Adiamento, troca de protagonista e cachorro de raça: os bastidores de Vira Lata

Vira Lata
Andrea Beltrão (Helena) e Carolina Dieckmann (Renata) em Vira Lata; novela que estreou há 25 anos passou por “troca” de protagonistas (Imagens: Arley Alves – Nelson Di Rago / Globo)

Há 25 anos, a Globo exibia o primeiro capítulo de Vira Lata. A novela das sete ficou marcada por desajustes nos bastidores envolvendo as estrelas Andrea Beltrão e Glória Menezes, a promoção de Carolina Dieckmann ao posto de mocinha, o conteúdo pesado e, claro, a participação especial de cachorros. Os percalços, porém, não impediram que a trama ficasse na memória afetiva de muitos telespectadores. Aliás, quem me conhece, sabe que tenho apreço pelos flops – os bastidores são sempre muito mais interessantes. Abaixo, 25 curiosidades da obra.

Vira Lata
Andrea Beltrão em cena de Vira Lata com Humberto Martins (Lênin); figuras centrais foram escaladas dois anos antes da estreia (Imagem: Divulgação / Globo)

1 – Carlos Lombardi entregou a sinopse de Vira Lata à Globo logo após a conclusão de Perigosas Peruas (1992). A novela entrou em produção no início de 1994, então como substituta de Olho no Olho (1993). Roberto Talma, parceiro do autor em ‘Peruas’, respondia pela direção geral. Dificuldades relacionadas ao treinamento de cães atrapalharam a pré-produção; a sinopse acabou engavetada.

2 – Nesta época, Andrea Beltrão já era cotada para a protagonista Helena. Quando criança, Lê testemunhou o suicídio da mãe, enquanto esta fugia do marido Moreira (Jorge Dória). Helena seguiu seu caminho longe da família de contraventores – que incluía os irmãos Aquiles (Roberto Bataglin) e Cassandra (Maria Zilda Bethlem). O marido Bráulio Vianna (Murilo Benício) e as filhas Julianna (Kananda Raia, sobrinha de Claudia Raia) e Giovanna (Alessandra Aguiar) foram induzidos a acreditar que ela foi criada num orfanato.

Humberto Martins também era nome certo na produção, como Lênin. O tipo aventureiro foi abandonado pela mãe, Stella (Glória Menezes), quando ele e os irmãos Fidel (Marcello Novaes) e Mussolini (Luciano Vianna) eram pequenos. O pai Lupércio (Cláudio Marzo) endoidou ao ser trocado por Ângelo (Mário Gomes), contínuo do hotel de propriedade da família, o Solar Santa Maria. Lênin fez a vida longe do clã. Não viu Fidel ser preso por tentativa de homicídio – na ânsia de defender a honra da família –, nem Mussolini sumir sem deixar rastro…

Andrea e Humberto, porém, estavam comprometidos com as gravações da minissérie A Madona de Cedro (1994), o que contribuiu para a suspensão de Vira Lata.

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Ary Fontoura (Aurélio) em Vira Lata; ator também foi cogitado para “primeira versão” da novela (Imagem: Divulgação / Globo)

3 – Quando enfim liberada, Andrea Beltrão foi deslocada para A Viagem, texto de Ivani Ribeiro escolhido para a vaga de Olho no Olho. O mesmo se deu com Ary Fontoura, Cláudio Mamberti, Laura Cardoso e Nair Bello. Já Humberto Martins voltou à cena em Quatro Por Quatro (1994), também de Lombardi, assim como Betty Lago, Tato Gabus e Tatyane Fontinhas Goulart.

4 – Alexandre Frota, Carla Daniel, Natália Lage, Silvia Buarque e Taumaturgo Ferreira também foram reservados para a “edição 1994” da trama de Lombardi.

5 – Em 1996, diante do êxito de Quatro Por Quatro, a Globo resgatou Vira Lata. Entre uma e outra, apenas Cara & Coroa (1995), assinada por Antonio Calmon. O autor topou encurtar as férias caso Jorge Fernando topasse assumir a direção. “Até achei que ele não ia querer, porque tinha acabado de sair de uma novela [A Próxima Vítima, 1995], mas ele topou. Acho que ficou a fim porque era um projeto diferente do anterior”, contou Carlos Lombardi ao jornal Folha de São Paulo (31/03/1996).

6 – A sinopse foi reformulada para evitar coincidências com O Rei do Gado, contemporânea das oito. O clássico de Benedito Ruy Barbosa era ambientado em Ribeirão Preto, cidade paulista que também abrigava o enredo de Lombardi. A ação da novela das sete foi então deslocada para Rio de Janeiro e Florianópolis, Santa Catarina. A mudança implicou, claro, em alterações no roteiro.

Ângelo, então dono de usina de açúcar interessado nas terras de Lênin e dos irmãos, virou empresário da rede hoteleira, decidido a tomar posse do Solar Santa Maria. Helena, como previsto na sinopse inicial, simulou a própria morte para fugir de um misterioso assassino, mas abdicou do disfarce de boia-fria – profissão de Luana (Patrícia Pillar), heroína de ‘Rei do Gado’.

7 – Vira Lata perdeu um de seus cenários para Quatro Por Quatro. No primeiro tratamento, Moreira administrava um hospital, onde o marido de Cassandra, Ítalo, chefiava uma quadrilha de roubo de órgãos. Lênin seria uma das vítimas do esquema, entregando o rim, sem saber, para um doente rico. Em ‘Quatro’, Gustavo (Marcos Paulo) agia em benefício próprio, mas não necessariamente em roubo de órgãos, na instituição de saúde da tia Isadora (Márcia Real).

Ítalo (Rômulo Arantes) foi o grande vilão de Vira Lata. Ele matou Cassandra e, com o auxílio de Antígone (Cinira Camargo), amante dele e de Moreira, imputou a culpa a Helena. Era ele também quem perseguia a protagonista e suas filhas, interessado em recuperar provas que o incriminavam, como o microfilme com a gravação do assassinato de Cassandra, e afastar o cunhado Vianna, promotor de Justiça, das investigações sobre os negócios escusos do sogro – motivo da separação de Lê.

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Murilo Benício (Bráulio Viana) em Vira Lata; ator declinou de convite para O Rei do Gado por conta de trama das 19h (Imagem: Nelson Di Rago / Globo)

8 – Murilo Benício estava escalado para O Rei do Gado quando foi convidado para Vira Lata. “Estava comprometido com o Luiz Fernando [Carvalho, diretor], mas seria a minha terceira novela na Globo e a terceira rural. Não tenho mais aquela coisa de provar que sou bom ator. Tenho de saber administrar minha carreira”, confidenciou o ator ao O Estado de São Paulo (12/05/1996). Bráulio, porém, passava longe do terno. A calça de pijama, com o dorso nu, era o figurino oficial do personagem. Os óculos foram contribuição de Murilo; ele adotou o acessório após experimentar o do irmão e achar “a cara do Vianna”. Na reta final, surgiu Dráuzio, irmão gêmeo “maloqueiro” do promotor.

9 – O lançamento de Vira Lata coincidiu com a campanha do Governo Federal em prol do uso da camisinha. A propaganda chamava o órgão sexual masculino de “Bráulio”. O apelido pegou após as reclamações dos Bráulios do Brasil, repercutidas, inclusive, no Fantástico e no Jornal Nacional, o que conferiu “charme extra” ao tipo vivido por Benício.

10 – Além de Andrea Beltrão e Humberto Martins, a escalação definitiva de Vira Lata contou três nomes da “versão 1994”. Ary Fontoura ficou encarregado de Tio Aurélio, irmão de Lupércio e responsável pela criação de Lênin, Fidel e Mussolini. Nair Bello seguiu como Tônia, viúva à caça de um novo golpe do baú. E Betty Lago foi mantida na pele de Valquíria, pediatra das filhas de Helena e melhor amiga da protagonista. Já Laura Cardoso, que responderia por Aliança, foi substituída por Ivone Hoffman. E o mordomo de Tônia, Nabucodonosor (Nestor de Montemar), virou Obséquio (Duda Ribeiro).

11 – Tônia, parceira de Stella na vida e na jogatina, foi inspirada em Hebe Camargo. A “gracinha” contribuiu, ainda na pré-produção de 1994, com cinco vestidos, daqueles exuberantes, para a composição de Nair Bello.

12 – Letícia Sabatella e Malu Mader foram convidadas para encarnar Pietra. A antiga paixão de Fidel – também envolvida com Lênin e Mussolini – acabou nas mãos da novata Vanessa Lóes. Pedro Paulo Rangel, cotado para Esmeraldo, cedeu a vez para Felipe Martins. Marcos Palmeira e Eduardo Moscovis também ficaram de fora do time. Moscovis, que chegou a ser creditado, foi deslocado para Anjo de Mim, folhetim das seis. Mateus Carrieri, que havia participado de Vira Lata como os gêmeos Cacetada e Cratera, assumiu o tipo, Frederico.

13 – Thalma de Freitas estreou na TV após o convite de Jorge Fernando, com quem havia trabalhado no musical Nas Raias da Loucura. A personagem Dolores, empregada doméstica que mantinha um caso com o patrão Vianna, deixou a atriz temerosa. “Fiquei pensando… É mais um daqueles estereótipos de negro que faz papel de empregado. Mas, além de passar por cima dos preconceitos, se puder cuspir para trás… Além do mais, iria substituir uma loura”, revelou ao Jornal do Brasil (11/05/1996). A substituída foi Luana Piovani, que não pode atender ao chamado para a produção.

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Kananda Raia (Julianna), Alessandra Aguiar (Giovanna) e Funk (Zé) em Vira Lata; cachorro deu trabalho à produção (Imagem: Divulgação / Globo)

14 – Emocionalmente instável, Helena demonstrava apego excessivo às crianças e aos animais. Ela acolhia cachorros de rua, como Zé, espécie de guardião da família – e testemunha das “puladas de cerca” de Bráulio e Dolores. A escolha dos animais passou pelo crivo de Carlos Lombardi, conforme relato dele a Folha de São Paulo (31/03/1996): “Vi ‘Babe, o Porquinho Atrapalhado’ (1995) e me comovi com aquela história. Adoro esse clima de magia e encantamento, por isso me ative a alguns detalhes para a escolha dos cães que entram na trama da novela. Estabeleci limites muito claros. Não queria, por exemplo, que fossem filas nem chihuahuas”.

15 – Para Zé, foi escolhido o cãozinho Funk, mistura de duas raças puras, collie e sheepdog. Lombardi e Jorge Fernando, de acordo com o Jornal do Brasil (17/02/1996), relutaram em aceitar o eleito por não ser ele propriamente um vira lata, como pedia o título. A criadora e treinadora In-coelum Abreu, habituada às gravações com animais, argumentou: “Um SRD (sem raça definida) vem de muitas misturas de temperamento. São imprevisíveis e podem tumultuar um set de gravação”. Para conferir o aspecto “animal de rua” a Funk, os pelos dele foram aparados de forma irregular. O bicho de um ano e dois meses, 40 quilos e 1,5m quando de pé contava com regalias, como motorista e dublês – seus irmãos, Rap e Rumba.

16 – A participação dos cachorros foi reduzida com o passar dos capítulos. Resultado das dificuldades enfrentadas nas gravações. “Sempre adorei cachorro. Mas atuar com eles é muito desgastante. Repetimos a cena várias vezes e é aquela em que o cão ficou melhor que vai ao ar”, brincou Murilo Benício em depoimento ao O Globo (28/04/1996).

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Glória Menezes (Stella) em Vira Lata; veterana deixou novela após pedido de licença (Imagem: Nelson Di Rago / Globo)

17 – Este não foi o único percalço de Vira Lata. “Foi minha pior novela. Em ‘Vira Lata’ aprendi a jogar fora o que não funciona e consertar o que está dando errado com a novela no ar. Consertei a novela somente no capítulo 80. Do capítulo 20 em diante, fiquei tentando ajustar, porque estreei com 20 capítulos prontos”, admitiu Carlos Lombardi ao livro Autores, Histórias da Teledramaturgia, do projeto Memória Globo. As saídas de Glória Menezes e Andrea Beltrão influíram negativamente no curso da novela…

18 – Insatisfeita, Glória pediu licença e não voltou mais. Antes disso, Lombardi “humanizou” Stella quando revelou ao público que o afastamento dos filhos se deu não só pela paixão por Ângelo como também em decorrência do trauma causado pela morte de Stalin, outra de suas crias com Lupércio.

Inicialmente a Glória ficaria afastada das gravações durante um mês, período em que estaria encenando sua peça em São Paulo. Depois, por problema de estafa, ela pediu mais 30 dias. Achei que dois meses era muito tempo e que precisaria de uma personagem que funcionasse como ela junto aos irmãos do Solar”, explicou o autor em entrevista ao O Globo (16/06/1996).

Susana Vieira foi então convocada para Vira Lata. Laura, irmã de Stella, também envolvida por Ângelo, estava afastada da família desde que seu romance com o sobrinho Lênin, então adolescente, foi descoberto. Curiosamente, o entrecho repetia o do mesmo Lênin e Tatu (Deborah Secco), suposta filha de Fidel.

19 – Também em junho, Andrea saiu de cena. Uma gravidez de risco tirou a atriz dos estúdios. A solução encontrada, neste momento, foi colocá-la “de férias”, longe dos homens que amava, Bráulio e Lênin. A mudança de rota fez Sílvia (Virgínia Nowick, recém-saída da reportagem do Você Decide) ganhar destaque. Ex de Lênin, Sílvia envolvia-se com Vianna e surtava ao perceber que os dois só queriam saber mesmo de Lê. Os problemas, porém, exigiam medidas mais drásticas.

A Andrea Beltrão foi chata pra caramba! Nunca mais pretendo escrever ou trabalhar com ela na vida. E olha que acho a Andréa uma atriz brilhante. Mas ela não é uma estrela no sentido de empatia popular. É uma brilhante atriz, de mau humor. E põe mau humor nisso… Ela não gostava do que estava fazendo. E parecia também não gostar com quem estava contracenando”, admitiu Carlos Lombardi em entrevista para o livro A Seguir, Cenas do Próximo Capítulo, de André Bernardo e Cíntia Lopes.

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Luciano Vianna (Mussolini) em cena de Vira Lata com Carolina Dieckmann; atriz arrebatou posto de mocinha (Imagem: Nelson Di Rago / Globo)

20 – Diante dos desajustes envolvendo Andrea, o autor transformou Renata (Carolina Dieckmann), de caráter dúbio, em mocinha. A personagem marcou a virada na carreira de Carolina, que, no ano anterior, havia interpretado a vilã July em Malhação. A atriz estava insatisfeita com os rumos de sua carreira, diante da mudança de fase na soap opera. “Pedi férias e voltei com o cabelo picotado e pintado de ruivo, sem pedir autorização”, confessou ao Jornal do Brasil (13/07/1996).

A rebeldia de Dieckmann rendeu sua dispensa e a escalação para a figura, então secundária, da trama das sete. Par de Mussolini, que a abandonou grávida, Renata acaba caindo de amores pelo cunhado Fidel. O romance dos dois, ao som da versão de Take That para How Deep Is Your Love, do Bee Gees, embalou o terço final de Vira Lata.

21 – Os perfis agressivos e neuróticos dos protagonistas, as constantes troca de casais, os relacionamentos amorosos entre parentes e as muitas dúvidas sobre as origens dos personagens – Pietra, por exemplo, não sabia qual dos irmãos Wanderpetrokovitz era pai de seu filho Toquinho (Eduardo Caldas) –, motivavam queixas na seção “Cartas do Leitor” dos jornais e revistas da época.

22 – Desta vez, a parceria Carlos Lombardi e Jorge Fernando, da bem-sucedida Vereda Tropical (1984), passou longe do êxito. Na época, a Globo implantava a figura do diretor de núcleo. Jorginho, após capitanear o primeiro mês de gravação, entregou a direção geral para Rogério Gomes, tocando projetos paralelos – como os especiais Não Fuja da Raia. Com os muitos percalços, a permanência de Jorge Fernando no cotidiano da equipe se estendeu.

23 – Vira Lata, contudo, manteve a audiência da faixa. A exibição sofreu alterações de horário por conta das Olímpiadas de Atlanta, deixando de ir ao ar em 31 de julho, por conta do confronto Brasil x Nigéria, no Futebol.

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Humberto Martins em cena de Vira Lata com Marcello Novaes (Fidel); mistério envolvendo irmãos dominou reta final (Imagem: Nelson Di Rago / Globo)

24 – As emoções finais ficaram por conta da morte de um dos irmãos protagonistas. Lênin deu adeus à família no último capítulo devido à doença cardíaca que, segundo o primo Lourenço (Mário Lago em participação especial), já havia matado outros membros do clã.

25 – O conceito “família” estava em alta na esfera pessoal de dois dos galãs de Vira Lata. Marcello Novaes e Murilo Benício aguardavam as chegadas de Pedro e Antônio, frutos dos relacionamentos de Marcelo com Letícia Spiller e de Murilo com Alessandra Negrini. Os dois seguiram os passos dos pais.

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Duh SeccoDuh Secco
Duh Secco é  "telemaníaco" desde criancinha. Em 2014, criou o blog Vivo no Viva, repercutindo novelas e demais atrações do Canal Viva. Foi contratado pela Globosat no ano seguinte. Integra o time do RD1 desde 2016, nas funções de repórter e colunista. Também está nas redes sociais e no YouTube (@DuhSecco), sempre reverenciando a história da TV e comentando as produções atuais.