos de audiência, Faustão e Gugu nunca foram inimigos. “O Gugu é o Silvio Santos dos anos 80. Ele tem cara de filho único, desses bonecos de bolo de noiva, e atinge em cheio o público infanto-juvenil. […] Desde o Silvio Santos não aparece um animador a nível popular como o Gugu que faz muito bem o marketing de filho caçula, boa gente, o que ele é mesmo“, declarou Silvio ao Jornal do Brasil, de 6 de dezembro de 1987, quando ainda não concorriam.
O Domingão do Faustão, lançado em março de 1989, logo se mostrou bem-sucedido com números. Silvio Santos contra-atacou alocando o Viva a Noite, exibido no sábado e à noite, como o título sugere, na tarde de domingo – em meio à greve dos radialistas que inviabilizou as gravações do Cidade Contra Cidade, de acordo com a Folha de São Paulo de 13 de maio de 1989.
A investida não surtiu efeito. Gugu Liberato mantinha o êxito comercial – em 1990, um de seus produtores criou a melô da Galinha Azul, marco na história dos Caldos Maggi (Folha de São Paulo, 10 de março de 1990). Nos índices de audiência, porém, a Globo seguia à frente. Gugu foi de atrações inesquecíveis, casos de Corrida Maluca e TV Animal, lançadas em 1989, a programas inexpressivos como Big Domingo (1991), Nações Unidas (1992) e Play Game (1993).
Em 1992, o Viva a Noite chega ao fim. Os sábados, porém, seguiram nas mãos dele. Chitãozinho & Xororó, Leandro & Leonardo, Zezé Di Camargo & Luciano e outras tantas duplas estavam no auge; tornaram-se figurinhas carimbadas no Sabadão Sertanejo, convertido em Sabadão em 1997, quando o gênero começava a dividir espaço com o axé e o pagode.
O jogo aos domingos começou a virar quando o Domingo Legal, lançado em 1993, passou a ser ao vivo, em 7 de agosto de 1994. O quadro Táxi do Gugu, ideia do próprio durante uma viagem de Nice para Cannes, na França, com um chofer expansivo e engraçado, tornou-se a principal atração do DL. Em pouco tempo, passou a responder pelo melhor número do SBT aos domingos, empatando ou vencendo o Topa Tudo Por Dinheiro, de Silvio Santos.
A Globo tentou rebater como pode. O Domingo Legal derrotou a Escolinha do Professor Raimundo, de Chico Anysio; Os Trapalhões, de Dedé Santana e Renato Aragão – com quem dividiu a cena em filmes –; e Xuxa Hits, da então amiga Xuxa Meneghel. Para vencer a principal concorrente, Gugu mantinha um olho nos números; outro no diretor Homero Salles, parceiro de uma vida toda.
Apresentando e praticamente dirigindo o Domingo Legal, Gugu Liberato atingiu a liderança absoluta de audiência. O “vale tudo” dos números rendeu incontáveis matéria sobre a qualidade da programação da TV brasileira; especialmente, o conteúdo dos dominicais do SBT e da Globo. De aberrações como chupa-cabras e ETs de Varginha a concursos com crianças fantasiadas de Carla Perez, então dançarina do É o Tchan. E coberturas como as das mortes dos Mamonas Assassinas.
As críticas o incomodavam. Em 5 de novembro de 2000, o Jornal do Brasil repercutiu a fala do apresentador sobre o quadro Banheira do Gugu, então proibido pela Justiça por conta dos closes ginecológicos em moças e rapazes que tentavam impedir, uns aos outros, de apanhar sabonetes numa “guerra” na água: “Mulher pelada na piscina pode, e na banheira não?“.
Era uma referência às cenas de Uga-Uga, novela de Carlos Lombardi que a Globo exibia às 19h – e que trazia peitos e bumbuns, de homens e mulheres, tornando-se também alvo da Justiça.
Em 29 de outubro de 1997, questionado pela Folha de São Paulo sobre a guerra por audiência, Gugu declarou: “A briga pelo ibope sempre existiu. Isso não é novidade. O que eu jamais faria? Faltar com respeito ao meu público, humilhar alguém, mostrar mentiras… O limite é a consciência de cada comunicador“. Liberato, porém, se viu envolvido em um escândalo ligado a mentiras, anos depois.
Polêmicas como o leilão da sunga supostamente usada por Thiago Lacerda durante a encenação da Paixão de Cristo, ou o affair de Cleo com o padrasto Orlando Morais que teria levado Gloria Pires ao hospital, tornaram-se pequenas diante da entrevista com falsos integrantes do PCC. A matéria do repórter Wagner Maffezoli trazia dois supostos membros da facção criminosa ameaçando figuras como José Luiz Datena e Marcelo Rezende.
A encenação foi exibida em 7 de setembro de 2003, feriado de Independência. Na segunda-feira, 8, Gugu tornou-se alvo dos citados e de outros tantos profissionais de TV, incomodados com o tom agressivo das falas dos “criminosos”. Dois dias depois, um inquérito foi instaurado para investigar as denúncias sobre a autenticidade do material. A farsa acabou desmontada; o Domingo Legal, como punição, ficou fora do ar em 21 de setembro.
A imagem de Gugu Liberato foi comprometida. A audiência do DL desabou; o primeiro lugar voltou, com folga, para o Domingão do Faustão – que dividira com o concorrente um merchandising da Nestlé, colocando os dois “rivais” no ar ao mesmo tempo, nas duas emissoras. Contratos publicitários, e milionários, foram suspensos. Nos anos seguintes, quadros como Lendas Urbanas e Construindo Um Sonho devolveram números de maior expressão ao programa.
Antes do “caso PCC”, Gugu recebeu novas propostas da Globo. A primeira em 1998, noticiada em O Globo. Dois anos depois, ao marcar presença no especial TV Ano 50, gravado no Projac, foi pajeado por nomes que ocupavam postos estratégicos na direção da casa. Em 25 de abril de 2001, a Veja destacava tal assédio, acrescentando: “Gugu é um muro de negativas quando alguém o interpela sobre uma mudança de emissora: ‘Só saio do SBT no dia em que Silvio sair’“.
Não foi bem assim. Em 2009, a Record ofereceu R$ 3 milhões ao apresentador, que aceitou. Segundo boatos, Silvio Santos teria dito, na ocasião, que ele próprio aceitaria tal proposta, válida por oito anos. “Vai, Gugu. Em lugar nenhum você vai ganhar tanto“, eis a fala do “patrão”, de acordo com a Veja de 1º de julho de 2009. O aprendiz, porém, puniu o aluno: trocou o Domingo Legal de horário; também saqueou a Record, negociando, dentre outros, o passe de Eliana.
A estadia de Gugu Liberato na estação de Edir Macedo, porém, foi marcada por altos e baixos. O Programa do Gugu não foi capaz de frente aos principais concorrentes – especialmente ao Programa Silvio Santos, fortalecido após o início de tal concorrência. A parceria se desfez em junho de 2013, em meio a atritos motivados pelo corte de verbas para a atração de pouca relevância para a TV, naquele momento.
“A emissora e o apresentador consideram que o período de convivência profissional foi proveitoso para ambas as partes e atingiu seus objetivos, e ofereceu todas as condições para que Gugu e sua equipe desempenhassem o seu trabalho”, destacou a Record em comunicado oficial. O vínculo, porém, foi retomado no ano seguinte, com Gugu ocupando as noites de quarta-feira, em atração produzida pela GGP – empresa dele que, na década de 1990, levou a Escolinha do Barulho à tela do canal.
O programa, batizado apenas de Gugu, chegou ao fim em dezembro de 2017. No ano seguinte, o apresentador assume dois realities: Power Couple Brasil e Canta Comigo. Embora habilidoso e dedicado, Gugu Liberato não pode agregar sua marca aos formatos. O DNA de apresentador e diretor não esteve presente ali. A segunda temporada do Canta Comigo ainda está no ar. As últimas gravações de Gugu para a TV serão vistas nas próximas quartas-feiras.
Evidente que o programa ganha outro significado agora. A competição acabou suplantada pela história. Gugu saiu de cena como em tantas edições do Domingo Legal, finalizadas às pressas porque o tempo havia estourado: sem se despedir como esperávamos. O fim precipitado de uma história marcada por muitos mais altos do que baixos; por muitos mais acertos do que erros. Por sua extrema competência e imenso talento.
Duh Secco é "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.